Capítulo I - Fins e inícios
Era a décima vez que olhava triunfante o e-mail que favoritei na tela do laptop.
E eu não acreditaria nele se em cima do teclado não estivesse minha passagem aérea indicando que sim, aquilo era real e que eu tinha um avião para pegar dali a duas horas.
Era algo tão surreal que eu estava encantada. Depois de cinco longos anos de graduação mais um e meio de especialização na faculdade, eu havia sido contratada pela minha competência no estágio para um serviço na Irlanda.
A empresa em que estagiei aqui no Brasil era uma multinacional com matriz lá, e estava me chamando para planejar e acompanhar a construção de um Museu!
Foi ela inclusive que bancou a passagem e também vai bancar meu primeiro mês de estadia até eu começar a receber meus pagamentos, além de terem resolvido toda a burocracia pro visto de trabalho.
Eu só tinha que ir.
Dei uma última olhada em meu apartamento. Era alugado e já estava vazio, minhas coisas foram mandadas pra casa de meus pais onde ficariam guardadas até serem eliminadas em uma venda de garagem. Não iria precisar mais delas.
Apenas aquilo que era de meu uso pessoal estava indo comigo em minhas malas. Uma última olhada no espelho do banheiro e ouvi o telefone chamar dentro da bolsa:
- Alô?
- Oi Becca! Me desculpe não estar indo no aeroporto me despedir é que estou atolada de trabalho aqui na empresa e meu chefe não deixou eu sair.
- Tudo bem Sarah não tem problema. - respondi risonha da voz desesperada do outro lado da linha.
- Claro que tem problema! Minha melhor amiga está indo pro exterior e eu não vou poder nem dar um último abraço! Mas óh, arrasa naquela gringa Senhorita Rebecca, tudo de bom pra você viu! Te amo.
- Obrigada Sarah, também te amo muito e vê se atende minhas chamadas de vídeo!
- É claro que vou atender quem tem que se lembrar das pobres mortais aqui no Brasil é você quando ficar famosa. - acabamos por rir as duas - Agora tenho que ir, passei tempo demais no banheiro já, daqui a pouco me descobrem.
- Você se escondeu no banheiro pra falar comigo?
- Óbvio que sim! Era minha obrigação te fazer essa ligação agora deixa eu voltar pro serviço que eu ainda moro no Brasil e os impostos são absurdos. - respondeu fazendo graça.
- Também tenho que descer o uber já deve estar chegando. Tchau Sarah, fica bem.
- Tchau e fica bem também. - Desliguei o aparelho e fui em direção à porta.
Desde que sai pra morar sozinha eu havia ficado naquele apê. Foram tantos anos cheios de histórias que vivi ali que eu podia ver em frente aos meus olhos tudo que passei.
As noites em claro fazendo trabalho, as maratonas de série em frente a TV, minhas tentativas desastrosas na cozinha - uma delas quase incendiou o apartamento -, as pessoas que levei ali ou as vezes que cheguei exausta das festas de República.
Apesar de tudo havia sido um período lindo da minha vida, e foi com aquele pensamento que fechei a porta do apartamento e passei a chave com um último suspiro. Era hora de fazer novas lembranças.
Dentro de meia hora depois eu caminhava pelo Aeroporto de Belo Horizonte. Estava esperando anunciarem o vôo quando meus pais surgiram e se aproximaram de mim.
- Rebecca!
- Mãe! - me abraçou apertado - que bom que vieram.
- Tínhamos que nos despedir direito filha - Meu pai me respondeu e me abraçou também.
- Um churrasco no domingo não foi suficiente? - coloquei as mãos na cintura.
- Claro que não, tanta gente pra falar com você que tivemos que te dividir demais. - mamãe respondeu.
- Ah gente desculpem por aquilo.
- Não foi culpa sua Becca nós que convidamos aquela parentada toda. Mas deixemos isso de lado, como você está querida? - sentamos todos.
- Estou ótima como mais poderia estar? Vou sentir muitas saudades de tudo, de vocês, dos meus amigos, mas é um sonho se realizando.
- Tudo que mais queríamos era ver você assim minha filha. Com um diploma em mãos e ganhando mundo. - mamãe passou o dorso da mão em meu rosto.
- Eu realizo isso por vocês também. Vocês lutaram tanto para que eu tivesse estudo, eu não podia falhar.
Meu pai trabalhava como porteiro e minha mãe era doceira, os dois passaram poucas e boas pra conseguirem me dar a vida melhor possível dentro das nossas condições. Minha mãe nunca sequer saiu do estado, já meu pai tivera uma experiência quando moço trabalhando de motorista para um empresário, como era de muita confiança dele chegou a viajar com o patrão pra Irlanda. Era até engraçado eu estar indo também e de mesma forma: a trabalho.
Depois de mais uns minutos de conversas saudosas a voz eletrônica chamou meu vôo.
- Vai minha filha. Brilhe na Ilha Esmeralda como a joia que você é.
Abracei-os uma última vez
- E vocês Dona Márcia e Seu Antônio se cuidem ok? Amo muito vocês.
- Nós também te amamos filha. - responderam em uníssono.
Com uma última olhada no casal que eu tanto gostava, segui para para meu destino.
