Capítulo 6
As emoções que percorrem nosso corpo não passam de reações orgânicas, respostas à estímulos físicos, químicos e sociais. Uma explicação sucinta para todo esse rebuliço que acontecia dentro de mim. No mínimo eu poderia dizer que estava confusa e perdida.
Em poucos minutos todas as convicções que eu tinha ruíram. Eu me vi tentada por um diabo de olhos verdes acenando algo bom no final do caminho e eu aceitei. Mas até onde se pode confiar no incerto?
Eu havia aceitado resgatar aquela noite de fantasias e vivê-la uma vez mais. A provocação do destino era muito grande para ser ignorada. Eu não podia virar as costas para essa oportunidade de replay, que prometia um longa metragem com trilha sonora e tudo o mais.
Se existe uma coisa da qual eu me orgulho é de ser decidida. Uma vez que eu definia a minha opinião eu não voltava atrás com indagações, com aquele 'e se' insuportável, que apenas te enlouquece com o tempo. Por isso, desde que o Daniel, meu J.C., saiu daquela sala eu parei minha mente de correr sobre todas as coisas ruins que poderiam acontecer se eu fosse de cabeça nesse caso. Pessimismo nunca levou ninguém para frente, por isso eu assumi que o melhor iria acontecer e se não acontecesse, ao menos eu teria tentado e faria questão de aproveitar cada segundo dessa aventura.
Ainda com a sensação de mil borboletas no estômago correndo pelas minhas veias, eu entrei no quarto do meu pai. Rapidamente desfiz o sorriso bobo que estava estampado no meu rosto, para não ter que explicar nada ao meu velho, mas por sorte eu o encontrei desmaiado na cama. Acho que a enfermeira aplicou uma dose maior dos remédios, apenas para não ter que ouvi-lo reclamar de mais nada.
O quarto não era muito grande, havia apenas os equipamentos médicos, a cama hospitalar e uma poltrona dura e desconfortável. Eu pensei seriamente em ser solidária e me ajeitar no cantinho para passar a noite e não deixar o meu pai sozinho, mas minha coluna logo protestou e eu decidi atender o seu pedido. Antes de sair sorrateiramente do quarto eu dei um beijo no rosto relaxado do Seu Nelson, coisa que eu não fazia há algum tempo.
– Pode não parecer, mas eu estou feliz que esteja tudo bem com você. Eu te amo pai.
Assim que cruzei o limiar da porta, percebi que eu não tinha um lugar para passar a noite. Eu poderia ir para um hotel, pousada ou sei lá, mas o dinheiro estava um tanto quanto curto no momento para mim. Não que eu estivesse contando moedas, eu ainda não tinha chegado a essa fase, mas mesmo assim, apertar o cinto era o lema da vez.
Eu estava distraída, pensando no meu saldo bancário, enquanto o meu corpinho me pedia um descanso merecido, que não percebi um vulto branco me chamando no corredor.
– Bia, você está bem?
– Oi, Doutora Salles, estou só com um probleminha técnico. – a médica me olhava de forma carinhosa. – Aquela cadeira do quarto não me parecia muito confortável.
– Na verdade, minha querida, o horário de visitas acabou faz algumas horas. Mas se você quiser ficar com o seu pai, eu posso dar um jeito.
A proposta da doutora foi muito generosa, mas só de me imaginar nessa cadeira, com essas paredes brancas e aquele bip bip, eu comecei a ficar com coceira.
– Acho que meu corpinho não aguenta esse cheiro de antisséptico por mais um minuto. E aquela cadeira não foi muito com a minha cara. – lancei um sorriso simpático para a médica.
– Nesse caso, só posso te desejar boa noite. Mas, antes de você ir, me prometa que voltará cedo, se não é bem capaz do seu pai transformar isso aqui num hospício.
– Bem doutora, ele não é tão ruim assim. Só dá um tempinho que ele para de espumar e babar.
– Acho que vou ter que pagar para ver.
Quando ela me deixou sozinha sorrindo pelo corredor, eu fiquei com a sensação de que algo grande viria pela frente, algo envolvendo meu pai rabugento e uma médica de coração mole. O futuro estava guardando surpresas, só restava descobri se seriam boas ou não.
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Quando entrei no meu carro eu fiquei perdida com o aplicativo do meu celular. Eu havia digitado na barra de pesquisas 'albergues' e o bendito do aparelho me mostrava apenas a sede do controle de zoonoses da cidade. Muitas vezes eu e Lili nos chamamos de vaca, cachorra, entre outros apelidos carinhosos, mas não era possível que o meu celular velho de guerra estivesse me pregando peças.
Fiquei parada dentro do carro por um bom tempo, pensei até mesmo em passar a noite no banco de trás, eu sei que caberia, afinal meu Smart era quase que feito sob medida. Mas eu estava cansada e com fome, precisava de um lugar para ficar. Quase me senti uma desabrigada, como nos filmes clichês, faltava apenas chover e um galã aparecer me oferecendo ajuda.
