Capítulo 14
G i e n n a h
Arrumo a mochila no ombro e saio do escritório, me despedindo rapidamente de todos. Era sexta feira, o pessoal estava animado para o que eles passaram a semana toda planejando, mas eu não. Eu tinha a primeira prova do período, e na minha cabeça, eu não tinha estudado o suficiente. Saio do prédio com a cara mais lunática possível, passando mentalmente todas as questões mais importantes que eu tinha estudado na madrugada. Repassei as respostas, leis, artigos... Eu já estava ficando louca! Aceno para um táxi e entro em seguida. No caminho, enquanto penso pela enésima vez em todas as perguntas que eu tinha anotado no caderno, meu celular apita com uma nova mensagem. Visualizo na tela quem era. Thomáz. Sorrio quando vejo ser dele e leio o que escreveu.
Vou passar na sua faculdade pra te buscar, e não aceito não como resposta.
Antes que eu pudesse responder, recebo outra:
Boa sorte na prova. Sei que você vai se sair bem. E não fica nervosa, ok? Mais tarde eu te compenso ;)
Tapo a boca, prendendo o riso, pro taxista não me achar louca. Se bem que Thomáz acabou de me deixar exatamente assim. Começo a digitar de volta.
Sobre me buscar, eu não vou discordar, já que eu ia te pedir exatamente isso.
Agora sobre você me compensar, aceito uma massagem.
Não demora muito para o celular apitar em resposta.
Tá brincando? Eu faço a melhor massagem do mundo, gata. Você vai ver estrelas.
Sorrio e mordo o lábio, já imaginando a sensação de uma massagem depois de horas sentada em uma cadeira respondendo infinitas questões. Olho pela janela e vejo a faculdade mais a frente, então me despeço dele rapidamente.
Esteja aqui 20h. Você não vai querer saber do que eu sou capaz se não estiver aqui exatamente nesse horário, Stanfield.
Desligo o celular, sem esperar por uma resposta e saio do táxi, depois de pagar a corrida. Ajeito a mochila e apresso o passo. Como sempre, chego atrasada, até porque cheguei justamente na hora da prova. Corro pelo corredor, olhando para as portas até achar a minha.
O Vans e o sedentarismo não ajudam muito.
Assim que paro em frente à porta, olho pelo pequeno quadrado de vidro, vendo o professor entregando as provas. Bato delicadamente na madeira, apertando os olhos pela vergonha, e entro. O professor me olha e assente, me deixando entrar. Graças a Deus. Fico aliviada. Porém assim que eu olho pela sala, procurando um lugar vago, meus olhos congelam em uma figura completamente rígida, me encarando de volta. Ainda ofegante pelo esforço de chegar na sala a tempo, olho para ele. Olhos azuis atrás de óculos de grau de armação tartaruga, cabelo loiro claro curto e sardas. As características exatas de Kieran Galf. Ele não mudou nem o corte de cabelo desde que terminamos, mas olheiras são visíveis abaixo dos seus olhos, provavelmente por causa das provas.
Pisco repetidas vezes antes de sair de onde eu estava parada e sigo para a carteira próxima à janela, do lado oposto de onde ele estava sentado. Assim que o professor me entrega a prova, não olho mais na sua direção. Leio a primeira pergunta, mas não presto atenção no que está escrito.
Eu não fazia ideia do que tinha acontecido. Sempre que eu olhava para Kieran, eu sentia ansiedade de ser abraçada por ele, beijada e de receber o seu sorriso. Eu sempre sentia alguma coisa. Mas quando entrei na sala e bati os olhos nos seus, pela primeira vez depois de um tempo, não senti nada. Nem ansiedade, nem saudade, nem tristeza. Nada. Não sei se apenas estou na fase de aceitação ou se estou sendo fria demais. Eu não saberia dizer.
Respiro fundo e prendo o cabelo em um coque no alto da cabeça e coloco os meus óculos de grau. E então, começo a ler com atenção as perguntas. E em um segundo, meus pensamentos são tomados pelas perguntas que eu tinha repetido tantas vezes durante essa semana.
Depois de responder dez perguntas, meu cabelo já está todo bagunçado de tanto puxar em nervosismo, meus óculos caem o tempo todo para a ponta do nariz e eu tenho que empurrar novamente. Olho no relógio e já se passaram 50min. Ainda faltam mais dez questões e são 2h de prova. Foco. Preciso de foco. Fecho os olhos, tentando me concentrar, mas tudo o que aparece na minha mente é Thomáz, em uma vez que ele riu. E então eu sorrio sem nem perceber. Abro os olhos quando lembro que ainda estou na sala de aula. Olho para os outros alunos, pra ver se alguém me viu fazendo isso, mas quando olho para o outro lado da sala, vejo Kieran me encarando com o cenho franzido, e assim que me vê olhando para ele, vira o rosto para a prova, se ajeitando desconfortável na cadeira. Reviro os olhos e foco minha atenção novamente na prova.
