Capítulo 35
G i e n n a h
- Será que você pode ficar quieta por um minuto, pelo amor de Deus? – Me virei pela quarta vez para Aby enquanto o telefone chamava no meu ouvido.
Ela bufa e senta no sofá, para logo depois levantar de novo e ir para a cozinha.
- A nossa conversa não acabou! – grita ela.
Eu não estava acreditando que o avô de Liam esteve no hospital e Aby só me conta agora. Eu estava em Los Angeles no dia em que ele estava em recuperação, mas ninguém tinha me dito nada. Aby só havia me ligado para saber onde raios eu estava no dia de Natal, mas mesmo assim, não tinha me dito, mesmo já sabendo. O problema, é que Liam tinha me ligado, mas eu estava de saco cheio e com muita dor de cabeça para ouvir Aby, minha mãe e quem quer que estivesse me ligando, então desliguei o telefone depois de contatar minha mãe e dizer que eu estava bem.
Eu realmente não queria falar nada sobre o que tinha de fato acontecido, e Aby estava desesperada para saber.
- Alô? – Ouço a voz de Liam do outro lado da linha.
- Oi, sou eu, Giennah. Como está o seu avô? Ele está bem?
Escuto sua risada do outro lado.
- Eu sei que é você, Gie. Apareceu o seu nome. E sim, vovô está bem.
Suspiro aliviada. Eu nunca cheguei a conhecer de fato o avô de Liam. Não sabia nem o seu nome. Mas eu lembro das vezes em que ele viajava para cá, uma cidade pequena, só para nos visitar, e ficava feliz de voltar para ficar com o avô. Ele o amava.
- Que bom! Eu estive aí, poderia tê-lo visitado.
- Sim, eu soube. Mas por que esteve aqui? Que eu saiba, você não tem nenhum parente na Califórnia.
Fecho os olhos. Merda. Eu realmente não estava pronta para falar sobre isso com alguém, mas uma hora ou outra, eu teria que desabafar. Eu já tinha posto em mente que passaria o ano novo na casa dos meus pais, como forma de compensar, mesmo que nada substitua o Natal que eu perdi com eles, e voltaríamos todos para Woodland para a minha formatura no começo do ano. Eu estava certa que seria o momento perfeito para contar a minha mãe os motivos que me fizeram abandonar tudo de última hora. Eu também sabia que se tratando disso, ela poderia ter os melhores conselhos.
- Eu... tive alguns compromissos aí que não poderia adiar.
A linha fica muda por alguns segundos. Com certeza Liam não acreditou em mim.
- Sabe, eu vi aquele gostosão que morava no apartamento ao lado do seu e de Aby.
Meu sangue gela, mas me recomponho, como se não tivesse o mínimo de interesse.
- A é? – É o máximo que consigo dizer.
- Sim, e ele estava com uma garota baixa e loira. Sério? Ela parece aqueles bonecos que a gente aperta e os olhos saltam, de tão grande que são.
Eu riria se essa constatação não tivesse acabado de despedaçar mais uma parte do meu coração. Eu não queria mais ouvir dele. Não queria saber se estava bem com a nova namorada, ou se ele tinha me superado. Pelo visto, superou. E está ótimo, enquanto eu não conseguia parar de pensar nele. Filho da mãe.
- Eu preciso desligar, Liam. Fico feliz que seu avô esteja bem, de verdade.
- Gie, me escuta. Aquele cara não deve saber o que está perdendo. Você é incrível, linda, inteligente. Gata, você foi aceita por uma faculdade de Direito quando ainda estava saindo da adolescência! Você é boa no que faz, forte, sonha... Não deixe que isso acabe com a luz que há em você. Eu li uma frase uma vez em um biscoito da sorte que dizia assim: Deixe que vá. Se for para ser seu, não importa o tempo, voltará para você. Pelo pouco que você me contou sobre o seu relacionamento com o vizinho, você estava apaixonada e nem tinha se dado conta. Eu vi os seus olhos brilharem de novo, Gie. Não deixa que se apague novamente.
Enxugo a lágrima que escapou sem eu perceber, e sorrio, mesmo ele não podendo ver.
- Obrigada, Liam. Obrigada.
Assim que desligo o telefone, me viro e vejo Aby com um pequeno montinho de cartas na mão.
- Você não paga os boletos não? Essas cartas parecem estar aqui há dias.
- Deixa aí, depois eu vejo.
Vou para a cozinha e encho um copo d’água. Olho por cima da borda do copo e percebo que Aby está encarando uma carta específica.
Apoio o quadril na bancada.
- O que foi?
Ela vira a carta diversas vezes como se quisesse ter certeza do que via. Ela coça a garganta e vem na minha direção com a carta estendida.
- Acho que isso é importante.
