Capítulo 3
G i e n n a h
Não duvido que minha expressão no momento seja de pura surpresa. Fecho a boca assim que percebo que fiquei tempo demais com ela aberta, e endireito a minha postura, olhando para as demais pessoas ao meu redor, como se elas estivessem mesmo reparando em mim. Volto meus olhos para os dois homens novamente. O ogro do meu vizinho aparenta estar tão relaxado quanto alguém que acabou de acordar de um sono de 24h, diferente do homem gigante que aparenta exaustão. O meu vizinho soca o outro no queixo com o punho direto, e lança o outro punho no maxilar, sem esperar que o cara se recuperasse. Deus, que agressivo! Seus punhos estão vermelhos de sangue que não é possível identificar de quem é, já que o rosto do seu oponente está praticamente desfigurado. Então, com um último soco na costela do homem já cansado, o ogro consegue fazer com que o cara caia duro no chão, desacordado. Seu sorriso de lado é o único ato que ele faz em direção ao homem, antes de virar para a platéia e erguendo os punhos, e berrando em vitória. Não havia reparado até então que Aby e Josh estavam do meu lado quando o namorado da minha amiga grita para o meu vizinho.
Patético.
O ogro, diga-se de passagem, que dá pro gasto, passa por todas as pessoas que estão na frente, depois do limite, que é a porra de uma corda pendida por duas hastes, como aquelas cordinhas do Oscar, só que bem vagabunda, e é apalpado por eles. E principalmente por mulheres. Cruzo os braços na frente do peito, observando sua figura ensanguentada próxima de onde eu estou.
Não tenho certeza se ele vai me reconhecer, mas também, não ligo. Pra que eu ia querer isso? Desnecessário.
O vizinho logo chega na frente de Josh, e o mesmo faz um aperto de mão nele e dizendo algo como “você é foda, serpente!”
Não aguentei e soltei uma risada mais parecida com um ganido do fundo da garganta, alto o bastante para o ogro me notar. Coloquei a mão na frente da boca, e olhei para o lado, fingindo indiferença.
Serpente? Jura? Que merda de nome. Se esse pseudônimo for referente ao que a minha mente suja criou, eu pagaria pra ver e rir da ironia. Ele não era isso tudo. Não mesmo. Estava na cara dele.
O cara parou na minha frente, e como estava olhando para o lado por motivos de não querer encara-lo, apenas me mantive segurando o riso com a mão, esperando que ele saísse dali. O que não aconteceu. Ele continuou parado na minha frente, e a curiosidade me tomou. Virei o rosto na sua direção.
Wow.
Ele era alto e grande e musculoso e sério e tatuado e suado e forte e...
Merda! Ele era bonito pra caralho!
Eu não havia parado para reparar na sua beleza quando ele apareceu na porta do meu mais novo apartamento temporário, e então, ali estava ele. Próximo demais. Sério demais.
Continuei com os braços cruzados e não deixei minha expressão se abalar pela sua carranca. A luz fraca iluminava o suficiente para eu notar que seu cabelo era loiro escuro e suas sobrancelhas eram grossas e bem desenhadas. Seus olhos azuis brilhavam na minha direção, impenetráveis.
Ergui uma sobrancelha na sua direção, começando a ficar desconfortável com aquela situação.
— Perdeu alguma coisa aqui? – quebrei o silêncio, encarando seus olhos.
Ele se mantinha inabalável quando respondeu:
— Do que você está rindo? – sua voz era baixa, quase controlada, e reparei rapidamente que seus punhos estavam fechados.
Bruto.
Os gritos eufóricos se tornaram cada vez mais histéricos, ansiosos para que o ogro passasse por eles como a porra de uma celebridade.
Matutei na cabeça se deveria dar confiança para ele, mas resolvi que jogar era a melhor opção por motivos de que aquela cara presunçosa e séria estava me deixando com calor. Ou era o ambiente? Eu já não tinha mais certeza.
Cocei a garganta antes de responder.
— Nada que te interesse.
Ele continuou me encarando, o rosto impassível.
— Tem certeza que não me interessa? Você parecia estar se divertindo quando olhou para mim e riu – sua voz era clara o suficiente por conta do barulho do ambiente, mas grave demais para o meu próprio bem. Ele cruza os braços fortes demais na frente do peito suado e esculpido, ignorando os berros histéricos de mulheres querendo um pedaço dele.
Tudo nele gritava demais.
Revirei os olhos.
— Não se ache o dono do mundo, querido. Você não é a porra do sol! – aperto mais os braços cruzados e erguo o queixo, em forma de superioridade. Nós dois éramos praticamente da mesma altura, mas ele ainda era um pouco mais alto do que eu, o que me fez ter contato direto com a sua boca.
