Capítulo 13
T h o m á z
Eu estava apaixonado.
Obcecado, para falar a verdade.
Aquilo na minha frente não podia ter sido feito sem a única intenção de ter sido feita para mim. Tudo estava em perfeita harmonia. Ela era perfeita. Ela me chamava para ser tocada por mim, para ser comandada por mim. Andei em círculos a sua volta, tentando captar algum defeito, e para a minha não surpresa, não havia nenhum.
Seu traseiro era enorme, e porra, eu já me imaginava em cima dela, ouvindo o som que para mim, era a oitava maravilha do mundo. Meus olhos nesse momento deveriam estar iguais a de um maluco em abstinência. Sinto a presença de alguém ao meu lado, mas não tiro os olhos do monumento a minha frente.
- O que você vê de mais nessas coisas? – ouço a voz de Giennah e aperto os olhos por trás dos óculos escuros, pela forte luz do sol, quando me viro para ela.
- Coisas? – pergunto, incrédulo – Elas não são coisas, são monumentos raros.
Olho a nossa volta, por cima das cabeças de milhares de pessoas a fim de olhar as outras motos em exposição.
Giennah ficou meio confusa quando a chamei para ir comigo em uma exposição de motos antigas na cidade vizinha de Woodland, mas quando eu disse a ela que depois a recompensaria, indo em um lugar, a curiosidade a convenceu em vir comigo. Eu não dei muitos detalhes a ela sobre o lugar que a levaria depois da exposição, mas eu sabia que a surpreenderia. Era um lugar muito importante para mim, que o meu pai me levava desde criança, quando viajávamos para a cidade vizinha, em nossas viagens em família, quando ainda éramos uma. Aperto o maxilar ao lembrar de tantas coisas que fizemos juntos e que foram tão marcantes na nossa vida e ele simplesmente jogou fora por simples egoísmo. Eu sabia que ele tinha problemas de ansiedade e estresse elevado com os negócios, mas ele nunca tinha expressado que realmente sofria com essas coisas a ponto de encontrar a solução nas drogas. Eu também sabia que a culpa não era unicamente do cara que tinha fornecido a droga para ele, mas era mais fácil culpar alguém que não me importava, do que culpar o meu próprio pai. Eu ainda não o perdoava por isso, e nem o perdoaria tão cedo. Um dos motivos de ser apaixonado por motos é que Will Stanfield me influenciou a ser.
Ele era apaixonado por motos, e desde cedo me levava em exposições, e corridas, o que acabou me transformando em um obcecado por peças, montagem, carcaça de motos e outras coisas relacionadas. Eram inúmeras para dizer qual a minha parte favorita daqueles besouros gigantes, como diz Giennah.
Olho para ela e sorrio, passando um braço pelos seus ombros indo para outra moto em exposição. Ela olha para todas com a mesma cara: com o rosto enrugado em uma expressão de desentendimento por detrás dos óculos de sol e uma careta em seguida quando eu digo o nome de cada uma sem nem hesitar. Eu sabia que ela estava fora da sua zona de conforto aqui, mas como eu já tinha notado, ela se arriscou (mesmo que guiada pela sua recompensa), a vir comigo em um lugar que ela não sabia nada sobre. Os caras que frequentavam as exposições, em sua maioria, eram gordos e altos, carecas e com tatuagens expostas pelos seus coletes de couro preta. Alguns se arriscavam a usar bandanas nas cabeças e óculos aviador. Era praticamente um padrão.
Olhamos mais algumas motos até chegar na parte das lojas. Assim que passamos em frente a uma loja de roupas de motociclistas, abri um sorriso para uma coisa específica na vitrine. Caminhei com Giennah ainda enganchada no meu braço pelos ombros, e entramos na loja.
- O que você vai comprar? – perguntou quando paramos no meio da loja movimentada com vendedores e visitantes andando para cá e para lá.
Sorri mais uma vez para ela e fui até a sessão de capacetes. Um vendedor apareceu perguntando se queríamos alguma ajuda, então apontei para um capacete específico, que ficava na vitrine, mais no alto.
- Gostaria daquele capacete ali, e provar os tamanhos.
Ele acenou com a cabeça e sumiu, para pegar o que eu tinha pedido.
- Por que você vai comprar mais um capacete se você já tem um? – ela perguntou.
