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Capítulo1: Viva a Miscigenação!


– Pronto! Tudo impresso!– Joguei as duas folhas testes em formato A1 na mesa da FAU– É melhor não olhar demais para não ver os erros.

Encarei os olhos verdes de André Felipe sob aquela espessa cabeleira encaracolada. Ele possuía um olhar crítico enquanto avaliava a prancha da frente.

– Está faltando a indicação do Norte nessa planta-baixa, Olívia.

– Ô raiva, eu disse para não olhar demais.

Bati as duas palmas da mão na mesa de madeira, atraindo alguns olhares curiosos. Final de semestre era um caos, uma correria sem explicação.

A minha desculpa para não fazer esportes– eu sei cada um inventa a sua desculpa– era que eu corria tanto pelos corredores do prédio Minhocão que nem ganhava os indesejáveis quilinhos a mais.

– André, eu juro que fiquei olhando cada prancha ontem à noite, cada detalhe, para coisas assim serem evitadas– Choraminguei, jogando-me na cadeira ao meu lado.

– Pare de se martirizar, coisas assim acontecem. A gente imprime de novo sem problemas, não se preocupe!

Eu não sei como ele me enfeitiçava daquele jeito, ele apenas me acalmava com simples palavras. André é gentil e com um bom coração, também é alto, quase transparente de tão branco e possuía aqueles olhos verde esmeralda maravilhosos. Anjo André, eu o apelidara certa vez. A gente sempre fazia os trabalhos juntos, passávamos horas acordados na casa do outro, tínhamos uma sintonia que eu achava única.

– O que foi, flor? Apaixonou?– Ele me jogou uma piscadela que enfartava qualquer mulher. Mas para o azar delas, o perderam para Eduardo, seu namorado.

– Difícil é não apaixonar– joguei uma piscadela de volta e sorri.

– Eu sei, eu sei... sou assim, irresistível.

– OLÍVIA! OLÍVIA!

O grito vinha da entrada da FAU, girei a cabeça e visualizei Mariana Solar acenando e andando aos tropeços em minha direção. Ela me abraçou com força antes que eu pudesse dizer um mísero oi.

– Menina do céu! É hoje! Estou tão animada por você! Vai ser maravilhoso, chamei todo mundo, toda a galera da psicologia vai estar lá, posso garantir, serviços Mari de qualidade. Você vai ar-ra-sar, tenho certeza. Vou até...

– Mari, chega!– levantei-me da cadeira para acalmá-la– Eu já fiz isso inúmeras vezes, é natural, não precisa...

– Mas hoje é diferente, hoje você vai discursar no auditório! Isso é único, bem melhor que os palcos do gramado lá fora. E agora vai ter professores assistindo, os grandes mestres da faculdade, todos te escutando...

– Eu sei, eu sei. Batalhamos muito pelo auditório...

– Não acredito que você rebaixou aquela Terceira Guerra Mundial para uma batalha. A gente está tentando conseguir aquele auditório há muitos ANOS! Anos, Olívia, no plural!

– Mari!– Segurei as mãos dela, aumentando o meu tom de voz– Eu vou ali imprimir umas pranchas. Te encontro no almoço.

– Mas...

– Vamos André!

Segurei o braço dele e puxei em direção a saída, acenando ao mesmo tempo para a desamparada Mari.

– Coitada, Olívia– André cochichou.

– Coitada de mim! Estressada, com dois trabalhos incompletos de final de semestre para entregar amanhã, com um discurso sobre Miscigenação para hoje à tarde e ainda sou obrigada a escutar a Mari dando seus ataques de felicidade. Ela precisa ser cortada às vezes, você sabe muito bem disso, André.

– "Cortada"no meu dicionário é bem diferente de humilhada.

– Ah, por favor, eu não a humilhei. Você é muito dramático.

– Falou a senhorita Ambrose Estresse.

Dei um soco de leve na barriga dele e o fitei indignada.

– Tenho muitos motivos para estar estressada, André Felipe– bufei– Agora vamos! Eu preciso das pranchas impressas e corretas até a hora do almoço.

– E eu de uma dupla nova.

– Como?!– Parei de andar para fitá-lo com o meu olhar de fúria novamente, mas ele continuou andando e ainda possuía um irritante sorriso no rosto, o safado.