Uma notificação piscou na tela do telefone. Pela barra dava pra ler:
"Espero que se dê bem no estrangeiro e que valha a pena ter acabado com tudo 💔"
Uma das coisas que mais detesto é gente egoísta.
Quem havia mandado a mensagem era Guilherme, meu ex. Éramos um casal mais por conveniência que por amor e como eu já havia me acostumado a situação acabei levando pra frente.
Quando contei sobre a proposta de emprego e que eu iria aceitar ele surtou. Entramos em uma DR horrenda e terminamos com ele me acusando de deixá-lo daquela forma depois de tudo que passamos juntos.
Resumo: Um belo show melodramático cheio de discurso piegas, simplesmente porque ele não era capaz de se por no meu lugar e ver que se tratava dos meus sonhos, por que queria se manter naquela situação confortável mesmo que em detrimento da minha felicidade.
Depois que terminamos ele simplesmente sumiu e agora veio se vitimizar outra vez. Sem responder apenas o bloqueei antes do avião decolar.
Agora todas as pendências estavam resolvidas e eu poderia embarcar de vez em novas aventuras.
Eu estava em um lugar escuro.
No lugar escuro.
Suspirei trêmula já sabendo o que viria em seguida. Era um episódio recorrente que não importa onde eu estivesse voltava pra me assombrar.
Conseguia ouvir os sussurros macabros que passavam por meus ouvidos como uma brisa que corta rápida e arrepia o cerne da alma, tão profundo que arranha a superfície dos ossos e os recantos mais sombrios da mente.
Pra qualquer direção era escuro, mas não um vazio.
Não
Com uma tênue semivisão que captava apenas o contorno das coisas era possivel ver recortes montanhosos ao longe como vultos a dobrar-se sobre o mundo.
Era um escuro repleto de coisas que eu não podia ver, mas que eu podia sentir e apesar de não saber o que era eu sentia a presença maligna, a presença sinistra que me fazia beirar ao desespero simplesmente por estar ali, era um escuro repleto de medo que fazia eu me sentir pequena e incapaz, um escuro que me fazia querer sentar e chorar abraçada as minhas próprias pernas.
Mas se eu fizesse isso, eles me pegavam. Eles queriam que eu me rendesse ao medo e se eu o fizesse assim como já fiz da primeira vez, eu seria arrastada pelas garras sombrias até os confins do mais aterrador dos escuros e seria torturada até a beirar a insanidade.
Então só me bastava correr.
Apesar do relevo distante em minha frente abria-se um amontoado de árvores que mais pareciam um borrão para meus olhos, seus desenhos retorcidos contra o véu sombriamente cinza pareciam mover para me pegar, obrigando-me a abaixar e esquivar a todo instante.
Meus pés arrastavam e tropeçavam ora no nada ora em coisas que preferia não saber o que eram, minha pele era rasgada em sulcos profundos por mãos invisíveis e galhos espinhosos que ardiam e me faziam gritar. Meu rosto pingava sangue de cortes que surgiam e meus dedos manchavam meu rosto na tentativa de limpá-lo.
Eu corria cada vez mais arfando e suando, os sussurros mórbidos tentando me enlouquecer e eles estavam conseguindo, eu batia na leteral da minha cabeça e abria e fechava os olhos tentando em vão dissipar aquelas vozes que me perseguiam, várias correntes de ar gelado atravessavam meu corpo e eu gritava mais e mais alto eu sentia meu corpo febril e debilitado e minhas narinas ardiam com a expiração quente contrastando com o suor gelado.
Então meus pés afundaram em algo aquoso que eu não conseguia ver, e eu fui jogada em um mergulho forçado onde me debati em frenesi em um líquido denso até emergir e conseguir respirar.
Nessa parte eu tentava nadar, mas não conseguia. Paredes lisas eram erguidas sem aviso ao meu redor e pelo tato notava uma estrutura circular.
As vozes param.
Um silêncio gutural preenche o ambiente, um silêncio podre e consistente.
Aquele líquido no qual eu ainda me encontrava era espesso e exalava um odor fétido que queimava a medida que entrava pelas narinas.
Entre meus dedos algo viscoso se entrelaçava. A medida que eu me movia naquele poço meu corpo ia passando por entre várias coisas que boiavam ao meu redor.
Do desespero passava a tensão.
Á tensão de um escuro morto. Um escuro sórdido. Um escuro obsceno de tão pútrido.
E era ali que começava.
Rompendo o terror o gralhar de milhões de aves negras surgiam em um ensurdecedor clarão avermelhado vindo de cima. A rubra luz atingia o poço em que eu estava e eu finalmente conseguia ver.
Um grito vindo do abismo do meu espírito desesperado ecoou em meio ao gralhar dos corvos quando vi que me encontrava em uma piscina sangrenta de fluídos humanos e vísceras dilaceradas que boiavam junto de crânios e órgãos repulsivamente se decompondo.
E o gralhar aumentava e aumentava
E eu gritava e gritava...
Gralhava...
Gritava...
Gralhava...
Gritava...
Gralhava.
Hello corvinos! E ai o que acharam do primeiro capítulo? Espero que tenham gostado deixa o feedback com o que você achou ai nos coments.
Até a próxima!
Grande abraço,
Raven Blake.
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