Capítulo 23 - Julieta e Julieta
Veio aí! Como já disse no comecinho, eu fico feliz DEMAIS com vocês interagindo com essa história. Como forma de demonstrar isso, segurem mais um capítulo. Beijosss <3
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NOVEMBRO
Marcela ficou por muito tempo pensando sobre como relacionamentos são ou devem ser e não chegou a nenhuma conclusão. Afinal, são formados por pessoas diferentes e assim como se deve esperar que sejam a mesma coisa? O único padrão que encontrou em bons namoros foi sinceridade. Algo bem simples e que transforma a ponte bamba em um local seguro.
Isso foi no mês passado. Agora ela está concentrada no melhor dia do ano, que acaba de chegar. Não tem nada a ver com ser o aniversário de Marcela, que é perto do Natal e ela gosta, mas em novembro sempre acontecem as apresentações finais do teatro, dança e canto.
Todo novembro a mesma coisa desde o quarto ano do fundamental: uma peça e Lucas montado como algum personagem. No começo era sempre uma planta, animal ou secundário quase sem falas, mas desde o oitavo ano ele é a estrela. A popularidade de Lucas está muito vinculada ao fato de que todos pensam que ele será um ator famoso algum dia, e querem contar que o beijaram antes da fama. Marcela, principalmente, vai amar falar que é melhor amiga de ator bem rico.
— Lucas está chamando mais atenção do que nunca dentro da roupa de futuro defunto. — Sérgio acaba de se sentar na segunda fileira, à direita de Marcela. Eles chegaram quase duas horas antes do espetáculo começar, já que Lucas sempre precisa de um apoio moral dos melhores amigos.
— Pode não falar de mim como se eu não estivesse aqui? — Lucas está vestido de Romeu, com um chapéu bonito e pó no rosto. Seus joelhos sobre a cadeira de estofado vinho da primeira fileira e ele encara os três amigos, únicos presentes que não fazem parte da organização.
O palco não é tão grande e na plateia cabe menos de quarenta pessoas, o que o deixa menos aflito, ao mesmo tempo que sabe que as pessoas ali lutaram com afinco por seus ingressos e isso os deixam com uma tolerância baixa para uma peça ruim.
— Sua Julieta chegou — sussurra Giulia, risonha. Sua está boca pintada de azul e isso faz Marcela se sentir levemente envergonhada pela atenção que a amiga vai chamar, além de cabelo rosa.
Todos olham ao mesmo tempo para Thais. Suas bochechas gordas estão rosadas e o vestido a deixa mais bonita do que Marcela acha normal. Desde o início do ano Thais veio se tornando menos rival de Marcela a ponto de ela não conseguir ver algo para criticar na Julieta. Lucas respira fundo e fala:
— Bom, ensaiamos o ano inteiro juntos, vocês só precisam a aguentar por duas horas — sorri e Marcela sussurra palavras que ninguém entende por saírem baixas demais, mas foi mais em defesa do que contra Thais. — Contando vocês, meus pais, seus pais — aponta para Marcela. — Seus pais. — Aponta para Sérgio. — Igor e Daiana, só preciso me preocupar com outras vinte e nove pessoas me vendo beijar a Thais e tirando fotos que vão usar contra mim pelo resto do ensino médio. Ela ter dado um pé na bunda do namorado não vai me ajudar.
— O namorado era meu irmão — Marcela diz alto, Lucas se desculpa com os olhos. — Eu só contei para vocês, podem não espalhar? Carlos não ia gostar. — Lucas ergue o mindinho direito e Marcela aceita a promessa.
É a primeira vez que apresentam Romeu e Julieta, o que é até engraçado considerando que Lucas fez Marcela assistir essa peça e mais umas vinte peças mesmo sabendo que o interesse dela é nulo, e Marcela sabe tudo de trás para frente. Mas tudo bem, porque Marcela o faz ver vídeos de técnicas de desenhos por horas mesmo ele não conseguindo absorver nenhuma delas. O que Marcela tem de talento para o desenho, Lucas tem para a atuação, e mesmo assim nenhum dos dois pretendem desistir de enfiar sua arte goela abaixo do outro. Amizades não se explicam.
Essa é só uma das coisas que Marcela pensou ao ver o desenho de Daiana nas paredes da escola. Poderia se sentir bem porque proporção dos olhos e da cabeça ficaram horríveis, assim como o microfone pequeno demais para a mão da garota, mas tudo o que sentiu foi culpa. Sente que deixou sua mágoa prejudicar Daiana. Assim, quando Daiana for cantar nesse mesmo palco que estão vendo o cenário montado, daqui a três dias, ninguém vai lutar por um local nesses bancos. Marcela pensa tudo isso no milésimo de segundo que Daiana surge e beija a bochecha do Romeu de olhos brilhantes.
— Ansioso? — pergunta Daiana. — Certo, pergunta idiota — assume quando Lucas levanta a mão trêmula. — Você vai arrasar. — Sorri em direção a ele, mas logo o nome dele é chamado e Lucas respira fundo, bate continência para os amigos e parte para detrás do palco. — Ele vai ficar bem? — pergunta aos sentado.