Com uma pontada de preocupação, pego a carta na mão e leio o remetente. Ai, não. Não, não. O selo da Califórnia se destaca acima do endereço.
Thomáz Stanfield.
Desço mais os olhos.
Destinatário: Giennah Jones.
Meu coração erra algumas batidas.
- Vire a carta – ouço Aby dizer.
Viro. Menos uma batida.
Para você ler quando pensar que não me ama mais.
Mais lágrimas rolam pelo meu rosto e eu me apoio na pia. Uma lágrima cai no papel em minhas mãos, mas não enxergo mais porque minha visão, em determinado momento, se tornou turva.
- Ele não tem o direito, Aby. Não tem.
As palavras se juntam na minha garganta e eu desabafo com a minha amiga. Digo que mudei de ideia em cima da hora e peguei o voo mais próximo para a Califórnia, mesmo sabendo que eu não gostaria de ver o que eu vi. Ela me abraça por um momento, e eu deixo, mas logo me desvencilho.
- Não, Aby. Eu não preciso de colo. Não mais. Quando Kieran terminou comigo, a primeira coisa que eu quis foi colo, que passassem a mão na minha cabeça e dissessem que tudo ia ficar bem. Mas vocês não podem ser minha âncora. No final, eu só vou ter a mim mesma. Se eu chorar de noite, vocês não vão estar aqui para me consolar. Eu aprendi com Kieran que eu tenho que passar por essa sozinha. Eu... vou ficar bem. Eu posso chorar, eu posso me lamentar. O que eu não posso é achar que tudo está perdido. Eu só não posso deixar que isso seja maior que eu. Eu não posso.
Continuo chorando, porque eu sei que não vou abrir essa carta agora. Porque o que eu disse, era verdade. Eles podem me ajudar, podem enxugar minhas lágrimas. Mas não para sempre. E eles já fizeram isso demais. E principalmente, porque por mais que eu o odeie nesse momento, eu sei que ainda não deixei de amar Thomáz.
...
Passo pela porta de vidro depois de algumas semanas sem vir para cá. Não tinha percebido que sentia falta do escritório até de fato entrar aqui. Tinha conversado com a senhora Julia, e disse que estava com alguns problemas, e ela os aceitou, e como eu já vinha feito grande parte do trabalho, ela me deu o tempo necessário, que eu disse que não seria muito, e acabou sendo.
Falo com algumas pessoas, outras me perguntam se aconteceu algo, mas para não me estender muito, digo que está tudo bem. Não entro em detalhes, claro, mas tento ser um pouco sincera com eles, e aceitam. Dou um abraço em Liv, e no mesmo minuto, esqueço um pouco dos problemas de fato, e ela me diz que George e Penélope estão juntos.
- Então quer dizer que ele finalmente vai me deixar em paz?
Ela dá de ombros.
- Pelo caráter de alguns homens, é provável que ele continue mesmo estando com ela.
Rio um pouco com Liv, mesmo estando levemente preocupada com isso, e organizo minha mesa que estava intacta do jeito que eu tinha deixado da última vez. Respiro fundo, sabendo que terei que passar pela sala da senhora Julia uma hora ou outra. Me levanto e passo a mão pela calça social. Queria estar o mais formal possível, já que precisava resgatar a minha imagem de boa profissional. Na realidade, eles pouco se importariam com isso, mas os pensamentos estão a quilômetros na minha cabeça, pelo medo de estar fazendo algo errado, até mesmo no que estou vestindo. Bato na porta e giro a maçaneta quando a voz pede para eu entrar.
Antes de adentrar inteiramente na sala, tenho um vislumbre do sobrenome Stanfield talhado na porta, imponente. Fecho a mesma e me dirijo para frente da mesa. Ela tira os óculos e olha para mim com um sorriso. Merda. Mil vezes merda. Eu tentava esquecer que ela era a mãe de Thomáz, mas agora, nesse momento, olhando para ela e vendo os mesmos olhos azuis, os lábios formando uma linha fina, e os cabelos loiros, eu vejo um pouco dele. Tento não transparecer esse curto momento com um sorriso simpático.
- Bom dia, senhora Ju...
- Por favor, nada de senhora. Apenas Julia. Querida, nada de formalidades. Detesto que me chamem de senhora, mesmo nos momentos necessários. – Ela sorri. – Sente-se, por favor.
Faço o que ela pede, e me viro para ela novamente. Sua mão alcança a minha por cima da mesa, o que me surpreende de imediato.
- Você e o meu filho estão juntos, não? Vejo você com outros olhos também, Giennah. Não apenas como minha funcionária. Se meu filho viu algo de especial em você, eu também vejo.
Engulo em seco e tiro minha mão debaixo da sua, delicadamente.
Como eu tocaria nesse assunto com a mulher que também é a minha chefe? Eu não acredito que ele está em todo lugar, e seu nome parece que me persegue.
