Capítulo 6
Johnny acordou sentindo a cabeça leve demais. Já fazia uma semana em que ele acordava sem ressaca, algo inédito de acontecer quando ele estava em terra firme. Nada de noitadas, bebedeira e principalmente nada de garotas, porque ele estava em quarentena.
Ele achava que devia ser considerado um crime federal impedir o mundo de sua ilustre presença, mas depois do fiasco que havia sido a missão espacial, ele era obrigado a ficar em constante monitoramento até que a equipe médica tivesse a certeza de que estava tudo bem.
Então ele e os outros ficavam em uma base que mais parecia um resort, claro que Victor estava bancando tudo aquilo. Cada um tinha seu próprio quarto, havia uma sala de jogos e uma vista maravilhosa para as montanhas cobertas de neve. Johnny estava louco para dar uma escapada e ir esquiar.
Sua rotina consistia em tomar café da manhã (bem melhor que a comida da nave), passear pelo resort, pensar em formas de escapar da prisão e ainda adormecer jogando o videogame que havia em seu quarto particular.
Como os exames e a observação era individual, ele só ouviu os médicos assegurando que todos estavam bem e que logo poderiam se ver. Foi depois de uma semana que ele encontrou Reed no almoço e ficou até aliviado por finalmente ver algum conhecido.
Ele passou pelas mesas até chegar na de Reed que ergueu o olhar para ele claramente aliviado também.
-Cara, eu achei que iriam me fazer de cobaia. Estava começando a ficar preocupado. -Johnny disse puxando uma cadeira para ele se sentar ao lado de Reed e pegou uma batata frita do prato dele.
-Eles precisavam ter certeza de que seria seguro. -Reed disse e Johnny fez um gesto para ele parar, havia escutado aquela porcaria todo dia. -Como está se sentindo?!
-Péssimo, sem liberdade. Quero ir esquiar.
-Não, Johnny! Depois do acidente...
-Ah, nunca estive melhor. -Ele disse piscando um dos olhos para Reed. -Mas esse lugar é terrivelmente quente, estou morrendo de calor. Um passeio nessas montanhas iria me refrescar! Quer ir comigo?!
Reed suspirou naquela pose de adulto responsável.
-Não podemos sair, Johnny!
-Acha que Adeline sairia para esquiar?!
-Adeline?! Claro que não...
-Claro que não. Ela é um pé no saco igual a você. -Johnny quase ficou constrangido consigo mesmo por ter pensado nela como primeira opção para uma companhia, mas a expressão de Reed o deixou curioso.
-Ela não iria, porquê não acordou ainda. -Reed completou.
-Faz uma semana desde voltamos e ela ainda não acordou?! -Johnny murmurou, um dos raros momentos em que deixou o tom brincalhão.
-Todos acordamos, Sue demorou um pouco mais. Mas estamos bem, nada fora do esperado... Mas... Addy... Johnny, eu acho que tem alguma coisa. -Ele murmurou estalando os dedos, era possível ver a culpa corroendo o cientista. -Se ela não se recuperar?! E se permanecer sequelas?! A NASA não aceitaria ela assim e esse trabalho é tudo para ela.
-Reed...
-Eu pedi acesso aos registros médicos, mas Victor está furioso e não permitiu que eu soubesse...
-Meu Deus, Reed! Não foi culpa sua. -Johnny passou a mão pelo cabelo curto, nunca foi bom em consolar outras pessoas. -Adeline sabia muito bem dos riscos e pelo que eu saiba, ela é a mais experiente de nós. Ela é tão forte como é chata, então ela vai aguentar, vai acordar e fazer o que faz de melhor: encher o meu saco.
Reed o olhou meio boquiaberto e Johnny se levantou roubando a última batata.
-Agora se me dá licença, eu vou planejar minha fuga para fora deste lugar.
E ele saiu antes que pudesse vacilar e demonstrar sua preocupação.
**
A manhã e boa parte da tarde já haviam passado e Johnny deixou o plano de escapar de lado e focou em outra coisa que ajudaria a acalmar a sua mente. Primeiro precisou convencer uma enfermeira bonita a lhe deixar espiar os registros de Rudolph.
"-Somos melhores amigos de infância e eu estou muito preocupado. Ela tem meio que uma quedinha por mim e eu vivo dizendo que nada vai rolar, mas ela é minha amiga e quero saber se ela está bem." -Johnny havia dito naquele tom de voz que dizia algo doce mas os olhos pareciam intensos demais e ele sabia que ia dar certo.