Cheguei correndo no restaurante universitário para almoçar. Enquanto eu segurava os papéis do texto que eu treinara para falar no Auditório, coloquei alguns legumes e arroz branco no prato e corri os olhos pelo restaurante. Avistei meu grupo de amigos inseparáveis ao lado da janela e fui me juntar a eles, esbarrando em cadeiras, mesas e pessoas.

– Bom dia amores da minha vida– falei, sorridente, me ajeitando no único lugar vazio, com Amanda Martins do lado direito e Eduardo Oliveira do lado esquerdo.

– Amores... da sua vida?!– questionou Mari do outro lado da mesa– O que deu em você agora? Virou bipolar, amiga?

– Ah, me desculpe por mais cedo, Mari, eu estava estressada e com a cabeça no projeto– sorri antes de enfiar um pepino na boca.

– Olívia! Olívia!– chamou Eduardo– Tenho uma surpresa para você.

Olhei assustada para ele, eu não estava esperando uma surpresa. Encarei André na ponta da mesa com um olhar acusador por nunca me contar os segredos do seu namorado.

– Pois bem, qual é surpresa?– perguntei.

Eduardo abriu um grande sorriso cheio de dentes brancos, aquele sorriso era típico dele. Ele fez um sinal de espera com a mão e começou a vasculhar a bolsa, retirando de lá um papel A4 e colocando-o na minha frente. Avaliei o papel com atenção, era um cartaz com várias pessoas no centro, com diferentes tons de pele, diferentes estilos de roupa, mas nenhum rosto identificável. O título era "Viva a miscigenação", em vermelho vivo. Embaixo da imagem outra frase também se destacava: palestra com Olívia Ambrose Barros, estudante de Arquitetura e Urbanismo.

Avaliei o papel por alguns instantes, me sentido um pouco intimidada, envergonhada, mas ao mesmo tempo orgulhosa. Era um ótimo cartaz, muito bem feito pelo excelente estudante de publicidade que era Eduardo.

– O que achou?– ele apoiou a mão nas minhas costas, inseguro– Já está colado em toda a Universidade, várias cópias dele, me desculpe por não ter te consultado, eu queria fazer uma surpresa, mas sei que você é muito metódica...

– Ei!– o cortei– Está ótimo! Muito bom mesmo! Agora é certeza que o Auditório vai lotar.

– Ufa, que bom que gostou– ele suspirou.

– Só achei estranho eu não ter visto nenhum dos cartazes por aí.

– Claro que não viu– afirmou André– A sua cabeça está em outro lugar hoje. Se passar um dinossauro na sua frente por esses corredores, você não enxerga.

– E a cabeça dela está aonde?– perguntou Amanda confusa.

– No Gabriel, claro– riu Mari da própria piada.

– Mari, menos, bem menos... Gabriel é passado, é um passado bem enterrado, só para deixar claro– irritei-me.

– A cabeça– começou André, também censurando Mari– Está nos trabalhos da faculdade que nós dois temos que entregar. A Mari, que não faz nada da vida, não entende isso.

– Como é?!– Mari cerrou os olhos.

– É brincadeira flor, é brincadeira– sorriu André– História é um curso muito bom.

– Para alguns– disse Eduardo, fazendo uma careta de desprezo– Porque História é História né.

Todos riram.

– Parem, parem. Todos os cursos merecem respeito– eu disse, ainda rindo.

Olhei para o meu prato vazio e levantei-me, pedindo desculpas para os meus amigos, mas eu precisava ir me concentrar antes da palestra. Eles me desejaram sorte e prometeram que estariam lá. Eu sorri, porque eu tinha certeza que estariam. Eu sabia que poderia contar com eles sempre, todos eles, Amanda; Rafael; Mari; André e Eduardo.

Andei devagar em direção ao Auditório central, lendo e relendo meus papéis manuscritos. Eu estava acostumada a dar palestra, é claro, mas era sempre para um grupo de alunos, ou em sala de aula, ou nos encontros Contra o Racismo, local em que eu me sentia segura para debater. Mas agora, o público vai ser grande e vai abranger grande parte da Academia de professores da Universidade. Sim, eu estava nervosa e não era pouco.