Porém, assim que eu coloquei o carro em marcha para sair do estacionamento, uma luz brilhou na minha mente e eu quis me dar um tapa por ter perdido tempo com um problema que na verdade nem sequer existia. Eu tinha sim casa e comida me esperando, isto é, se não tivesse mudado o esconderijo das chaves.
Dirigi por cerca de uma hora, já que toda a logística da cidade havia mudado nesses anos, mas a casa ainda estava no mesmo lugar e do mesmo jeito em que eu me lembrava.
No bairro nobre da cidade e a casa mais bonita da rua. Foi aqui que eu vivi a minha adolescência.
Quem via o nosso padrão de vida, jamais imaginaria que tudo começou na garagem de uma casa com dois cômodos na periferia. Meu pai começou do nada, investindo e correndo atrás do seu sonho, mas nunca nos deixou faltar nada. A vida foi difícil naquela época, duas crianças pequenas sem mãe e apenas uma pessoa sustentando a casa. Eu sempre me orgulhei do esforço que Nelson Yamazaki fez para crescer, mas não posso negar que me ressinto disso também. O homem que não chegava em casa sem uma lembrancinha boba para os filhos aos poucos se tornou um engravatado que contava o tempo até para ir ao banheiro. Acho que esse foi o preço do sucesso para a nossa família.
– E lá vamos nós!
Após estacionar meu carro na frente da imponente casa, eu andei pelo jardim admirando as novas flores que decoravam a fachada e rezando internamente para que o velho vaso de margaridas estivesse no mesmo lugar.
Acho que esse foi o único objeto que trouxemos da nossa antiga casa, o vaso lascado com as flores que a minha mãe havia plantado há tantos anos atrás, que por sorte estava no mesmo lugar de sempre, o lado esquerdo da porta principal.
– E voilà! – eu disse para o jardim iluminado ao encontrar dentro do vaso a "chave saideira", já que ela sempre me salvava quando eu ia escondida para algumas festas.
Eu coloquei a chave na fechadura já imaginando um banho quente me esperando lá dentro. Porém, a dita cuja não virava de forma nenhuma e eu só fui entender que haviam trocado as fechaduras da casa quando fiquei com metade do metal na minha mão e a outro parte presa na porta.
– Puta que pariu! Não acredito que isso aconteceu comigo!
Fiquei parada olhando para a madeira trabalhada por alguns segundos. Além de um banho quente, eu estava precisando muito ir ao banheiro, e eu tenho certeza que meu pai e seu jardineiro não iriam gostar do meu adubo natural. Eu precisava entrar nessa casa, mas a minha opção de acesso estava fora de cogitação. A não ser que...
Eu dei a volta pela casa e cheguei até a piscina e espaço gourmet. Desde que foi instalada, a janela do banheiro dessa área, nunca fechava. Eu só precisaria alcançar essa janela e me espremer para passar por ela. Mas, aí estava uma vantagem em se ser pequena.
Deixando minha bolsa em uma das espreguiçadeiras eu arrastei uma cadeira para debaixo do meu alvo.
– Caralho de cadeira pesada! Tinha que ser madeira de lei?
Depois de muito empurra e puxa eu consegui cair no azulejo frio do banheiro. Gostaria de dizer que eu caí como um gato, em pé e com muita classe, mas a verdade é que eu me esborrachei bonito no chão. Contudo, o importante era que eu tinha entrado.
Aproveite que eu já estava no ambiente certo e antes de resolver o problema das portas trancadas eu esvaziei a minha bexiga, e com toda certeza do universo esse foi um momento muito, muito feliz, quase vi unicórnios de tanta felicidade por ter um vaso sanitário e papel higiênico a minha disposição.
Minha segunda ação da noite, logo depois de literalmente pular a janela, foi resgatar minhas coisas da piscina, para isso eu precisava apenas destravar a porta dos fundos. Mas, assim que eu virei a maçaneta da enorme vidro que separava a cozinha da área externa, um som estridente ocupou a casa. Eu e minha cabecinha de vento nos esquecemos de um detalhe simples, o alarme de monitoramento.
É claro que uma casa dessas, sem nenhum funcionário ou morador frequente teria uma segurança interrupta. Eu corri para o equipamento, mas a senha já não era a mesma e a única coisa que eu consegui foi aumentar ainda mais o som irritante. Não demoraria muito para que uma equipe de seguranças e até mesmo a polícia chegasse aqui. Então, eu fiz a coisa mais sensata do mundo.
Sentei no balcão da cozinha, liguei o sistema de áudio da casa e coloquei uma batida alegre para competir com o som do alarme, e enquanto aguardava as luzes vermelho e azul chegarem eu ataquei a cesta de frutas à minha frente.
– Bianca chegou vizinhos!
A ovelha negra tinha voltado, mas o meu regresso seria em grande estilo, mesmo que acidentalmente.
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Bom gente, desculpa a demora, mas eu enfrentei um problema pessoal e não tive como escrever. Esse capítulo foi curtinho, mas no próximo teremos surpresas.
Bianca chegou com tudo na cidade minha gente!
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