Capítulo 8 - Erros Conceituais
MAIO
— Você tá de sacanagem com a minha cara? Sério, Marcela, isso é uma brincadeira? Porque não tem a menor graça.
A cabeça dela está baixa e a garota se arrepende mais uma vez de ter contado, mas não conseguia manter aquela mentira. Toda vez que Lucas falava sobre Daiana e o quanto estão cada vez mais próximos, ela sente seu coração mais pesado e nem entende direito o porquê. Provavelmente ciúmes de Lucas, porque ele nunca se dedicou tanto para conquistar uma garota. Marcela não consegue repetir o que acabou de dizer, então só o olha e espera que Lucas entenda que é verdade. Elas tinham se beijado na casa dele, em uma festa que ele planejou e no banheiro de seu quarto. Quanto mais Marcela pensa sobre isso, mais horrível fica.
— Qual é, foi só um beijo —Sérgio fala, com o pé em cima do skate.
— Só um beijo? — grita Lucas, Marcela se assusta. — Marcela, você beijou mesmo ela?
A garota mexe a cabeça positivamente e engole a saliva acumulada na boca. Dança de um pé para o outro e o garoto de boné vermelho para trás e um skate abaixo do braço direito continua a encarando com descrença.
— No mesmo dia que beijou meu irmão? — Lucas ainda fala alto. Ela ergue a cabeça. — Você é uma traíra. Duas vezes traíra e nem tem vergonha de assumir isso, fala alguma coisa!
— Lucas... desculpa. O Sérgio tá certo, foi só um beijo — argumenta.
— Se foi só um beijo, por que demorou tanto pra me falar? — Ela observava a respiração dele cada vez mais pesada. Lucas está tremendo.
Em mais de oito anos de amizade, Marcela e Lucas só brigaram de verdade duas vezes. Uma quando tinham nove anos e Lucas insistiu que queria levar Thiago, um garoto novato e baixo demais para o restante da sala da terceira série, para a primeira partida de RPG e Marcela disse que não queria desconhecidos em sua casa. No fim, o garoto nem queria ir à casa dela também. "Ela é estranha" argumentou. Lucas desistiu de tentar fazê-la ter mais amigos além dele na época.
A outra vez foi no ano passado, Lucas insistiu que eles deveriam fazer uma comemoração no final do nono ano, mas Marcela estava triste demais porque seu irmão iria embora e disse para Lucas parar de comemorar que seria o cara mais popular da escola. Poucas coisas deixam o rapaz de pele clara e poucos músculos tão bravo quanto tocar em seu ego. Marcela sabe bem disso, também por esse motivo não contou nada antes. Tocar no orgulho de Lucas é estragar sua amizade.
Marcela continua em silêncio, encara Sérgio em busca de ajuda, mas ele dá de ombros e espera uma resposta também.
— Eu não sabia como contar — responde ela, olhando de um rapaz para o outro. — Sabia que você ia reagir assim, achei que teria um momento ideal.
Ele joga seu skate no chão.
— Tchau — grita, subindo no skate e saindo em direção aos outros garotos que fazem manobras no decaimento oval da pista.
— Ele não vai mais falar comigo, não é? — pergunta para Sérgio.
— Eu nunca vi o Tadeu assim — responde ele. — Dá um tempo, você fez merda mesmo. — E saiu no skate, deixando-a parada encarando Lucas andando ferozmente na tentativa de amenizar a raiva.
Marcela já tinha visto Lucas assim. Quando Igor o humilhou publicamente anos atrás. Os garotos sempre têm brigas públicas, na escola ou fora dela. A luta de egos é estrondosa e metade dos palavrões que Marcela aprendeu foi com elas. Mas, quando Igor jogou na cara de Lucas que a mãe deles quis abortá-lo e não conseguiu, o garoto ficou com tanta raiva que quebrou um dedo no rosto do irmão mais velho. Desde essa época a relação deles nunca voltou ao normal. Ela está com medo da raiva que viu nos olhos de Lucas em direção a si e teme que tenha abalado a relação deles a ponto de Lucas nunca mais voltar a falar com ela.
Sair da visão de Lucas parece ser a melhor coisa a fazer mesmo. Ela tira o celular do bolso e apaga o contato dele, assim como suas mensagens para não se sentir tentada a pedindo perdão. Sai do grupo que ela mesma criou e depois bloqueia o celular. Seus olhos estão cheios de lágrimas, Marcela os limpa com as mãos frias e deixa pra chorar casa.
Queria que Carlos já estivesse no Brasil. Precisa do abraço de irmão.
— Você saiu do grupo? — pergunta Daiana, ela acaba de ligar. — O que tá acontecendo?
A garota respira fundo, sabe que se tentar falar sua voz sairá falhada. Não quer descontar nada na garota de olhos quentes. Não seria justo, Marcela sabe. Não era pra nada disso acontecer, pensa. Talvez seja mesmo culpa dela. Ela me beijou. Daiana começou tudo isso.
Balança a cabeça negativamente, exige que a razão retorne ao seu corpo. Sabe que a culpa é sua, ela não deveria ter escondido de Lucas aquele beijo. Deveria ter contado no mesmo dia, no instante que atravessou aquela porta.
Deixa de escutar o som alto que antes emanava dos skates e olha para trás, todos os garotos pararam de andar, menos Lucas. A dúzia de pessoas olham para cima e Marcela faz o mesmo no momento que uma gota de água pinga no seu nariz. Ela se esqueceu da ligação e encara o celular com o nome da garota – não tão novata assim – leva o aparelho novamente ao seu ouvido e fala:
— Não foi nada, só dando um tempo. — Antes que a outra pudesse responder, desliga, guarda o celular no bolso e começa a andar com as duas mãos dentro do casaco azul.
Marcela descobriu coisas novas esse ano, mas a mais importante para ela e que tinha conhecido tantos anos atrás parece ter acabado: sua amizade com Lucas.
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