Ela fez um biquinho tão lindo quando emburrou a cara, que eu não resisti. Com a mão esquerda, já que o outro braço ainda permanecia nos seus ombros, agarrei o seu maxilar, aproximando o seu rosto do meu. Assim que apertei levemente suas bochechas, fazendo o bico aumentar, sorri para ela por trás dos óculos e beijei sua boca. Pressionei os lábios exageradamente nos seus e estalei um beijo quando afastei o rosto do dela. Ela sorriu discretamente, olhando em volta.
- Thomáz, tem outras pessoas aqui – disse, tentando parecer séria, mas sem conseguir esconder o sorriso.
- Culpa sua – dei de ombros. Ela não tinha reparado no capacete que eu tinha apontado para o vendedor, mas assim que ela o viu trazendo três modelos iguais e de tamanhos diferentes, interrompeu o que ia falar para mim e observou o cara se aproximando.
Sorri para ele.
- Esse mesmo, obrigado – peguei um e o analisei, me virando para Giennah. Levantei os braços para medi-lo na sua cabeça, mas ela se esquivou.
- Peraí! Você não está pensando em comprar isso – apontou para o capacete colorido – para mim, está?
Olhei para o objeto em minhas mãos e o analisei. Ele tinha o formato redondo perfeito e por fora tinha a estampa de uma casca de melancia, com o forro vermelho por dentro. Tinha até o desenho das sementes! Era perfeito para ela.
- Lógico que sim, Jones. Sua cara! E como eu planejo andar muitas vezes de moto com você, acho que merece um capacete digno, não? – Não esperei sua resposta e enfiei o capacete na sua cabeça antes que ela falasse mais alguma coisa.
Ela não retrucou mais, mas ainda me olhava seriamente. O primeiro ficou grande demais, e o outro, muito apertado. Por último, coloquei o de tamanho perfeito na sua cabeça, sorrindo para ela, de braços cruzados e mascando o chiclete, séria, como uma criança birrenta.
- Perfeito! – falei assim que fechei o capacete na sua cabeça.
- Sinto muito, mas se você quiser comprar um capacete para mim, tudo bem, mas esse aqui – tirou o capacete da cabeça, entregando para mim – não vai rolar.
- E por que não?
- É ridículo! Eu não vou andar com um negócio desses na cabeça.
Entreguei o capacete que tinha o tamanho dela para o vendedor que escutava a nossa conversa atentamente, como se fossemos um casal discutindo a relação.
- Vou levar – disse para ele, que prontamente se retirou para o caixa.
- Thomáz, eu não...
- Você fica linda de qualquer jeito, Jones, e esse capacete é a sua cara. E vai ser esse, já que você vai andar na minha moto.
Ela suspirou.
- Tudo bem. Que seja! – cedeu. Olhei para ela, surpreso por ceder com pouca insistência. Não sabia se no fundo ela tinha gostado do capacete, mas não queria ceder, ou se era porque eu já estava recebendo o troco.
Neguei a sacola que o vendedor me estendeu para leva-lo, e levei na mão. Era realmente bonito, e até eu usaria, mas eu deixaria exclusivo só para ela usar.
Caminhamos mais um pouco pelas motos e ela até se interessou por algumas mais antigas, e eu explicava o ano e a história por trás de algumas. Quando o sol começou a baixar, revelando o começo de um céu laranja, percebi já ser hora de sairmos dali.
Assim que paramos ao lado da moto, entreguei o capacete para ela, que revirou os olhos antes de colocá-lo na cabeça. Rio da sua careta entediada com um capacete de melancia na cabeça, antes de colocar o meu preto normal e montar na moto. Ela sobe logo em seguida e então acelero pela estrada. Como a exposição de motos ficava no início da estrada e o lugar que eu queria ir era mais pro final, ainda levaria uns minutos para chegarmos.
A estrada estava deserta, mas o sol ainda iluminava a rua. Ouvi um som surpreso de Giennah e olhei para ela pelo retrovisor. Seus olhos estavam vidrados no céu acima das nossas cabeças. Olhei de relance para o alto. O tom laranja forte misturado com amarelo parecia uma pintura. O sol estava mais à frente, no horizonte, quase se pondo por completo. Era o cenário perfeito para onde eu a estava levando. Eu nunca tinha indo com ninguém lá, mas me sentia confortável por levar Giennah.
De repente, a minha vizinha tirou os braços do meu corpo e os ergueu para o alto. Congelei na hora, já que ela não tinha muita experiência em andar de moto e poderia facilmente se desequilibrar. E então ela começou a cantar alto.
