Capítulo 3
Depois de uma longa palestra sobre os cuidados que o senhor Nelson iria necessitar, eu fui conduzida até o leito em que o meu supracitado pai estava acomodado.
E para mim não foi surpresa nenhuma encontrá-lo discutindo com a enfermeira raquítica que estava lhe servindo a típica e deliciosa comida de hospital. A cena me lembrou muito aqueles programas da vida selvagem, onde um enorme crocodilo ataca uma indefesa criaturinha que estava apenas bebendo água na beira do lago.
– Eu quero comida de verdade e não essa lavagem! – a voz do meu pai retumbava no quarto e deixava a pobre enfermeira cada vez mais pálida.
– Senhor, essa é a sua dieta, não posso fazer nada.
– Isso porque você não passa de uma incompetente!
Agora a enfermeira além de branca como papel estava tremendo toda. E eu entendia completamente a reação dela. Eu já estive lá, com a mesma cara de prisioneiro na cadeira elétrica.
O gentilíssimo senhor Nelson tinha a aparência de um urso carrancudo, mas de certa forma simpático, isso até ele abrir a boca e toda a sua personalidade ríspida ser apresentada ao mundo. Eu costumo imaginar que meu pai é como aquelas plantas carnívoras que enfeitiçam sua presa até ser tarde demais.
– Isso foi suficiente! – a voz da doutora Salles foi o bastante para parar a minha imaginação e a cena na nossa frente.
– Finalmente alguém para fazer as coisas direito nesse lugar! – assim que os olhos do meu pai caíram em cima de mim, foi a vez dele de ficar pálido e estático. – O que você está fazendo aqui?
– Vamos deixar o reencontro para depois Senhor Yamazaki. – a doutora havia abandonado seu lado impessoal e aderido ao papel de médica mal humorada. – Vou esclarecer umas coisinhas por aqui. Primeiro você é o paciente e deve respeitar a minha equipe, e isso incluí a Barbara aqui. Então, peça desculpas pelo jeito rude com que o senhor a tratou.
Minha vontade era rir, desatar uma dessas gargalhadas que te fazem passar vergonha em público. E o motivo era bem simples, alguém estava botando o meu velho no seu lugar, ou como diriam, abaixando a crista do galo de briga. E pela cara de espanto dele, nem mesmo o meu pai estava acreditando nisso.
– Vai demorar muito senhor? Eu tenho outros pacientes para visitar. – para enfatizar seu ponto, Luiza Salles olhou para o relógio em seu pulso.
– Mas... Mas isso é um absurdo! Um completo disparate! Quem você pensa que é minha senhora? – e lá se foi o estado estático da fera conhecida como meu pai.
– Alto lá, que sua senhora eu nunca serei! Aqui eu sou a responsável pela sua saúde e espero que isso responda sua pergunta, meu caro paciente.
A enfermeira, Barbara, começou a se afastar da cena de maneira discreta, com um passinho atrás do outro, mas acabou estacionando ao meu lado.
– Isso vai ser um duelo de titãs. – ela cochichou para mim.
– Só vai faltar um balde de pipoca! – devolvi no mesmo tom.
– Pergunta respondida, doutora. Mas isso não diminui a minha insatisfação com sua equipe. – o barulho das máquinas era a única coisa que intervia na calorosa interação entre os dois.
– Então, que bom que estamos aqui para trabalhar e não te satisfazer. – o rosto da médica estava ficando afogueado.
- Um trabalho bem meia boca pelo visto!
– Bom, o senhor ainda está vivo, então, realmente deve ser um trabalho meia boca mesmo! – o som do bip bip do aparelho se tornou mais intenso e isso salvou o meu pai de ser incinerado pelo olhar de Luiza Salles. – Isso não me agrada...
– Que bom que não estou aqui para te agradar então, doutora.
– A única coisa que me interessa aqui é o seu coração, senhor. – a médica passou a observar as máquinas e alguns papéis que ela carregava. – Barbara, precisamos desacelerar esse ritmo, aplique um relaxante e vamos deixá-lo em observação por um tempo. A cirurgia foi complicada e eu não quero que o enxerto se rompa.
Rapidamente as coisas ficaram agitadas no pequeno quarto em que meu pai estava instalado. Não posso negar que fiquei preocupada com toda essa movimentação e termos médicos. O homem era uma pessoa difícil, mas ainda era o meu pai.
A primeira a sair do recinto foi a enfermeira, levando consigo a bandeja da discórdia, com a sopa aguada e sem sabor. Logo depois a médica me arrastou para o lado de fora do quarto com uma cara séria demais para o meu gosto.
– Bianca, antes de tudo eu preciso te dizer uma coisa. Que homem insuportável é esse? Ainda bem que ele estava inconsciente na minha mesa, porque senão eu poderia muito bem quebrar o meu juramento! – ela fez uma varredura ao nosso redor. – Eu nunca disse isso, ok? Bom, seu pai ficou um pouco alterado lá dentro e isso precisa ser monitorado. Por enquanto ele estará calminho, mas, por favor, não o deixe agitado. Vou mantê-lo por mais alguns dias aqui no hospital para assegurar as coisas.
Ela abriu a porta para mim e começou a se afastar pelo corredor, carregando seus papéis e a pose de médica séria, mas antes de desaparecer completamente das minhas vistas a ouvi gritar um "Boa Sorte".
E eu não tinha outra opção além de enfrentar o leão feroz na cama. Bom, pelo menos no interior ele ainda era o leão, pois o vendo agora, deitado naquele espaço estéril e sem graça, ele parecia mais um gatinho indefeso. Um gatinho indefeso na chuva. E eu estou falando daqueles filhotinhos fofos. Mas eu sabia que se ousasse dizer isso em voz alta seria pior que mexer em uma colmeia com mel espalhado pelo corpo.