...
Verifico a prova mais uma vez e quando me sinto satisfeita, levanto da cadeira com a minha mochila e entrego a prova para o professor. Só tinham ficado eu e mais três alunos, faltando 20min para terminar. Quando saio da sala, respiro aliviada por ter acabado a primeira parte do pesadelo que eram essas provas. Pego o celular e ligo. Ando até a entrada, e antes mesmo de chegar na saída, vejo Thomáz andando devagar, fumando um cigarro, enquanto olha para o céu e sopra a fumaça. Sorrio discretamente, querendo pegar ele de surpresa, mas meus planos são interrompidos por uma voz chamando o meu nome, bem atrás de mim.
- Giennah!
Paro instantaneamente e ouço os seus passos apressados chegando mais perto. Eu não sei por que eu parei. Continuo andando, agora sem sorrir. Thomáz ainda não me viu, está de costas, chutando alguma pedra no chão, distraído. Porra, a saída parece ter ficado quilômetros mais longe. Ouço seus passos mais apressados e então uma mão segurar o meu braço. Não senti a corrente elétrica que eu sempre sentia. Me viro para ele, com o rosto mais sem expressão que eu consigo. Agora nós parecemos dois completos estranhos, que nunca se viram na vida.
Ele está com os olhos arregalados olhando de um olho para o outro do meu rosto e a boca levemente aberta, ofegante. Ele solta o meu braço, mas fica próximo suficiente para que eu veja as suas sardas. Não, por favor, não me machuque de novo. Por favor, eu não quero lembrar. Eu costumava contar as suas pequenas sardas, pontinho por pontinho do seu rosto, enquanto estávamos enrolados um no outro na cama, sorrindo, felizes. Não.
- Eu posso falar com você? Por favor, só... só me dê um momento para falar direito com você.
Sua voz soa esperançosa, mas o meu coração não estava pronto para isso. O meu cérebro e o meu coração estão me traindo ao mesmo tempo agora. E tudo o que eu não tinha sentido quando o vi na sala, volta de uma vez quando ele me olha tão de perto. Endureço o maxilar, impedindo o choro. Eu sou forte, eu já superei ele. Lembre-se de tudo o que ele te fez passar, Giennah. Ele não te merece, lembro a mim mesma.
- Eu não tenho nada para falar com você, Kieran. Nada – digo, prestes a me virar. Olho para a saída, e agora Thomáz está bem atento, olhando para nós dois, mas ainda está do lado de fora, como se não quisesse se intrometer, mesmo que ele aparente querer.
- Não! Por favor. Eu sei, tudo bem?, eu sei que você não quer me ver agora, nem falar comigo, e você tem toda a razão, mas deixa eu pelo menos me explicar – implora.
Me afasto dele e ando, em passos lentos, de costas para a saída.
- Não tem explicação que mereça a minha atenção depois de você ter feito o que fez, Kieran. Viva a vida que você preferiu viver, e me esquece – com um último olhar para ele, sem derramar uma lágrima, me viro para a saída, e a única coisa que vejo é Thomáz. Quando chego do lado de fora, paro ao lado da sua moto, pegando o meu capacete de melancia. Ele para na minha frente, sério.
- Era ele? – pergunta, e ele nem precisa dizer a quem se refere.
- Sim, mas eu já resolvi.
- Tem certeza? Porque eu posso ir até lá e dar uma surra nele se você quiser.
- Não, Thomáz. Eu posso resolver os meus problemas sozinha, tudo bem? E eu já resolvi. – Eu não sei por que falei assim com ele, mas eu senti uma necessidade imensa de chegar em casa logo. Comecei a sentir uma queimação embaixo dos olhos, e já sabia o que isso significava. Aperto os olhos.
- Giennah, eu...
- Thomáz, por favor, só me leva pra casa, tudo bem? – senti uma lágrima escorrendo do olho esquerdo. Fecho os olhos. Eu não preciso ficar fraca de novo, eu não preciso. Lembranças, é por isso. Lembranças ficam congeladas na nossa memória, e a gente continua vivendo, mas elas ainda estão lá, fazendo questão de nos lembrar de tudo que a gente viveu, de bom e de ruim.
