Beowulf Donnerstag
Beowulf até que queria ser chefe. O problema eram as circunstâncias. Coisas meio inevitáveis, tipo a ordem de nascimento das filhas do chefe Heric Von Brandeburg.
Será que custava tanto ao chefe ter feito as gêmeas primeiro? Olha só para elas, a Berna nem tinha a pose, a majestade de uma rainha, como a Kyrah. Que belo par eles fariam! Beowulf, o protótipo do guerreiro bárbaro, e Kyrah, a perfeita princesa nórdica. Imagine-se que filhos maravilhosos não sairiam dali! Para quê estragar aquela família hipotética colocando aquela maluquete sem sal da Berna no meio?
O Urso Raivoso bufava e dava com o machado na superfície sólida que estivesse mais próxima, para obliterar a frustração, sempre que pensava nisso. E, como ele não mantinha muitas ideias na cabeça ao mesmo tempo, aquela voltava com bastante frequência.
Mossas profundas começaram a surgir misteriosamente pelas paredes da aldeia.
"É a tradição", dissera o Donnerstag pai, encolhendo os ombros, na única vez em que o filho ousou se queixar com ele sobre aquela injustiça do destino. O Urso respeitava a tradição – era um dos pilares daquela sociedade – e, com o coração nos pés, resignou-se a ter que escolher.
Até se dispôs, por breves momentos, a concordar com seus familiares, e desposar a primogênita Brandeburg. Mas cada vez que observava sua noiva em perspectiva, encontrava mais defeitos. Ar altivo. Temperamento do cão. Personalidade incompreensível, gostos estranhos. Sim, e ainda por cima ele ia ser galhudo, certamente; Beowulf não era especialmente observador, mas qualquer imbecil podia enxergar para onde caminhava aquela intimidade toda com o Gaulês.
E de repente Kyrah aparecia na varanda, flutuante em seus vestidos verdes, como um espírito da floresta. Sim, porque aos olhos apaixonados do Urso, ela sempre flutuava. Tratava-o com frieza, com desprezo, fingia ignorá-lo em favor do bardo magrelo... Mas ele sabia que eram apenas os jogos dela, os mesmos jogos que o levavam à loucura, que o faziam desejá-la ao ponto do delírio, querer conservá-la ao seu lado para toda a eternidade...
Diante dessa fada sinistra, quem era Berna, na fila do pão?
O Urso se decidiu. Kyrah era a prioridade de sua vida, e se tivesse que renunciar ao cargo de chefe e enfrentar a fúria do próprio clã por causa disso... bem, ele enfrentaria. Isso talvez o fizesse digno de afeto, aos olhos dela.
Ele só ia deixar aberta a possibilidade, a ínfima possibilidade, de que as outras duas não estivessem disponíveis, morressem, fugissem, fossem raptadas, ficassem loucas, ou por algum outro motivo não pudessem dar seguimento à tradição...
E, nesse caso, o trono passaria a Kyrah, e, nesse caso, os desejos do Urso se casariam, e, nesse caso, ele seria Chefe, ao lado de sua Rainha, e estaria plenamente realizado.
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