Capítulo 23
G i e n n a h
As horas passam, mas não consigo me concentrar em nada. Dormir não é uma opção desde que tentei fechar os meus olhos durante as duas últimas horas. Já levantei, andei por toda a casa, deitei novamente, tomei um banho gelado, mas nada resolve. Minha cabeça está a ponto de explodir, e se deteriorar, com a velocidade dos pensamentos rondando a minha cabeça. Em um impulso, me levanto, e visto a primeira roupa que encontro pela frente. Pegando as chaves, saio de casa, sem nem saber para onde ir.
Quando chego no térreo, após descer seis lances de escada, já que eu não estava segura de mim mesma em descer pelo elevador depois do que aconteceu, passo pelo portão, começando a caminhar pela rua deserta. Era começo de madrugada de um domingo, e era muito difícil encontrar alguém na rua, caminhando despretensiosamente, como eu. Às vezes eu me achava louca demais. O único lugar que eu poderia ver movimento, era o bar mais próximo, onde normalmente, eu vinha com o pessoal do escritório, nas sextas. Três minutos depois, já consigo ver a luz vermelha do letreiro do bar, e uma voz amplificada por um microfone. Por instinto, acelero mais o passo, e chego na frente do local. As amplas janelas que dão para o lado de fora, permite que quem estiver passando, veja a movimentação na parte interior. Chego na frente de uma das grandes janelas, de frente para o palco, mas congelo no lugar no momento em que os meus olhos captam a pessoa em frente ao microfone, terminando de falar. Ele está sentado em um banco alto, com a postura relaxada. Seus olhos se fecham, e um sorriso suave está estampado no seu rosto. E então, eu perco todo o meu chão, com a sua última fala antes de cantar. As palavras jorram de sua boca, e me atingem em cheio. É como se eu precisasse estar aqui, como se eu precisasse ouvir o que ele tinha a dizer.
- Essa música eu fiz em um momento que ela simplesmente veio na minha cabeça, e veio da forma mais pura possível. Eu a compus, pensando em uma pessoa que... que marcou para sempre a minha vida, de alguma forma. A música se chama Neighbors.
Tapo a boca, tentando segurar um soluço que tenta escapar da minha garganta. No meio do seu discurso, em determinada parte, meus olhos simplesmente marejaram e então uma lágrima solitária desceu do meu rosto. Ele começa a cantar. Sua expressão muda a cada verso. No começo, seu rosto está sério, impassível, e então, no decorrer da música, seus traços se tornam mais leves, um sorriso brota nos seus lábios, e permanece até o fim da canção. Nesse momento, eu já não consigo segurar as próximas lágrimas que rolam desenfreadamente do meu rosto. Eu não consigo expressar o que eu estou sentindo nesse momento. Meu mundo parece ter virado de cabeça para baixo, meus objetivos parecem ter simplesmente mudado de rumo. Eu pareço ter mudado de rumo, sem nem perceber.
Vejo quando ele toca a última nota no violão, e então abre os olhos diretamente na direção em que eu estou, e grudam em mim. E isso é tudo o que eu preciso para sair correndo dali, sem olhar para trás. Corro sem rumo, por um tempo que eu não contei, e paro apenas quando perco o fôlego totalmente. Olho ao meu redor, vendo apenas a rua deserta, sem carros, sem luz iluminando as casas, e então grito. Grito tanto, que sinto as veias do meu pescoço se dilatarem. Grito, com lágrimas rolando sem parar. O som sai da minha garganta, ao mesmo tempo em que misturo choro e desespero. Aperto os olhos, e sem força nas pernas, caio de joelhos no meio da rua. Coloco as mãos no chão, sem forças. Choro sonoramente até não haver mais lágrimas nos meus olhos. Com o rosto completamente molhado, desabo em cima dos calcanhares e olho para o céu. As estrelas parecem me assistir, e a meia lua parece se esconder por dentro das nuvens, como se estivesse fugindo do meu surto, e vendo pela fresta da porta. As copas das árvores balançam com o vento que sopra na minha direção.