- Você tá chorando? Giennah... – não demorou muito para eu sentir os seus braços me envolverem e então mais lágrimas escorrerem. Me agarrei na sua jaqueta e chorei. Eu estava sendo forte até agora, por que eu fiquei assim? A mão de Thomáz acaricia meu cabelo, mas nada tira uma única lembrança da minha cabeça.
Coloco minha perna em cima da de Kieran e com as mãos em cima do seu peito, apoio o meu queixo, olhando para ele. Estávamos os dois cansados, com a pele brilhando levemente, e nus. O lençol branco nos cobria da cintura para baixo. Eu estava contando as suas sardas do nariz quando ele me fez uma pergunta.
- Você quer ter quantos filhos?
Parei de contar os seus pequenos pontos do rosto e olhei para os seus olhos azuis escuros me encarando, esperando uma resposta. Eu já tinha pensado nisso, em quantos filhos teríamos, mesmo sendo muito novos para pensar nisso. Até porque tínhamos apenas 20 anos, mas futuro era algo já planejado para ambos: nós nos formaríamos, e então o casamento, compraríamos uma casa espaçosa e quando tivéssemos uma estabilidade financeira, teríamos os nossos filhos. Mas esse último, ainda não tínhamos conversado muito.
- A quantidade não importa pra mim. Quero ter até ficar feliz e ver a família que eu sempre quis, com você.
Ele sorri.
-Pra mim importa. Quero ter dois, uma menina, igual a você, e um menino, também igual a você.
Ri da sua confissão, mas o sorriso no seu rosto dizia que era um sonho dele.
- E por que igual a mim?
Ele levou a mão até uma mecha do meu cabelo e a colocou atrás da minha orelha. Eu amo quando ele faz isso. Seu sorriso diminui, e seus olhos percorrem o meu rosto. Por inteiro.
- Eu já imaginei, várias vezes, eles correndo, chorando, dois mini mistura nossa, com os cabelos castanhos, com olhos iguais os seus, enquanto pediam colo para você, e então você pegava a nossa filha, ela abraçava você pelo pescoço, parando de chorar pelo seu conforto, pela sua segurança. E eu pegaria o menino, olhando para uma versão de você, mas que também era minha, e falaria que estava tudo bem. Seríamos o porto seguro dos dois, pra sempre.
Quando ele para de falar, com a voz sonhadora, noto que enquanto ele narrava seus pensamentos, eu os idealizava na memória, vendo a cena perfeitamente se passando na minha frente.
Depois daquele momento, nós sorrimos um para o outro, planejando o futuro. Naquela noite, madrugamos fazendo planos.
Quando abro os olhos, me vejo ainda agarrada na jaqueta de Thomáz, então a solto e olho para ele, um pouco constrangida pela cena que acabei de fazer.
Ele não diz nada, apenas seca as minhas lágrimas com os polegares. Quando se afasta, pega o capacete e o coloca. Olho para ele fazendo isso, com o meu capacete na mão. Eu não quero voltar a ser aquela mulher dependente de novo. Aquilo é passado, eu não quero voltar para aquilo. Esse é o meu presente. Aquela não era eu. Essa sou eu, me descobrindo, procurando a minha melhor versão. Quando ele está prestes a subir na moto, seguro no seu ombro e o vira para mim, repentinamente. Ele me olha surpreso, mas não perco tempo e avanço nos seus lábios. Thomáz fica alguns segundos estático, sem se mexer do lugar, mas quando seguro seu pescoço com as mãos, ele sai do transe e então me agarra pela cintura, me beijando com força, como se também quisesse isso o tempo todo. Nossas línguas se batem, enroscam e nossos lábios pressionam um do outro. Quando perco o fôlego, distancio minimamente minha boca da sua e digo sussurrando:
- Vamos sair daqui. Me leva para algum lugar, menos o nosso apartamento, por favor. Me leva para algum lugar incrível que só você conhece.
Ele assente no mesmo momento e então cola nossos lábios mais uma vez, em um selinho demorado, e como se nada tivesse acontecido instantes atrás, ele sorri abertamente.
- Tenho o lugar perfeito, gata.
Subimos na moto, e em um segundo, Thomáz acelera pelas ruas, me fazendo agarrar nele, mas feliz novamente pela aventura repentina. E na mesma hora, com o vento forte no rosto, esqueço o nervosismo da prova, o sentimento sufocante que tive por ver Kieran novamente e todas as memórias que vieram com ele. Em um instante, Thomáz teve o poder de tirar todo o peso dos meus ombros e joga-lo contra o vento. Mas o que eu não sabia era que no lugar de todo o sentimento sobrecarregado que eu tinha, outro seria colocado no lugar. E esse era colocado por Thomáz.
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