A enfermeira havia deixado ele olhar na pasta por alguns segundos. Johnny achava engraçado como as pessoas não esperavam que ele também fosse um gênio, suspeitava que seus olhos eram tão lindos que fizessem as pessoas esquecer que ele era um garoto prodígio. Tinha sido expulso do programa da NASA? Sim, maaas... Havia sido aceito e havia sido convocado para ser o piloto do projeto de Reed.
Johnny tinha suas habilidades e uma delas era a memória fotográfica. Graças a isso ele tinha as melhores notas sem precisar estudar e assim usava o resto do seu tempo para curtir. Coisa que deixava sua irmã Susan abismada, já que ela sempre foi a gêmea nerd.
Ao olhar os registros de Rudolph, Johnny captou algumas informações breves como tipo sanguíneo, nenhuma doença crônica, alergia a castanhas e seu estado de inconsciência não apresentou melhoras.
-Ouvi o médico dizer que vão liberar as visitas esta noite para Dra. Rudolph. -Disse a enfermeira se aproximando demais de Johnny. A informação o deixou tão atônito que ele nem mesmo se importou em continuar o flerte.
Johnny passou os olhos brevemente pelo histórico familiar para ter uma pista de quem iria visitá-la. O campo de "nomes dos pais" estava vazio, as únicas informações eram "ascendência coreana e alemã comprovada por exames de DNA, pais desconhecidos". Mais abaixo havia o contato de pessoas mais próximas em caso de emergências, uma delas era Reed, a outra era o ex nojento do Tom Van Doom e por último estava o contato de Chloe.
Jhonny não entendeu porque somente essas pessoas estavam listadas. Rudolph podia ser irritante, mas mesmo assim ele esperava que ela tivesse outros amigos e quem sabe uma família. Ele se sentiu incomodado com a sensação de preocupação crescendo em seu peito, afinal Johnny Storm só se preocupava em curtir. E aquela situação estava longe de ser uma curtição.
-Obrigado, boneca. -Ele disse devolvendo a ficha para enfermeira e novamente se afastou para buscar algo que pudesse ajudar sua mente no momento.
E por que diabos estava tão calor?!
Ele murmurava para si enquanto andava pelo corredor da enfermaria. Aquele local deveria estar com o ar condicionado para que evitasse a proliferação de bactérias (sim, ele entendia dessas coisas também, e estava orgulhoso disso).
Entrou no quarto de Reed e o encontrou debruçado sobre uma pilha de anotações.
-Quais as flores preferidas da Rudolph? -Ele perguntou sabendo que Reed daria a resposta sem olhar para ele, sempre ficava distraído com o trabalho.
-Não sei, mas eu e Ben demos a ela violetas quando ela foi aprovada no programa da NASA. -Ele murmurou revirando a pilha e antes que ele pudesse perguntar o motivo, Johnny se apressou em sair do quarto.
Violetas, fazia sentido. Pensou Jhonny. Adeline não ia gostar de algo extravagante.
Ele não podia sair daquela prisão disfarçada de prédio/resort, mas ainda conseguia fazer encomendas.
O pequeno vaso de Violetas chegou logo no horário das visitas noturnas. A enfermeira que havia dado a ficha para Johnny mais cedo bateu na porta do seu quarto e entregou o vaso com violetas, ele tinha um laço prateado e um cartão para Johnny assinar.
As violetas eram roxas e o faziam lembrar de toda a imensidão do universo e suas nuvens nebulosas.
Ele escreveu no cartão uma coisa que Rudolph entenderia e orgulhoso de sua audácia saiu em direção ao quarto de Rudolph. Era no mesmo andar, porém a ala era grande e ele precisou atravessar o corredor.
Quando chegou no quarto encontrou uma equipe de três enfermeiras. Uma estava ajeitando a cortina, outra estava arrumando os cobertores de Adeline e a última estava organizando sobre a mesa do quarto três vasos de flores.
Ao redor do quarto haviam vários vasos de flores. Orquídeas, rosas de todas as cores, lírios, margaridas, todas espalhadas pelo local.
Johnny se aproximou da cama de Adeline e olhou para ela, fazia mais de uma semana desde que a vira pela última vez. Ela estava pálida, a respiração era tão fraca que seu peito mal parecia estar se movendo.
Ele colocou as violetas sobre a mesinha ao lado da cama e sentou na cadeira mais próxima de Adeline.
-Quem trouxe todas essas flores? -Ele perguntou para a enfermeira que colocava mais um cobertor sobre Rudolph.