Afe, que merda. Ele não é o último homem do mundo, e eu não deveria estar tão afetada. Hormônios...
Sua expressão se suavizou em diversão assim que as palavras saíram da minha boca.
— Que língua afiada! A gata morde?
Cerrei os olhos e me aproximei mais do limite, ficando cara a cara com o ogro. O cheiro de suor misturado com o cheiro do seu perfume era a perdição, mas eu não estava mais me reconhecendo, e não tinha mais controle de nada quando respondi:
— Pode ter certeza que se eu pudesse, morderia outra coisa agora só para você deixar de ser egocêntrico – meu rosto estava a centímetros do seu. Em algum momento que eu não registrei, um de nós se aproximou mais um pouco.
— Se eu tivesse o privilégio de pelo menos ter o passo inicial do processo, deixaria de ser egocêntrico na hora – seus olhos não deixaram os meus em nenhum momento enquanto falava. Suas íris azuis já estavam negras quando alguém o puxou pelo ombro.
— Cara, os fãs estão te esperando! As mulheres só faltam arrancar os cabelos! – o cara loiro e mais baixo que o meu vizinho não reparou em mim e antes que ele pudesse arrastá-lo dali, não desgrudou os olhos de mim quando piscou e o lado direito da sua boca se ergueu em um mínimo sorriso.
Ele se deixou levar pelo cara loiro e foi engolido por fãs exasperados. Eu, por outro lado, estava mais excitada do que nunca. Algo dentro de mim se agitou e o calor não me abandonou.
Céus! Eu só podia estar louca. Eu acabei de sair de um relacionamento onde o término foi praticamente insuperável e cá estou eu me sentindo assim por um cara? Eu esperava mais de mim. Que não me deixaria afetar tão depressa.
Provavelmente era a carência falando mais alto e eu estava confundindo tudo. Eu precisava urgentemente de uma taça de vinho. Lógico que não! Quem eu queria enganar? Queria mesmo era uma boa cerveja, ou vodca bem forte. Precisava transar, na verdade. Ou tudo isso junto.
Aby e Josh estavam animados quando disseram que já íamos embora. Por instinto, antes de sair, olhei para o centro do galpão, procurando o ogro por algum motivo que eu não sei. O lugar ainda estava cheio, mas se podia ver um aglomerado de pessoas, ou melhor, mulheres, cercando alguém. Revirei os olhos, mas antes de desvia-los, captei o momento que uma brecha entre as pessoas me permitiu ver o rosto dele. Os olhos azuis não estavam focados nas pessoas as seu redor, abraçando, puxando, arranhando seu corpo. Não. Ele estava tentando olhar acima daquelas pessoas que mais pareciam zumbis. Como se estivesse procurando a presa. Seu porte alto permitiu que ele conseguisse olhar em volta, como se estivesse procurando algo ou alguém. Suas sobrancelhas franzidas eram marcantes e fortes. Lindas. Antes que o portão de ferro se materializa-se na minha frente, seu olhar me encontrou. E permaneceu. A constatação que eu tinha presumido, se confirmou quando seus olhos não se desgrudaram de mim. Eu era a presa. Um sorriso ladino surgiu no canto dos seus lábios e por algum motivo, não consegui desviar.
A força que eu teria que fazer para quebrar o contato visual seria mais forte que uma porta de aço. Nenhum dos dois desviou o olhar, e só reparei que tinha um sorriso de igual intenção no rosto, quando o seu aumentou.
Era como um jogo.
Ele se achava o jogador mais forte.
E eu estava disposta a jogar.
Eu nem o conhecia, mas pouco me importava, se eu o teria na minha cama em alguma noite. Sexo casual com ele deveria ser o céu na terra. Ou o inferno. No fim das contas, queria mesmo pagar pra ver se ele era o que demonstrava.
Eu sabia que venceria essa guerra no momento que Aby me puxou para sair, e eu pisquei um olho para ele com a melhor expressão que eu poderia lhe dar. Sua expressão vacilou, e então, foi engolido novamente pela multidão.
Eu aproveitaria minha vida de solteira da melhor maneira, e estava animada em ter encontrado no meu vizinho, o meu mais novo desafio.
...