She can’t see the landscape anymore
It’s all painted in her grief
All of her history etched out at her feet
Eu não sabia que música era aquela, mas pelo seu tom, era animada. E ela cantou mais uma parte, até atingir o refrão novamente. Olhei para ela rapidamente pelo retrovisor e sorri. Ela parecia tão livre e entregue pelo ar que batia no seu rosto e fazia seu cabelo que escapava pelo capacete de melancia voar, enquanto a luz do sol batia acima das nossas cabeças, que era impossível não sentir paz naquele momento.
Cause she’s just like the weather
Can’t hold her together
Born from dark water
Daughter of the rain and snow
Ela parou de cantar e voltou a me segurar pela cintura, mas ainda sorrindo.
- Meu Deus, Thomáz, isso é incrível! Melhor do que as ruas cheias de carros e sons. Aqui é... silencioso e calmo.
Eu sabia da sensação que ela estava falando. Esse era o motivo de eu sempre vir aqui para pensar e ficar um pouco sozinho quando precisava.
Assim que nos aproximamos da praia vazia e avistei o Farol no fim do pier, estacionei a moto no canto da pequena calçada e esperei Giennah descer para descer em seguida. Coloquei o capacete dela no guidom junto com o meu e peguei na sua mão, caminhando até o início do pier. O céu estava incrivelmente colorido com tons laranjas e amarelos, pelo pôr do sol. Giennah olhava impressionada por tudo a sua volta, desde o farol a nossa frente até o céu e o mar a nossa volta, com reflexos vibrantes do céu.
Quando chegamos na frente da porta que dava acesso a parte de dentro do farol, empurrei levemente a madeira, abrindo-a.
- Thomáz... Como... – ela ainda estava impressionada demais.
- Você já vai saber.
Subimos a escada íngreme em formato de espiral, com ela na minha frente. Quando subimos os poucos lances de escada, chegando no topo, e dando de cara com a pequena varanda do farol, lembranças me invadiram. Meu pai subindo aqui comigo, fazendo a contagem regressiva para a luz do farol acender. Colocando músicas para fazer trilha sonora com a paisagem privilegiada que tínhamos. O mar. O sol. A lua. O Farol. As estrelas. A chuva. Tudo. Eu me lembrava de tudo. Meu pai em pé comigo, sempre mais alto que eu, apontando para o mar sempre que via uma movimentação na água, dizendo que era um animal grande que se escondia da luz do sol. Eu me lembrava de tudo.
Não notei que estava com o rosto molhado até Giennah parar na minha frente, tapando o sol se pondo, e erguendo as mãos para secar o meu rosto das poucas lágrimas. Ela não disse nada quando me abraçou forte. Apenas ergueu os braços e me apertou contra o peito. Eu não sabia por que ela tinha feito aquilo, já que não sabia por que eu estava chorando, mas foi reconfortante. Apertei ela de volta. Tão forte que senti que podia me fundir com ela, se a apertasse mais um pouco. Olhei para a paisagem atrás dela e vi o último pedaço do sol se pondo, até sumir totalmente.
Aproximei o rosto da sua orelha, por cima do seu cabelo, e sussurrei:
- Obrigado.
Não sabia se estava agradecendo o abraço ou se simplesmente agradecia por ela estar ali comigo. Aquele farol era o lugar em que eu ia sempre que me sentia sozinho, como se indo ali, eu estivesse com uma parte do meu pai que eu nunca esqueceria. Esperando o sol se pôr e então esperar até a luz do farol acender, apontando para direções aleatórias até parar em um ponto fixo no horizonte. Era melancólico demais, mas me fazia bem, me deixava um pouco feliz.
Nos aproximamos da varanda e então contemplei o céu começar a escurecer. Comecei a falar:
- Eu vinha aqui com o meu pai, e mesmo depois que ele morreu, eu ainda venho aqui. Pode parecer meio depressivo, mas é um lugar especial pra mim. Onde ele sempre me trazia pra ver sempre a mesma coisa, e em todas as vezes era incrível, como se fosse a primeira vez. E meio que não é restrito, então qualquer um pode entrar.
Olho para o mar, me apoiando na grade.
- É um lugar que me marcou, e que eu nunca vou me cansar de vir, mesmo vindo só quando quero ficar sozinho, ou querendo pensar um pouco.
Olho para Giennah, que olha atentamente para mim. Ela não sorri, mas também não está séria. Indecifrável. Ela não demonstra pena, mas também não demonstra indiferença. Fico nervoso por ela achar que aqui não é o que ela esperava encontrar como recompensa e sim algo depressivo demais.
Porém, ela quebra o silêncio.
