Capítulo 27
T h o m á z
Ligo o furador e aperto os olhos atrás dos óculos de acrílico. O zumbido fino da máquina cessa assim que desligo e analiso o buraco para o prego. Naquele momento, eu já estava acostumado em fazer furos na parede de tanto trabalhar na casa, e aqui não seria diferente. Sopro o pequeno buraco, e procuro um prego na mesa. Ah, caralho! Vasculho por todo o lugar e não acho nenhum. Xingo, frustrado, e tiro os óculos do rosto. Pego as chaves na mesinha e desço as escadas do galpão. Isso tinha acontecido várias vezes na semana: acabar algum material e ter que ir na oficina do Lony comprar alguma merda que estava faltando. Eu não tinha disposição para ficar indo e voltando, mas era necessário, até porque montar a nova loja não está sendo algo fácil. Eu percebi no mesmo instante em que comprei o lugar, que precisaria de um toque Thomáz. Até então, o galpão extenso era apenas concreto e cimento, com amplas janelas em todo lugar, inclusive no teto. A grande janela no teto foi o que tinha me atraído mais, ali. Iluminava cada canto, menos uma parte que ficava na sombra, dependendo da posição do sol. O contraste de tudo, mesmo vazio, me ganhou na primeira vez que eu vim com o cara da imobiliária. Eu sentia que ele me julgava ser louco por ver em uma antiga fábrica de cerveja, algo para abrir um novo negócio. Eu apenas sorri para ele e disse que ficaria com o lugar, mas na minha cabeça, eu estava abrindo portas para algo que eu havia sonhado fazia tempo.
Abrir uma loja de motos era pequeno demais. O tamanho da minha ambição não tinha cara de ser algo fácil, e eu sabia disso. O que eu queria mesmo, era abrir uma oficina de motos que revendesse e comprasse motos novas ou usadas. Eu queria um lugar com muitos funcionários, peças, pessoas, motoqueiros de estrada, por todo canto daquele galpão. Tudo o que eu ganhei do testamento do meu pai, estava aplicado naquele lugar. Mesmo isso carregando mais sentimento por ser com um dinheiro do homem que deixou a mim e a minha mãe da maneira que deixou, eu estava grato por ter tido essa oportunidade. Abrir um negócio não era fácil, e eu sabia disso. Mas pensar na dificuldade é diferente da prática.
Saindo dali, dirijo a moto até a oficina do senhor Lony, que não fica muito longe do meu galpão. Passo pela praia cheia em pleno sábado, e pelas grandes palmeiras da praia de Santa Mônica. O barulho de costume de música alta pela praia preenche meus ouvidos, enquanto acelero mais a moto. O sol da Califórnia sempre foi algo que me encantou, e estar sendo tocado por ele nesse momento, é revigorante depois de horas trancado no galpão dando pequenos ajustes, antes da empresa que eu contratei, começar o trabalho pesado na segunda feira. E u fiz questão de eu mesmo fazer algo pelo lugar, como colocar algumas peças antigas de carro na parede, que eu comprei em uma das várias exposições que eu já tinha ido. O letreiro ainda não estava pronto, mas eu também participei do design junto com o designer gráfico.
O nome da oficina foi algo que eu demorei para pensar, mas sabia que queria algo que representasse alguma coisa na minha vida, e um dia, bebendo e conversando com Caleb no bar, algo surgiu na minha mente, e lembro de ter batido o copo da cerveja com força no balcão, assustando Caleb, e de ter pulado da banqueta e saído correndo do bar, tamanha a minha empolgação. Porra, eu não sabia que o simples nome em mente para o meu lugar, me motivaria ainda mais a montar tudo e deixar do jeito que eu queria.
Desço da moto assim que paro em frente ao Lony’s, e penduro o capacete no retrovisor. O sininho em cima da porta balança, anunciando a minha entrada, e o barulho das minhas botas no piso de madeira é bem audível no silêncio da loja. Vou direto para a seção de pregos e martelos, e procuro o tamanho que preciso. Ando mais um pouco pelo corredor, tentando pensar se preciso de mais alguma coisa.
- Veja só quem está aqui. Oi, loirinho.
Viro a cabeça na direção da voz, e vejo Hannah parada ao meu lado de braços cruzados na frente dos seios, com o uniforme do Lony’s. Ela trabalhava ali, e já estava acostumada com as minhas vindas frequentes atrás de algo para obras. Nesse tempo, ela acabava me ajudando com alguma coisa que eu precisava, e aproveitava para dar em cima de mim. Ela era gata. Tinha os cabelos loiros, olhos azuis e baixa. Mas isso foi uma pena, porque eu gostava mesmo era de morenas, olhos castanhos e alta. Especificamente assim, pacote completo, mas não deixava de admirar e notar a beleza de mulheres como Hannah.
Abro um sorriso para ela, e pego um pacote de porcas junto com pregos.
- Oi, Hannah. Como vai?
- Você e essa mania de ser gentil. Vou bem, obrigada. Vejo que anda com a mão na massa. – Aponta para a minha mão, que tinha um band-aid do Bob Esponja em volta do polegar. Eu tinha machucado o dedo tentando pregar um prego com o martelo, já que a parede era longe de alguma tomada para ligar a máquina de enroscar. O band-aid do Bob Esponja era o único que tinha na loja de conveniência em frente ao galpão, então seria esse ou um dedo sangrando.