Os pensamentos constantes não deixam de borbulhar na minha cabeça. O que foi que eu fiz? Eu me sinto tão perdida... Sinto como se... como se fosse imune a qualquer afeto, nesse momento. Uma peça está quebrada dentro de mim, e eu sei exatamente qual é: a confiança. Eu colei as outras, mas essa, parece não se encaixar mais no meu coração. Eu não confio em mim mesma perto de Thomáz, mas ao mesmo tempo não confio nele. Ter ele para mim seria uma responsabilidade tão grande, e me entregar de corpo e alma, que é o que eu mais quero fazer, me parece tão errado. Errado porque eu não nasci pra isso. Eu não nasci para pertencer a ninguém. Eu não sei mais como me entregar, sem me manter de pé sozinha.
Eu simplesmente acho um fardo pesado demais, ser amada. Simplesmente porque você se torna vulnerável, e eu já senti isso antes. Já senti tudo, ao ponto de não saber mais o que é sentir algo real ou não.
Eu posso ser dramática, mas como não ser quando se trata de sentir algo tão real? A única certeza que eu tenho, é que foi real. Todos os nossos momentos foram reais. Tão real, que eu precisei parar, por sentir que estava caindo novamente nos meus contos de fada. Eu senti tudo com ele: paixão, amizade, realidade, intensidade... amor. Sim, eu senti amor. Kieran era estabilidade, era conforto, era comodidade. Mas com ele, eu senti muito mais. Eu senti como se o meu mundo tivesse sido tirado dos meus pés, e eu estivesse simplesmente confiando no meu coração como guia.
Levanto do chão, e começo a andar no sentido da praia. Meus pés me levam até lá. Seco as lágrimas, sentindo mais um pedacinho do meu coração se despedaçar, por simplesmente admitir o que eu realmente sentia. Por não ter sentido isso antes, eu não sei medir a intensidade que isso pode levar. Depois de quarenta e cinco minutos andando, chego na praia, avistando o farol. Olho no meu relógio. Faltam cinco minutos para a luz acender. Corro para chegar à tempo, e então atravesso o piér, alcançando a porta branca que dá acesso às escadas internas. Assim que chego no topo do farol, olho para o mar. Thomáz havia me dito que nos finais de semana, o farol acendia antes do nascer do sol, então eu simplesmente fiquei ali, com os antebraços apoiados na grade, vendo o brilho da lua tocando o mar, o vento gelado bater no meu rosto, o som de cigarras no fundo, e ele na minha cabeça. Eu relembro da primeira e única vez em que viemos aqui, e sorrio, captando da memória, os nossos sorrisos, e o quanto estávamos relaxados nesse dia. Ele se abriu para mim, e eu o ouvi, eu senti a sua saudade.
Algumas horas depois, ouço o conhecido som elétrico do farol, e então a luz forte se focar para todas as direções, e então parar em uma única direção. Direção. Eu também precisava achar uma para seguir, e decidir o que eu queria. Imediatamente o meu subconsciente forma ‘’Eu quero Thomáz’’, e repete sem parar. Eu não estava pronta, mas será que o que nós sentíamos um pelo outro poderia superar essa barreira que eu tinha criado para proteger o meu coração quebrado? Será que era a hora de arriscar todas as minhas fichas novamente?
Eu pensava enquanto corria pela escada íngreme, vendo a pontinha do sol surgir no horizonte. Por estar mais no alto, já era possível ver o sol dando os primeiros sinais antes mesmo de qualquer pessoa. Eu sorri, enquanto corria, com todas as minhas forças, até o começo da estrada. Eu não ligava para porra nenhuma, apenas comecei a seguir o meu coração, como se ele estivesse correndo na minha frente, na direção de Thomáz, e eu estivesse o seguindo, tentando pegá-lo. Depois de correr toda a extensão da rua, desacelerei, ofegante — mas não me importando —, no bar em que ele tinha tocado. Já estava vazio, com as portas fechadas. Corro para os apartamentos, e chego quatro minutos depois. O porteiro abre para mim, me identificando, e passo como um furacão por ele, pegando o elevador, sem me importar dessa vez.