Entrei no Auditório, algumas pessoas já estavam se acomodando nas poltronas. Alguns conhecidos acenaram para mim, outros apenas ficaram me observando passar. Cheguei no palco e fui me esconder atrás das cortinas. Era uma palestra que eles chamam de Organizada por Estudantes, portanto, não precisava de apresentação do palestrante, de alguém para controlar a iluminação ou de alguém para controlar o som de fundo. Precisava apenas de mim e era minha obrigação estar lá, eu sentia isso, sempre senti que é o meu dever como ser humano defender aqueles que sofrem por estar vivendo nessa sociedade preconceituosa.

Uma hora se passou. Eu só andava de um lado para o outro, olhando a cada dois minutos entre a fresta da cortina. No último desses minutos eu já comecei a visualizar pessoas se posicionado nos degraus para me escutar. Estava lo-ta-do. Esperei mais uma meia hora, dei uma última lida nos papéis apenas para ter segurança na hora de falar e abri as cortinas.

– Primeiramente– falei enquanto testava o microfone– Bom dia!

Avaliei a reação da plateia, o ruído aos poucos diminuiu e quando todos silenciaram eu coloquei o microfone novamente entre as mãos.

– Para aqueles que não me conhecem, meu nome é Olívia Ambrose Barros– eu disse alto e claro– Bem, tem muita gente aqui– sorri nervosamente, enquanto algumas risadas ecoavam no Auditório.

Avistei André sorrindo na terceira fileira.

– Mas esse é um assunto importante e que merece ser discutido. Portanto, vamos ao que interessa– afirmei, mais controlada– Meu nome é Olívia, como eu já os informei, e eu sou essa negrinha aqui. Tenho esse cabelo ruim crespo, que nenhum pente entra e sai com facilidade, é um cabelo rebelde esse meu.

Mais risadas. Eu estava ficando mais confiante agora.

– Eu também tenho essa pele que é pura melanina, não é mesmo? Aquela pele ótima para ser protagonista das piadas sobre fotografias: "Onde está a Olívia na foto?", "Coloca o flash para ver se a Olívia aparece", "Só consigo ver os dentes da Olívia".

Algumas risadas mais contidas.

– Eu sei que muitos dos meus amigos fazem essas piadas, eu não me sinto agredida na maioria das vezes, porque eles fazem com inocência, porque eles me conhecem... O que é muito diferente de outras que eu já ouvi de conhecidos ou desconhecidos nas ruas. Uma vez cheguei em uma festa dessas chiques que têm até banda ao vivo e me falaram: "Como você tem coragem de vir para uma festa desarrumada assim, não fez nem uma escova no cabelo", ou piadas do tipo: "Como ela é negra e ainda é rica?", "O pai dela é preto e é juiz, você sabia? Uma injusta", "Como deve ser beijar uma neguinha, hein gatinha?".

Ninguém riu.

– Sim, vocês perceberam a diferença. Essas frases fazem parte da lista de frases preconceituosas que eu já ouvi, que eu infelizmente escuto todos os dias. Algumas pessoas, talvez pessoas que estejam até presentes nessa plateia, fazem parte do grupo de pessoas que fazem o preconceito acontecer. Eu as classifico em– levantei um dedo– Pessoas preconceituosas por puro prazer de ser– levantei o segundo dedo– Pessoas que são preconceituosas que não sabem que o são, que para mim, é o pior grupo, porque é muito difícil de entrar na cabeça dela que ela está errada. E eu não estou falando agora apenas de preconceito racial, porque o preconceito acontece em tudo aquilo que você acha fora dos padrões, talvez uma pessoa fora do peso, uma pessoa mais tímida, um estrangeiro, aquele que usa óculos, aquele que usa aparelho... As vezes você está atingindo um grupo de pessoas e você nem percebe.

"Imaginem que uma garota que a vida inteira se considerou feia, que tinha vergonha de sair da rua, que frequentava psicólogos para melhorar a sua auto estima. Aí um belo dia você está passando na rua e fala alto com o seu amigo: olha que menina feia. Você sabe que ela ouviu, mas apenas acha graça. Foi uma frase tão boba, não é mesmo? Boba para você! Que não conhece a vida daquela menina e não sabe o quanto aquilo a feriu, que a partir daquele dia ela teve que tomar pesados antidepressivos. Aí você pensa. Nossa, mas só por causa daquele episódio? E eu te respondo: não, não foi apenas por causa daquele episódio! Foi porque todos os dias a menina luta para ser entendida pela sociedade, para ser melhor que os padrões de beleza impostos pela sociedade, mas todos os dias ela acaba escutando uma frase como aquela e tudo se junta em uma grande e violenta bola de neve. Aquela frase, meus amigos, foi apenas o estopim para a depressão dela, mas como você não sabe nada da vida dela, não sabia da gravidade do problema, porque você, meu amigo, gera pré-conceitos o tempo todo, de todo mundo."