- Pois é. Não está sendo o trabalho mais fácil do mundo, mas eu gosto de fazer isso, sabe? Me concentrar em algo.
Ela concorda, e abaixa a cabeça.
- Em algo que não seja a garota de Portland – afirma.
Deixo o saquinho de pregos cair no chão, e engulo em seco. Eu tentava evitar falar nesse assunto, mas eu não tinha escapatória desde o dia em que sentei no bar onde Caleb trabalha e bebi todas. Nesse dia, eu havia invadido o palco do bar e interrompido o show do cantor da noite. Eu basicamente o expulsei do seu lugar, peguei o violão que mesmo não bem afinado, funcionou na música que eu toquei. Eu fui guiado pela emoção, e por estar bêbado, cantei a primeira música que veio na minha cabeça. Eu sinceramente não sei o porquê de ter feito isso, mas cantei a música que eu tinha escrito para Giennah, e eu estava tão submerso, que não ligava que estava cantando para dezenas de pessoas desconhecidas de uma cidade que não era minha, que não me conheciam, e cantando uma letra tão íntima e pessoal. No meu subconsciente, imagino que eu precisava desabafar, e cantar essa música tenha sido o gatilho que eu precisava. Hannah era a mesma loira que olhava para mim do outro lado do bar no meu primeiro dia ali. Ela me viu cantar também dessa vez, e então, quando retornei para o balcão e pedi mais uma dose, ela me perguntou se aquela música era para alguém, e foi aí que eu contei sobre Giennah, A garota de Portland.
- É, mas isso não importa agora. Eu preciso mesmo focar no galpão.
Me abaixei para pegar os pregos, e quando levantei, Hannah se aproximou mais.
- Mas sabe, não faz mal se distrair um pouco. Eu estou aqui pra isso, você sabe. Basta você querer.
Dessa vez, ela estava próxima demais, e colocou a mão no meu peito. Com delicadeza, peguei no seu pulso, e o retirei dali.
- Eu já sei disso, Hannah, você faz questão de deixar isso bem claro toda vez que nos encontramos.
- Então pare de pensar tanto e diga sim. Vamos apenas nos distrair um pouco.
Fechei os olhos por um momento. Tinha vezes que eu até pensava em considerar e transar com Hannah, mas toda vez que eu tinha um pouco de coragem para seguir em frente, eu sentia como se estivesse traindo a pessoa que realmente me importava. Parecia errado. Parecia fácil demais. Com Giennah tudo foi intenso, difícil, mais como um desafio. Aquilo com Hannah, era uma trepada de dois solteiros sem compromisso. Mas eu já sabia como era. A diferença era que eu não me sentia atraído por ela como eu me senti com Giennah, e pensar demais nisso só me deixava mais frustrado. Eu realmente precisava de uma distração, mas não tinha certeza se Hannah era a solução.
- Eu tenho estado bem distraído com a reforma, você sabe. E também sabe que quando eu quiser, já tenho o seu número. Eu só preciso de um pouco de espaço agora.
Ela se afastou, e deu de ombros.
- Estou às ordens.
Com isso, se virou e foi atender um cliente que tinha acabado de entrar.
Depois de comprar o que precisava, fui para o galpão, e o pôr do sol ameaçava aparecer. Estacionei a moto na entrada do píer de Santa Mônica, e caminhei até uma parte mais afastada. A praia continuava cheia, e com crianças com algodão doce nas mãos andando ao lado dos pais. Estar sozinho naquela cidade grande e quente era mais solitário do que eu imaginei, e os únicos amigos que fiz até agora, me instigavam a curtir o que a Califórnia proporciona. Mas eu ainda estava ligado demais à Woodland, para focar em novas coisas ao meu redor. Nao se saiu bem como eu tinha imaginado. A nova loja e a casa eram coisas que aos poucos me faziam sentir que essa era a minha nova casa, e o que eu precisava.
Viro para a esquerda, vendo um cara tocando um instrumento diferente que eu nunca tinha visto, e algumas pessoas em volta. Os últimos raios de sol da tarde fazem eu forçar um pouco a vista, mas uma coisa me chama a atenção. Coloco a mão em forma de concha acima dos olhos, e tento focar melhor. Meu maxilar fica tenso na hora. Em seguida, todo o meu corpo se enrijece. Ela está de costas, mas um capacete de melancia pendurado no braço está visível. Não pode ser. Isso só pode ser coincidência. Mas o cabelo castanho e a garota ser alta, fazem o meu coração disparar. E se for ela? E se ela largou tudo e veio pra cá tentar um nós? E se ela tivesse superado de vez o passado e visse na gente uma coisa real? Eram tantas suposições, mas eu já me via caminhando lentamente na sua direção, com medo que fosse apenas uma miragem. A garota colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha, mas ainda não consegui ver o seu rosto.
Eu queria tanto que fosse ela, que chegava a doer. A cada passo, parecia ficar cada vez mais distante. A música encerrou, e todos que estavam em volta do músico, aplaudiram.
E então a garota virou para o lado, e eu congelei no lugar.
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