Quando chego no meu andar, saio do elevador sem a porta abrir por completo, e chego na frente do seu apartamento, totalmente sem fôlego. Bato na porta, ao mesmo tempo em que toco a campainha com a outra mão. Não ligo para os vizinhos, apenas quero me jogar nele, e dizer sim. Dizer que eu me arrisco por ele, por nós. Eu não estou pronta, e nem perto de estar, mas foda-se, é o que eu quero. Me desespero quando ninguém abre a porta. Grito o seu nome, mas ele não responde. Será que ele ainda não chegou? A única forma de saber é perguntar para o porteiro e ver se ele tinha passado por lá. Desço novamente de elevador, alcançando o térreo.
- Boa noite, você sabe me dizer se o morador do 606, Thomáz Stanfield, chegou?
O senhor olha para mim com o cenho franzido, talvez surpreso pelo meu tom de voz desesperado.
- É um rapaz loiro e alto?
- Sim, sim, ele mesmo.
- Ele saiu deve ter uma hora mais ou menos, com malas nas mãos.
Paro de respirar. Não pode ser. Tento focar novamente.
- Como assim com malas? Ele foi para onde?
- Eu não sei te informar, senhorita. Ele apenas se despediu rapidamente de mim, e entrou em um táxi.
- Em que direção?
- Para a cidade, querida.
- Não, não, não. Ele não... - sussurro.
- Só um minuto, você por acaso se chama Giennah Jones?
Olho para ele instantaneamente.
- Sim, sou eu.
Ele assente com a cabeça e me entrega um papel dobrado no meio.
- Antes de ir embora ele deixou isto comigo, em seu nome.
Pego o papel, me sentindo travada, sem acreditar ainda.
Abro a folha, me deparando com uma caligrafia bonita, meio inclinada, como itálico, e então começo a ler:
‘’Eu fiz essa letra depois que fomos ao farol. Naquele momento, eu já sentia algo tão forte por você, que eu não conseguia ficar longe nem por um segundo, ávido por sentir mais disso. Saiba que você me mudou em um mês. Siba que você me mudou, Jones. Saiba que você me mostrou o que era realmente se importar com alguém, o que era abraçar uma pessoa, e sentir que tudo o que importa, é o que está nos seus braços, porque você está segurando uma parte de si mesmo. Essa letra expressa tudo o que sinto por você, mas ela não cita a palavra que mais representa o que eu sinto: amor. Porque eu só vou ser capaz de dar ele para você, quando você conseguir agarrá-lo, com todas as suas forças, e sentir que o merece. Quando você ama alguém, precisa pensar que nem sempre o que você sente, vai vir na mesma intensidade, e você me ensinou isso. Então, eu vou deixar você respirar, amor. Alguns sacrifícios valem a pena. Saiba que os momentos que passei com você foram os melhores que eu já tive em muito tempo. Lembra quando você me deu a ideia de nomear a banda como Neighbors? Eu não te disse, mas eu precisava apenas de um nome para essa música, e naquele momento, eu senti que era perfeito para essa letra. Escrevi ela para você, então ela te pertence.
Espero que um dia o nosso caminho se cruze novamente, e que até lá, você descubra quem você realmente é, porque quando eu olho para você, eu vejo apenas luz. E pode ser um pouco egoísta, mas eu peguei um pouco dela, e levarei comigo.
Você é muito mais do que acha que é, e merece muito mais do que já te ofereceram.
Acredito que para eu enxergar tudo isso em você em tão pouco tempo, é um sinal de que você irradia isso, mas está tão presa no que construiu de si mesma, que não consegue enxergar a força dentro de você. Enxergue isso, e você vai amar você mesma, da mesma forma que eu te amei quando comecei a enxergar.
Do seu vizinho,
Thomáz.’’
Eu notei uma mancha úmida no meio das palavras, borrando levemente as letras. Ele também havia chorado enquanto escrevia, e isso me fez sorrir mais do que eu conseguia. Agarrei a carta contra o peito, e me virei para o porteiro à minha frente.
- Obrigada.
Sem esperar resposta, subi pelo elevador, apoiada na parede em que estivemos na noite anterior, e sorrio, em meio às lágrimas.
Eu também espero, Thomáz. Espero um dia estar tão pronta, que não vão sobrar dúvidas de que eu realmente te quero, porque eu amo você, penso, enquanto ando pelo corredor em que comemos pizza, e abro a porta do meu apartamento, a mesma em que nos vimos pela primeira vez, todas as cenas fazendo parte do meu caminho. Só espero encontra-lo no final dele.
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