"Essa história é fictícia, mas eu tenho certeza que existem muitos casos como esses ou até piores, porque o suicídio também é uma consequência gravíssima. Você, meu caro ouvinte, talvez tenha se identificado com essa menina, ou até com o rapaz que sem pensar, a chamou de feia."

– Existe um termo para isso...– parei pensativa– Bullying é o nome, mas eu não gosto muito de utilizar termos em minha palestras, porque para muitos bullying é frescura, é uma coisa recente, que agora virou modinha. Eu, Olívia, gosto de apresentar os fatos de uma realidade que infelizmente e para o meu desgosto, sempre existiu.

– Agora voltando ao assunto de preconceito racial... que é o foco da palestra, quero explicar um pouco da História desse país. Tive algumas aulas com a minha amiga Mariana, porque é estudando o passado que a gente entende o presente, não é mesmo, Mari?

Ao lado do André, Mari acenou, sorrindo. Eu sabia que ela ficaria feliz com essa exposição, ela nasceu para aparecer para quem a quisesse ver e ouvir.

– Todos nós frequentamos as aulas do ensino médio com a tia Francisca e a ouvimos dizer repetidas vezes sobre a colonização do Brasil. Tia Francisca e Mari me disseram que no ano de 1500 os portugueses chegaram aqui na nossa Terra e logo de cara perceberam que o país já era habitado pelos "selvagens". Para atender a necessidade dos portugueses, eles tiveram que escravizar os índios, porque eles precisavam de mão de obra nos engenhos de açúcar e os índios estavam ali, inferiores, de acordo com eles. Mesmo assim, escraviza-los não estava sendo o suficiente, os portugueses precisavam de um melhor desempenho nas lavouras. E foi assim, que começou o tráfico de Africanos. Por que os Africanos? Porque eles eram negros e todo escravo é negro? Claro que não!!! A escravidão africana já acontecia na própria África há muitos anos, tanto é que em 1948 teve, me desculpem a expressão, aquela desgraca do Apartheid na África do Sul, onde a maioria da população é negra, mas isso aconteceu bem lá na frente. Onde eu estava? Ah sim! Portanto foi um meio mais fácil e lucrativo para os portugueses. Se voltarmos para as construções das pirâmides, no Egito, por exemplo, eram todos escravos brancos.

– O número de africanos que entraram no território brasileiro através do Tráfico Negreiro ultrapassou quatro milhões! Era muito escravo negro, muito mesmo! Por isso que todo negro que encontravam na rua aqui no Brasil, já queriam escraviza-lo. Essa ligação entre as palavras negro e escravo aconteceu, a meu ver, principalmente e com muito mais força quando eles já estavam aqui dentro. Bem, voltando, a escravidão agora acontecia com menos força nos índios e com muito mais poder nos africanos. Eles foram a base para a economia do país, graças a eles, entramos no ciclo do açúcar, na mineração, no café e na agricultura com toda a força. Aí, meus amigos, depois de muita luta e sofrimento, depois de muito castigo não merecido, de humilhação em pelourinhos, do esforço não reconhecido, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea em 1888. Então pronto? Fim da escravidão? Agora todos os ex escravos vão sair e encontrar um trabalho decente? Vão ser aceitos na sociedade? Vão poder se relacionar ou até casar com mulheres brancas? É muita ilusão achar tudo isso, meus amigos, muita ilusão achar que agora está tudo bem.

"Pois para quem não sabe, eu vou lhes contar. Depois da Lei Áurea, muitos escravos preferiram permanecer trabalhando para os seus antigos donos com um mísero salário. Mas por quê, Olívia? Porque aquela era a vida que eles conheciam. Para onde eles iriam agora? Teve escravo que nasceu na senzala e a vida inteira morou somente naquela senzala, o que esse escravo conhecia da vida lá fora? E quem iria dar um emprego descente e confiar em ex escravo? Que pai iria deixar a filha casar com negro, ex escravo?