Assim que entrei no quarto, pensei que o senhor Nelson estivesse dormindo, como consequência do sossega leão da médica, e logo fui me ajeitar na poltrona ao lado da maca. Isso é se eu pudesse chamar aquela coisa desconfortável de poltrona, mas viajar era cansativo e interromper minha rotina de preguiça me deixou exausta. Era ali mesmo onde eu iria amarrar o meu burro.
– E a filha pródiga retorna. – eu estava fechando os olhos para uma sesta, quando a voz grogue do meu pai me fez saltar até Marte.
– Vai assustar a mãe!
– Cadê a educação que eu te dei garota!? – sua voz estava grogue, portanto sua chamada de atenção não foi muito convicta.
– Ficou em casa junto com o seu bom humor.
Ficamos medindo olhares por um longo momento, um hábito antigo, apenas para ver quem desviaria primeiro o olhar ou começaria a falar. É claro que eu com a minha impaciência de sempre, perdia, coisa que não foi diferente nesse caso.
– E então, como o senhor se sente?
Fazia um bom tempo que eu não o via, mas Nelson Yamazaki sempre manteve a forma corpulenta e o olhar escuro, contudo, agora eu podia identificar mais linhas de expressão pontilhando sua face, bem como cabelos grisalhos surgindo em sua cabeça. Aparentemente o tempo havia passado para o meu velho. E acima de tudo ele parecia cansado.
– Como se tivessem aberto o meu peito.
– E devem ter esquecido alguma coisa aí dentro, porque você quase fez uma piada! – eu tentei soar sarcástica, como nos velhos tempos, mas perceber que meu pai passou por um mal bocado me fez recuar na atitude agressiva.
– Algumas coisas não mudam mesmo. Você continua petulante como sempre, Bianca.
– E você continua ranzinza como sempre, pai. – me sentei na poltrona desconfortável. – Mas e então, o que aconteceu?
– Você não parece muito interessada, quer mesmo que eu conte?
A cama parecia desconfortável, ou com pulga, pois ele não parava de se remexer nos lençóis brancos. Nem eu estava contente com a minha posição, por isso, apoiei meus pés na cama do paciente e me estiquei no mais clássico estilo de pessoa folgada e preguiçosa, bem do jeitinho que meu pai odeia.
– Temos muito tempo e posso apostar que não tem TV a cabo, então desembucha velhinho.
– Como assim temos muito tempo? – parecia até que eu tinha dito que o mundo iria acabar, pela expressão que ele me deu.
– Pelo o que me disseram o senhor tem um coração aí dentro e ele não anda muito bem, então, vai ficar aqui em observação.
– Isso não pode acontecer! De jeito nenhum! – e lá estava ele, esbravejando mais uma vez.
– Por quê? Deixou o ferro ligado? A panela no fogão?
– Eu tenho uma empresa para dirigir! Aquela que pagou seu sustento, você de lembra dela Bianca? – veneno escorria em cada palavra dele, pelo menos era o parecia para mim.
– Lembro, claro que me lembro, como posso me esquecer da sua menina dos olhos? Mas, eu garanto que com todos os seus funcionários ela ainda estará viva e no mesmo lugar.
– Com quem você aprendeu a ser tão desaforada assim? – seus olhos estavam ficando pesados ou ele apenas queria se livrar de mim.
– Com a vida Seu Nelson. Mas, nem adianta ficar querendo fugir do assunto, me diz, como é que você veio parar no hospital?
– Acho que isso é óbvio Bianca! – meu pai começou a ficar encabulado, com uma leve coloração rosada no rosto. E até mesmo passou a olhar para o outro lado do quarto.
– AI MINHA NOSSA! Pai! Não vai me dizer que seu coração teve um piripaque enquanto você estava no rala e rola com uma mulher!
Só a imagem, por mais bizarra e enjoativa que fosse, do meu pai certinho e rabugento nessa situação me fez rir como uma louca.
– Bianca Fernandes Yamazaki! Mais respeito, que eu ainda sou o seu pai! – acho que tinha irritado a fera.
– Ah qual é pai! Eu não acredito mais em cegonhas! Só me diz que a mulher não era uma dessas novinhas, que madrasta mais nova do que eu vai dar B.O.
Eu estava limpando as lágrimas derivadas da minha crise de risos, quando a porta do quarto se abriu e a enfermeira de antes entrou com uma nova bandeja. Dessa vez, ela trouxe chá e biscoitos.
– Com licença, a Doutora Salles pediu para que eu trouxesse isso. Ela recomenda que o paciente não fique sem comer por muito mais tempo.
A coitada da enfermeira, Barbara, entrou no quarto como se fosse o corredor da morte, andando na ponta dos pés e tudo o mais.
– Pode entrar, ele não vai morder. Só rugir um pouco, mas leão velho é manso.
Meu comentário arrancou uma risada nervosa da moça e um olhar mortal do meu papai. Mas, eu só falei isso, pois como regra geral dos pais, a bronca é guardada para quando as visitas forem embora. Por isso, depois da ligeira provocação eu precisava sair de perto do meu velho leão.
– Será que você poderia ficar com ele um minutinho? Eu preciso fazer uma ligação.
E com essa grande desculpa esfarrapada, eu saí do quarto sem nem mesmo ouvir a resposta da enfermeira ou ver seu olhar de súplica por ficar sozinha com o meu pai. Os céus que me perdoem, mas se eu quisesse ouvir sermão teria ido à uma igreja. De qualquer forma, eu precisava ligar para o meu irmão.
Já estava até com pena da minha orelha, que seria alugada por horas e sem nenhuma remuneração.
><><><><><><
Gente, desculpa pela demora, a internet já não é mais como antes... Mas, enfim, o que vocês estão achando?
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro