Heric Von Brandeburg, o Chefe
Heric Von Brandeburg desejava, sim, a felicidade das filhas, quase mais que qualquer outra coisa no mundo. Afinal, aquelas três eram suas joias raras, que ele tinha polido cuidadosamente, e daria todos os tesouros que tinha acumulado em suas gloriosas batalhas em troca da segurança e do bem-estar das meninas, se necessário fosse.
Acontece que Heric também, e acima de tudo, era um chefe. Por imposição do destino, a felicidade de sua própria família não era a única com que ele precisava se preocupar.
(A solenidade dessa reflexão o seduzia imensamente).
Tudo teria sido mais fácil, claro, se ele houvesse sido agraciado com um guerreirinho. Então poderia dar a educação que desejava à criança e moldar seu caráter desde cedo, para que, quando viesse a assumir o governo da aldeia, o filho se revelasse digno da poderosa linhagem dos Brandeburg e apto a manter suas tradições.
Mas, como tudo na vida de Heric, o Grande, era repleto de desafios, não foi diferente nesse quesito. Na primeira gravidez de Ondina, uma filha; na segunda, duas filhas, e então tinha havido uma complicação qualquer no parto, e ela não pudera mais conceber depois disso. Alguns parentes aconselharam-no a repudiá-la e se casar com outra, para garantir o filho homem, mas Heric amava sua pequena Ondina até a loucura, e o pescoço de quem fez a sugestão pairou na mira de um machado por um bom momento, até o chefe se controlar.
Graças a tal inconveniente, o trono da aldeia estava agora sujeito às arbitrariedades de qualquer rapaz estranho, não educado nos rígidos moldes dos Brandeburg, que viria a ser o genro do grande Heric.
O máximo que o Chefe podia fazer era tentar minimizar os impactos.
Seus olhos estavam atentos aos movimentos das suas filhas e dos pirralhos que se aproximavam. E dos seus pais também, porque a disputa era muito mais séria do que aqueles jogos de cortejo dos moços normalmente são. Tratava-se de definir qual o próximo clã que iria dominar. Quem ligava para a vontade dos adolescentes em idade núbil quando o interesse maior da linhagem e os poderes da dinastia estavam em questão?
Bom, aparentemente os próprios adolescentes ligavam.
Skidbladnir não era uma opção tão ruim. Se lhe perguntassem, Heric certamente não teria escolhido alguém desse clã, pois sua dedicação era meio dúbia. Estavam sempre com os pés na terra, mas o coração no mar. Capaz de inventarem de transformar a aldeia num bando de vikings e levar todo mundo para sair velejando. Não era um destino tão ruim, mas Heric preferia que as coisas fossem conservadas como estavam, do modo como ele e seus antepassados se esforçaram tanto para estruturar.
O menino Wotan em si não era dos mais simpáticos, também, mas era tolerável. Se ia fazer Berna feliz – os gostos dela eram realmente estranhos – Heric até podia concordar com a união, e tentar tirar um homem decente daquele fanfarrão nos anos que lhe restassem de vida.
Foi quando os Skidbladnir se decidiram pelo mar, no fim das contas, o loirinho foi-se embora, e o chefe assistiu, alarmado, a opção seguinte da primogênita recair progressivamente sobre aquela peste do Tristan Von Trüppendorf.
Como isso tinha acontecido? Onde ele estava que não tinha prevenido isso? Heric suspirava profundamente, considerando, com culpa, que deviam estar certos os que o criticavam por dar liberdade demais às filhas. Tinha sido relapso de uma maneira imperdoável, porque, pelo andar da carroça quando Heric se deu conta, o Trüppendorf lhe roubaria irremediavelmente alguma das três.
Se fosse outro Trüppendorf, quase qualquer dos primos dele, tudo bem. Eles eram um dos clãs mais antigos da aldeia. Mas justo o Gaulês? Justo o que tinha a mãe sequestrada? O pai, naturalmente, já era um desmiolado; como poderia educar bem o filho, então? Os efeitos deletérios dessa mistura de raças se evidenciavam no comportamento do rapaz. Ele até tinha suas qualidades; era corajoso, trabalhador, lutava bem. Mas também era terrivelmente insolente.
Heric odiava insolência mais que tudo no mundo. O que seria de uma sociedade sem o respeito à hierarquia? Vergonha, declínio e ruína. Sua amada aldeia não podia se sujeitar a um sujeitinho que não compreendia esse bê-a-bá.
Quando o pai tentava consertar o estrago, viu o golpe ricochetear em sua própria direção: trouxe um sólido Donnerstag para pretendente da filha mais velha, e viu o descarado espichar os olhos para a mais nova. Que falta de consideração, que falta de respeito para com os mais velhos, para com a deferência do próprio Chefe, que comportamento indigno de um Donnerstag tradicional!
E Kyrah... Kyrah ainda o estimulava!
Argh, por que não era Una a mais velha?! A feminina Una, tão teimosa e temperamental como as irmãs, mas mais aberta a se apaixonar. Seria tudo tão mais fácil.
Bom, no fim das contas, Heric era o chefe daquela aldeia e daquela família, e faria todos se curvarem à sua vontade por bem ou por mal. Na base da conversa ou do castigo, ou até da machadada – nos rapazes – se fosse necessário. Daria seu sangue para organizar as coisas a contento, e nem por cima de seu cadáver entregaria aquele povo amado a uma liderança pouco confiável, pois, se tivesse oportunidade, voltaria para puxar o pé de quem o contrariasse.
Naquela Aldeia, sua palavra era lei, e só uma coisa tinha mais poder do que ele, na opinião do próprio Heric: o destino. Heric acreditava piamente no destino e tinha consciência de sua impotência diante do imprevisível.
Se o destino decidisse diferente... se o destino, ou Quem quer que o controlava, moldasse o futuro de maneira diversa,atropelando o próprio Chefe no caminho... porque ele lutaria contra, lutaria pela consumação de sua própria vontade!... Bem, se o destino o contrariasse irreversivelmente, Heric Von Brandeburg desejava apenas, de todo o coração, que suas filhas fossem felizes, e que a aldeia se perpetuasse - mudada, talvez, mas viva, como uma fênix que renasce das cinzas de sua própria transformação.
FIM
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