"O resultado foi que agora os brancos, donos de lavouras, com a vida estabilizada e até ricos, continuaram vivendo no mundinho deles. Com a chegada dos imigrantes, eles até preferiram contratá-los do que manter aquele ex escravo. E agora quem é o ex escravo? O ex escravo é o pobre que está lutando para sobreviver, é aquele que sofre o maior preconceito da história do Brasil e assim ele vai formando as suas gerações até hoje. Em todos esses anos, cento e vinte e cinco anos para ser mais exata, foram poucos que adquiriram o sucesso merecido, a renda merecida, a valorização merecida. Isso é fato, isso é estatística."

Encarei a plateia um minuto antes de continuar. Estavam quase todos atentos, uma pessoa ou outra conversando e discutindo o assunto.

– Meu povo– recomecei– Mais da metade da população é negra, isso é um dado do IBGE. E agora eu vou citar para vocês dados de 2003 publicados pela Folha de São Paulo, que eu te garanto que agora em 2013 não mudaram muita coisa. Quase metade dos negros estão abaixo da linha da pobreza, 46,8%. Sendo que a taxa para os brancos é de 22,4%. Outro dado grave e ainda presente é que no Rio as mulheres brancas recebiam 105% a mais no salário do que as mulheres negras. Em São Paulo, que é a região metropolitana mais populosa do Brasil, a porcentagem de negros é 32,1%, mas 45% dos pobres são negros. Avaliaram bem? Vocês conseguem ligar aquele passado com o presente de hoje? Espero que sim.

– Ah! Outro levantamento que eu achei importante foi que a maioria dos presos no Brasil são jovens, negros e pobres. Por quê isso? A meu ver, foi por falta de educação, por marginalização daquele negro sem oportunidade e até mesmo por preconceito. Eu já cheguei a presenciar na rua um grupo de negros parados na parada de ônibus, apenas conversando. A parada estava lotada. Um carro de polícia parou, saíram três policiais do carro e foram revistar os negros. No meio de tanta gente, eles foram revistar aquele grupo de meninos e apenas eles. E revistaram com brutalidade, apontando armas, gritando. Quando perceberam que eles eram apenas estudantes e não estavam carregando nada que infligisse as leis, os policiais foram embora. Agora parece que um grupo de negros não pode andar juntos porque já pensam que são traficantes, uma máfia ou sei lá mais o que. Uma palhaçada viu.

– O engraçado de tudo isso é que para os que me conhecem, a palestrante aqui é negra, mas é classe média alta, filha de uma professora e um juiz negros. Gente, acorda, eu sou uma exceção! E exceção apenas quando a questão é dinheiro, porque eu ainda sou vítima de preconceito por causa das minhas origens. Prestem atenção, eu já afirmei que mais da metade da população é negra! Olhem ao redor! Levantem as mãos aqueles que se consideram negros!

Fui beber água enquanto as pessoas se manifestavam. Duas meninas negras da fileira da frente levantaram a mão. Mais três pardos espalhados pelas poltronas também levantaram. Ah, um professor negro e quatro negros ao fundo.

– Uma, duas, três... quatro, cinco, seis, sete, oito, nove– Contei em voz alta– Oito! Quantas pessoas têm nesse auditório? Umas cem? Ou mais?– olhei para Rafael sentado na plateia, ele era da engenharia. Ele avistou meu olhar e concordou com a cabeça. Então era isso, um pouco mais de cem.

– Se mais da metade da população é negra, por que aqui dentro do Auditório da Universidade eles são apenas nove dentro de um número de mais de cem pessoas presentes?

Bebi mais um gole de água enquanto as pessoas pensavam. Eu gostava dessa situação em que várias cabeças estavam tentando encontrar respostas para uma mesma pergunta.

– Mais da metade dos negros que estão tentando entrar em uma boa faculdade, estão lá nas escolas públicas, isso é um fato. Alguns pais separam metade do seu salário para pagar uma escola particular e ver se a geração do filho melhora de vida. Muitos, acaram entrando na vida marginalizada. Meus amigos, isso é tudo consequência da história que eu contei no início, dos escravos que foram libertados e tiveram que lutar para se estabelecer nesse país. São poucas exceções. E depois me aparecem aqueles que são contra cotas raciais. Porra! Depois do branco ter escravizado o negro e agora as suas gerações estão sofrendo as consequências disso, tem gente que fala que todos merecem entrar na Universidade de forma igualitária sendo que todos chegaram lá através de diferentes meios.