-Tom Von Doom enviou todas elas. -Respondeu a enfermeira. Ela tocou o braço de Adeline para ajeitar o corpo dela sobre a cama e paralisou assim que encostou na pele dela.
A enfermeira tremeu e desmaiou, Johnny se levantou para ajudar mas as outras duas já haviam se aproximado e a seguraram.
-Está tudo bem? -Johnny perguntou surpreso.
-Sim, vamos levá-la para fora. A pressão deve ter caído. -Disse uma delas enquanto dava apoio para a outra caminhar para fora da sala. A enfermeira que estava sendo guiada parecia atordoada, prestes a desmaiar.
Johnny voltou a se sentar na cadeira e cruzou os braços sobre o peito encarando todas aquelas flores.
-Espero que você coloque fogo nelas. -Ele murmurou lembrando da cara de Tom.
Seus olhos azuis se voltaram para Adeline. Agora que não havia mais ninguém no quarto não precisava esconder a ruga de preocupação que se formava em sua testa toda vez que pensava nela.
Ele observou o rosto dela, parecia mais suave e corado do que alguns minutos atrás quando tinha entrado no quarto. A cor estava voltando aos seus lábios e até a respiração estava se tornando mais firme e ritmada.
Johnny encarou Adeline e se inclinou na direção dela. A pele estava deixando o tom pálido, ela mexeu os dedos da mãos sobre o cobertor. Ele se levantou subitamente animado, nervoso e desacreditado.
Por um instante não soube o que fazer, deveria sacudi-la?! Deveria dar um tapa pra ver se ela responderia?! Ela acordaria furiosa, seria engraçado. Mas o correto -e menos divertido- seria chamar o médico ele se virou na direção da porta e antes que conseguisse alcançar a maçaneta a voz dela soou pelo quarto.
-Para quê todas essas flores? -Ela estava rouca e cansada. -Parece um funeral.
Ele se virou novamente para ela que agora estava com os olhos piscando, ela passou a mão pelo cabelo escuro e liso.
-Estou muito cansada. Devo estar horrível. -Ela murmurou com a voz quase sumindo.
-Está mesmo. -Ele mentiu. Ele de fato gostava de como o cabelo dela deslizava pelo seu rosto e destacava seus olhos.
Ela o encarou com aquele severo.
-O que você está aprontando? Por quê está no meu quarto, Storm?
-Eu estava entediado e faz uma semana que você está assim. -Ele voltou a se sentar na cadeira com o sorriso brincalhão no rosto escondendo seu alívio.
-Uma semana?! -Adeline repetiu com um suspiro cansado. -Minha nossa, eu me sinto horrível.
Ela virou o rosto para ele e seus olhos viram o vaso de violetas na mesinha.
-Eu gostei dessas. -Ela disse e levantou a mão em direção ao vaso, mas o movimento era fraco e descoordenado. Johnny segurou o vaso orgulhoso e o colocou no colo dela.
Adeline pegou o cartão com dificuldade e leu a mensagem nele.
"Espero que você melhore para lembrar pra sempre que deveríamos ter dado uns amassos no espaço".
Rudolph bufou.
-Cai fora do meu quarto, Storm! -Ela murmurou.
Ele riu satisfeito.
-Você vai me obrigar?! Não consegue nem falar, Rudolph.
-Você é insuportável. -Ela murmurou irritada, mas as mãos continuavam a segurar o vaso mesmo assim. -É um calor terrível! Você é muito quente!
Johnny a olhou surpreso.
-Eu não esperava que você fosse admitir tão cedo que eu sou quente.
-Não, seu idiota. Você realmente está quente, como se fosse uma nuvem de calor ambulante. Eu consigo sentir.
Johnny revirou os olhos lembrando que havia desistido de esquiar só para estar ali.
-É esse lugar horroroso, parece uma sauna. -Ele reclamou e observou Adeline esticar a mão até ele.
-Acho que você está mal, com febre ou algo assim...
A mão dela alcançou a dele e algo no interior de Johnny sacudiu. Como se o cronometro de uma bomba tivesse chegado no zero e tudo fosse sair pelos ares.
Ele olhou Adeline nos olhos e foi ali que as chamas surgiram.
O quarto pegou fogo.
E não no sentido que Johnny usava para descrever suas noitadas. Era um incêndio real saindo de todo o corpo de Johnny, passando por Adeline como um imenso catalisador e atingindo as paredes do quarto.
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