- E por que você quis que eu viesse até aqui?
Desvio o olhar, encarando um ponto fixo no céu. Por que eu quis que ela viesse aqui?
- Eu não sei. Acho que pensei que você iria gostar tanto quanto eu.
- É realmente lindo, Thomáz – olha para baixo – De verdade. Estou impressionada. E eu... não tenho nem palavras pra descrever como isso aqui é realmente lindo e especial. Obrigada por ter me deixado vir com você.
Sorrio para ela e noto o brilho nos seus olhos. Eu tinha notado que sempre que ela estava genuinamente feliz ou animada demais, tinha um brilho a mais no tom castanho dos seus olhos, mas olhando agora, vejo que eu prestei atenção demais.
Olho para o relógio e vejo que já está na hora.
- Olha para a sua esquerda – digo, ficando atrás dela, com o corpo virado para o centro do horizonte.
- Por quê?
- Você já vai ver.
Coloco o punho na sua frente e olho o ponteiro marcando os segundos.
- 10, 9, 8 – conto, sussurrando perto do seu ouvido – 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1...
E então ouvimos um ruído abaixo de nós, como um zumbido elétrico, e imediatamente uma luz surgir, mirando na direção oeste. Os olhos de Giennah estão focados na direção do longo foco de luz branca, que aponta para nenhum lugar específico, e então se mexer para a direção norte, e em seguida leste. Volta para o nosso lado esquerdo, e então começa a rondar todas as direções até ficar a nossa frente. Vejo a cabeça de Giennah se mover junto com a luz e rio.
- Que lindo! Meu Deus! – ela começa a dizer, impressionada.
E então se vira para trás e beija a minha bochecha, em um beijo estalado. Porra, eu te trago até aqui pra receber um beijo na bochecha? Ela não podia pelo menos seguir o roteiro romântico da coisa? Franzo o cenho, claramente frustrado, mas ela não repara.
- Eu realmente sinto muito pelo seu pai. Pelo jeito que você falou dele, a sua perda realmente deve ter sido dolorosa pra você.
Aceno com a cabeça, em agradecimento.
- Mas sabe o que dizem? – começa.
- O que? – me viro para ela.
- Que devemos substituir memórias ruins, por novas... – olha para cima, pensando – Ah, foda-se, esqueci o ditado. Mas devemos ter memórias boas para substituir as ruins.
Ri, mas sem entender onde ela queria chegar.
- O que você quer dizer, Jones?
Ela sorriu maliciosamente.
Ah.
- Você quer dizer que devemos...
Ela tapou a minha boca.
- Shh. Não! Isso não. Eu sei o que você pensou, mas não. Eu quero dizer que deveríamos tirar umas fotos desse momento para registrar esse dia, o que acha?
Ela tira a mão da minha boca e então assinto, em concordância.
- Tudo bem, mas ainda preferia a ideia que tive. Com certeza iria substituir qualquer ideia que eu tivesse sempre que eu viesse aqui...
- Você é muito safado, Thomáz, meu Deus!
Sorrio.
Ela pega o celular da bolsa e então liga na câmera, virando para nós dois com o fundo escuro e iluminado pela luz do farol. Depois de tirarmos algumas fotos, umas com caretas, outras sorrindo, mostrando os dentes, outras mostrando até as gengivas e outra fazendo chifrinho com os dois dedos na cabeça dela, peguei o celular da sua mão e com a câmera apontada para nós, a surpreendi quando a agarrei pela cintura e a beijei. Eu também sabia ser romântico. Captei o momento exato em que ela sorriu e fechou os olhos em surpresa, com as duas mãos, uma de cada lado do meu rosto. Na mesma hora enviei todas para o meu celular. Mas antes, tirei uma dela olhando para mim, no momento exato.
- O que você fez? – perguntou.
- Boas memórias.
Ela riu e pegou o celular de volta depois de eu enviar aquela também para o meu celular.
Depois de mais alguns minutos olhando para o mar, vimos que já estava tarde, então descemos e pegamos a moto novamente, indo embora. E dessa vez, com novas lembranças.
P.S: Música que a Giennah cantou, na mídia!
Gente, passando aqui pra dizer que a partir do dia 29, os capítulos não vão sair tão rápidos assim, por motivos de volta de rotina, então aproveitem essa semana de capítulo diário, porque com a volta dessas férias, pode ser que tenha dias que fique uma semana sem capítulo, então não me matem rs.
Como eu imaginei o Farol, mais ou menos, mas vocês podem pensar como vocês preferirem.
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