– Eu não quero me aprofundar nesse tema de cotas raciais. Acho que o sistema ainda não é bom, que precisa ser melhorado, mas a ideia das cotas é mais do que justa! Super apoiada!– gritei– Eu, Olívia, entrei pelo Sistema Universal. Por quê? Porque eu sempre estudei em escola particular, sempre tive bons livros, apoio em casa, apoio na escola. Era meu dever entrar como todo mundo, eu tenho consciência disso. Aí você se pergunta, então as cotas sociais bastam! Se você acha isso não entendeu nada do que eu disse até agora. É o dever da sociedade para com os negros mudar aquilo que ela própria criou contra eles, de fazer justiça, de tentar mudar o que plantaram nesse país. Eu conheço mulheres negras que mesmo formadas, não conseguem um emprego pelo simples fato de serem negras! Sim, isso acontece! Ou negros que entram por cotas e sofrem preconceito dentro da Universidade por causa disso!

"Nossa, lembrei até de um homem que me falou ano passado que se somos todos biologicamente iguais, todos seres humanos, não deveria existir cotas. Isso foi o cúmulo do absurdo! Por favor, somos todos biologicamente iguais mas não escolhemos nascer sem oportunidades de crescer na vida. E outra coisa, o preconceito racial acontece na pele! Ninguém está olhando biologicamente para um negro antes de gritar na rua "Ei carvão".

– Todos nós merecemos os mesmo direitos, merecemos ser tratados da mesma maneira, com respeito, dignidade. Mas isso infelizmente não acontece. Está mudando, é claro. Hoje discutimos esse tema com liberdade. Hoje é crime induzir ou incitar a discriminação ou preconceituoso de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional! O Brasil é um país tão diversificado, tão rico, tão maravilhoso, tem gente que não enxerga isso! Mas eu estou aqui, como muitas outras pessoas, para tentar ser ouvida, nem que seja por um grupo pequeno de pessoas. Estou aqui para tirar a venda daquele que não enxerga a beleza dessa diversidade. Se eu fiz você pensar sobre o assunto e passar ele adiante, você certamente está me fazendo sentir muito realizada.

– Bem, isso é tudo!– afirmei– Obrigada amigos, obrigada alunos, obrigada professores, obrigada funcionários da Universidade, obrigada aqueles que me deram a oportunidade de estar aqui na frente para expressar a minha opinião e obrigada aqueles de fora que foram convidados.

Fiz uma referência para formalizar o encerramento.

– E VIVA A MISCINEGENAÇÃO!

Todos bateram palmas. E aos poucos aqueles que se encontravam sentados foram se levantando enquanto batiam palmas com mais força. Nossa, como eu estava feliz. Esperei a platéia se silenciar para acrescentar uma última coisa.

– Gente! Deixei o meu blog aqui no telão para vocês acessarem e a gente debater sobre o assunto– apontei para o telão sobre a minha cabeça– Infelizmente o meu tempo no auditório acabou, mas nos encontraremos online! Tchau! E muito obrigada!

Virei-me de costas e andei em direção as cortinas vermelhas. Eu ainda conseguia ouvir algumas palmas e o movimento das pessoas se retirando. Falei quase tudo o que eu precisava falar, talvez eu tenha me esquecido de uma coisa ou outra, como sempre; mas eu estava satisfeita.

Cheguei exausta em casa. Subi as escadas e fui correndo para o meu quarto, abri o notebook para ver as novidades do blog. Meus pais estavam na Itália e eu odiava ficar sozinha, mas também tinha as suas vantagens, amanhã será o último dia de aula e eu precisava me concentrar. Agora vou postar uma foto sobre a palestra, mandar algumas mensagens, terminar o meu trabalho escrito de Teoria e História da Artes e com sorte eu iria dormir três horas da manhã. Muita sorte. Bem, sejamos mais realistas, quatro horas da manhã é um bom horário para terminar tudo. E pronto, que venha o nono semestre.


AVISO: Talvez algumas pessoas acharam o capítulo muito maçante, por ser um capítulo longo e crítico (o que era essencial para o desenrolar da história). Mas não se preocupem, os próximos são bem mais tranquilos.  

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