Eu estava em frente a uma casa. Branca. Com jardim. O céu azul sem nuvens acima da minha cabeça. A porta de entrada da casa estava aberta, como se esperando que eu entrasse. Entrei. Por algum motivo, não conseguia enxergar as roupas que estava usando. Era quase um vulto. Sem controlar minhas coordenadas, caminhei mais adentro da casa enorme. Tudo era branco, apenas os móveis marrons claros, se destacavam do design claro da casa. Onde raios eu estava? Escutei um brilho vindo de algum lugar da casa e em passos hesitantes segui o som. Eu era burra ou o que? Cansava de berrar para personagens de filmes de terror para não fazerem isso e cá estou eu fazendo o mesmo. Barulho de talheres me fazem imaginar que é a cozinha. Esse pensamento se confirma assim que passo pela porta de madeira e vejo uma cozinha maravilhosa, com coisas em inox. Passo os olhos à procura de alguém até que quem eu menos esperava surge atrás do balcão da cozinha. Meus olhos se arregalam, quase saltando das órbitas. Um barulho alto toca no fundo mas eu não ligo. Quem ligaria? Quem ligaria quando se tem um deus grego olhando pra você com um sorriso com dentes brancos e enfileirados?
O som continua lá no fundo, mas não consigo pensar em mais nada.
Nada mais nada menos que um Henry Cavill sem camisa preparando algo na frigideira. Meu Deus, não quero acordar nunca.
Eu sempre fui fã desse cara, talvez pela beleza e por ser um desejo inalcançável de todas nós mulheres, mas nunca imaginaria que ele estaria bem na minha frente em carne, e bota carne nisso, e osso na minha frente. Eu costumava assistir filmes de herói sozinha, até porque Kieran não gostava... não quero pensar nele.
O som no fundo fica mais alto, e Henry parece não ouvir. Quanto mais alto, mais eu identifico o que é. Um som familiar.
Mais alto.
Acordo sobressaltada na cama e me sento. Era um sonho. Que eu não queria acordar. O som que eu estava ouvindo não era no sonho. Era a porra de uma guitarra. No meu vizinho. Pego um travesseiro e coloco em cima do rosto, para abafar o grito. O som dos acordes soa alto e através da parede. Me viro para a minha escrivaninha e olho a hora. 2:34 da manhã. Quem em sã consciência faz isso? Eu estava cansada da mudança e pela noite agitada. Passando por cima do meu orgulho, suspirei alto e levantei da cama, sem me importar de estar com um short curto de moletom e uma regata branca sem sutiã. Parei de frente para a porta dele e respirei fundo. O som da guitarra mais alto aqui fora. Apertei a campainha, torcendo para que seja párea com o som alto. Aperto mais fundo e sem tirar o dedo, até ouvir o dedilhar na guitarra parar. O silêncio me atinge e meus ouvidos dão graças a Deus. O barulho na tranca me faz esticar mais o corpo e então, a porta é aberta. A minha raiva se dissipa um pouco, bem pouco, com a visão do meu vizinho sem camisa com um cigarro pendendo na boca e apenas uma calça jeans escura solta na cintura. Merda. Hormônios, hormônios!
Suas sobrancelhas se erguem e ele tira o cigarro da boca para falar.
— O que você quer?
A raiva me consome novamente com o tom de voz bem parecido e a mesma frase que eu usei quando ele bateu na minha porta ontem. Cretino.
— O que eu quero? Provavelmente todos os vizinhos querem que você pare de tocar essa merda e deixe a gente dormir em paz.
Sua expressão se suaviza um pouco e ele se apoia na batente da porta, me fulminado com o olhar.
— Desculpa, senhora...
Bufo.
— Giennah, e senhora é a sua mãe! – digo cruzando os braços.
— Bom, Giennah, desculpe, mas eu estava estressado e só a guitarra me relaxa – seu tom de voz é bem calmo, até demais.
Ele puxa a nicotina com os lábios, apenas para tirar o cigarro da boca e soprar a fumaça, despreocupadamente. Isso tudo sem tirar os olhos dos meus.
Tento me manter firme.
— Nós não temos nada a ver com o seu estresse, então, arranje outro lugar para tocar a sua guitarra.
Ele solta uma risada curta, de desdém.
— Claro! Você virou a dona do prédio, agora.
— Olha aqui, seu ogro...
— Thomáz. Thomáz Stanfield.
— Eu não perguntei.
— Sim, eu sei, até porque me parece que educação não é o seu forte.
Cerro os olhos, incrédula com a audácia desse cara. Bater a porta na cara dele não foi falta de educação, foi merecimento. E cada vez mais me repreendo por ter ao menos pensado em me desculpar.
Ele leva o cigarro à boca mais uma vez. Ele consegue fazer isso, mesmo não querendo, da forma mais sexy que já vi. Que merda!
— Tudo bem, não quero perder minhas horas de sono aqui conversando com um ogro egocêntrico, individualista e narcisista. Tenha uma boa noite.
Com uma expressão dramática, sigo em direção ao apartamento ao lado e fecho a porta sem bater. Não irei dar esse gostinho a ele.
Fecho os olhos e suspiro. Será uma longa estadia.
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