- É... Julia. Nós não estamos mais juntos. Não chegamos a namorar, éramos... – O que nós éramos? Eu realmente preferia não pensar nessas coisas no meio do meu trabalho – amigos. – Digo por fim. – Próximos, mas amigos apenas. E não o vejo desde que foi embora – minto.
Ela arregala um pouco os olhos, assim como Thomáz também faz, genuinamente surpresa.
- Eu não soube. Bom, me desculpe por falar sobre isso. É que... Bom, Thomáz nunca havia namorado, e ele dizia para mim que ainda não tinha encontrado A pessoa, então quando vocês foram jantar na nossa casa, pensei que...
- Me desculpe Julia, mas o que tivemos é passado agora. Sem querer ser indelicada, mas eu estou realmente focada em terminar a faculdade e no trabalho. Eu sei que ele é o seu filho, mas eu preferia que a sua única visão sobre mim fosse profissional.
Ela pisca, e me surpreendendo novamente, sorri ligeiramente para um ponto fixo na mesa e sussurra, como se para si mesma:
- Ele encontrou A pessoa. São tão parecidos...
- Como? – pergunto.
Ela se volta para mim novamente, mas balança a cabeça como se o que tivesse acabado de falar não fosse algo importante.
- Bom, respeitarei a sua decisão, querida. E as iniciais estão aqui. – Ela aponta para uma pilha mediana de processos e eu sorrio. É o que eu preciso.
Com os papéis nos braços, agradeço a ela e caminho na direção da porta.
- Giennah. – Me viro para ela.
- Sim?
- Há poucas mulheres como você, sabia? As determinadas. E vi em você, desde o dia em que chegou aqui, que você respeita todos a sua volta. E que ama o que faz. Meu filho não poderia ter encontrado pessoa melhor. Saiba que eu te admiro.
Olho por um momento para ela, absorvendo suas palavras e sorrio. Balanço a cabeça em agradecimento, e deixo a sala. Enquanto caminho com a pilha de processos nos braços, pelo corredor, penso nas palavras dela e nas de Liam. Sorrio para mim mesma.
Saiba que eu te admiro.
É, eu também me admiro.
...
- Eu juro que pensei que você ia dizer não! – Liv grita acima da música alta que está tocando no bar karaokê que nos encontramos todas as sextas. Ela tinha me chamado, já que hoje era sexta, e todos os nossos colegas iriam. Hoje tinha sido meu primeiro dia depois de várias semanas longe do trabalho e da faculdade, mas não pensei duas vezes antes de aceitar. Eu precisava.
- Lógico que eu viria! Estava sentindo a falta de vocês.
Nós deixamos nossas bolsas na mesa em que todos estão, e vamos até o bar para pedir um shot de tequila.
- Vamos começar pelo básico.
Rio pela sua visão de básico para o shot e no mesmo momento começa mais uma música animada. A bebida chega, e viramos ao mesmo tempo. No segundo seguinte, já estamos na pista de dança, pulando e dançando no meio das pessoas. A música embala a nós duas, e eu jogo meus cabelos para o ar, começando a sentir o conhecido calor. Os outros corpos roçam no meu, mas fecho os olhos e me imagino sozinha naquela pista de dança. Apenas eu e a música. Mais ninguém. Me sinto mais leve do que nunca. Mais sexy do que nunca. Rebolo, desço até o chão. Liv aparece com mais duas mulheres da empresa, e começamos a rir juntas. Entre bebidas e risadas, eu esqueço de literalmente tudo. Uma música atrás da outra, um copo atrás do outro, e então me vejo na minha cama. Lembro apenas de Liv me trazendo para o meu apartamento, e dizendo para eu ficar bem. A porta fechou e eu fiquei sozinha novamente. Sem barulho, sem música, sem bebida. Silêncio.
Sozinha.
Não.
Eu e o meu coração. E o meu cérebro cheio de pensamentos.
E é nesse momento, com uma ajudinha da bebida, que eu me torno mais sensível. Mais vulnerável. E é aqui, sozinha, mas ao mesmo tempo comigo mesma, que eu desabo. Eu choro. Sem colo. Sem uma mão na cabeça dizendo que vai ficar tudo bem. Apenas eu. Eu choro de alívio, saudade, tristeza, mas o mais importante, eu estou chorando. O que significa que eu ainda tenho lágrimas. O que quer dizer que eu ainda tenho força. Eu ainda consigo. Consigo passar por essa. Eu ainda me tenho. E eu amo isso. Sorrio entre as lágrimas que agora são apenas de alívio. Olho para o teto, e seco as lágrimas. Está tudo bem. Eu estou aqui. E estou me amando acima de tudo. É um processo lento, demorado, com passos de tartaruga, mas é o caminho mais importante da minha vida. O caminho até mim mesma.
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