Giulia a olha, mas ignora e Sérgio está entretido jogando no celular. Marcela suspira e responde:
— Vai sim, ele é ótimo. Você vai ver. — Tem uma mistura de compaixão e ressentimento. — E você, está pronta para sua apresentação?
Daiana sorri sem mostrar os dentes e balança a cabeça negativamente. Senta-se na cadeira da frente, dando as costas para Marcela e sussurra:
— Já vai ser um fracasso. A sorte é que ninguém vai — e Marcela se encosta na cadeira desconfortável enquanto encara o cabelo liso de Daiana.
Giulia levanta as sobrancelhas em sua direção, julgando a cara de dó que Marcela fez.
— Bad person — sussurra bem perto da orelha esquerda Marcela. — Lembra disso — fala ao se afastar. Ajeita o vestido branco curto nas pernas e depois se levanta. — Vou buscar balas de café pra aguentar essa peça. Romeu e Julieta é muito chato. —Está se apertando entre as cadeiras para conseguir sair. — Você vem? — pergunta a Marcela quando chega no corredor e a outra pensa um pouco antes de se levantar também e repetir o processo dentro de sua calça jeans azul escuro.
Sérgio, ao notar a movimentação das meninas, se levanta rápido também e começa a ir até as amigas. Daiana fica sozinha no local e Marcela se recusa a chamá-la.
Caminham os três pelo chão de carpete preto até alcançarem a parte de fora daquela sala. As paredes e luzes brancas, em contraste com a agradável coloração do local da peça, desnorteiam Marcela e ela suspira alto antes de andar mais rápido para alcançar a cantina que fechará em dez minutos. Evita olhar para as paredes, onde o desenho ridículo de Daiana está espalhado, ao contrário de Giulia, que aponta e ri alto sempre que passam por um.
— Chega, Giulia! — É a voz de Sérgio que ecoa no corredor vazio da escola. Ela é baixa e triste. As duas o olham com surpresa. — Tudo bem não gostar dela, mas precisa mesmo ficar rindo de uma coisa que importa para a Daiana? Não estamos em um filme. Isso não é legal — Giulia para de andar, cerra os olhos esverdeados e cruza os braços. — Vai brigar comigo também agora?
— Você só está sendo chato como sempre — retruca Giulia.
— É isso que você faz. Desconta seu desgosto com seus pais e com ter dado um fora em Camila do nada, uma garota legal, zoando a cara dos outros como uma Regina George de cabelo rosa.
Sérgio para de andar também. Marcela está entre os dois com os olhos arregalados.
— Certo, não vamos começar isso — pede Marcela, preocupada com os dois, mas Giulia continua encarando Sérgio de maneira agressiva. — Por favor? — insiste.
— Eu rio das suas piadas, gosto de você, mas já deu, não acha? É cruel. — pergunta Sérgio, e coloca as mãos dentro da jaqueta vermelha de zíper aberto. Marcela olha para ele.
— Não fala assim — Marcela pede.
— Daiana é a namorada do Lucas, eu não ia gostar que a Giulia tirasse sarro da Patrícia pra ele quando não estou por perto. — Marcela se cala porque faz todo sentido.
Giulia dá os ombros e Marcela balança a cabeça negativamente.
— É muito fácil ficar apontando os defeitos dos outros enquanto foge dos seus. Quando vai parar de fingir que não sente nada? — Sérgio sussurra, depois começa a andar de volta para a sala da peça enquanto Giulia anda na direção oposta, para a cantina. — Saudade de quando você estava no convento — finaliza, já longe.
— Idiota! — É a única coisa que Giulia fala, alto, e já longe também.
Marcela continua parada, assistindo os dois andarem em direções opostas e sem a menor noção de para qual lado ir. Giulia olha para trás, chamando Marcela com um olhar, mas ela está chocada com o que ocorreu nos últimos minutos e é incapaz de evitar a face de reprovação para a amiga. Marcela vai atrás de Sérgio logo depois.
— Por que falou daquele jeito com ela? — Quer saber Marcela quando ela e Sérgio param na frente da porta da sala de apresentação. Ainda não entraram. Ele a encara. — É difícil para Giulia falar sobre si mesma — tenta argumentar.
— Eu sei — diz Sérgio e engole em seco. — Mas alguém precisava falar aquilo. Desde que ela voltou do convento parece muito pior do que quando foi. Tudo bem, ela se sente apta a julgar todo mundo, mas isso é hipocrisia da Giulia. Somos amigos dela, se não avisarmos ninguém vai fazer isso. — E entra no auditório.
Marcela está aflita e se treme quando entra na sala de paredes marrom escuro e um palco lá no fundo. Está parada e observa Sérgio caminhando até a primeira fileira e se sentando ao lado de Daiana, algo que Marcela com certeza não quer fazer. Olha para trás, pensa em ir atrás de Giulia, mas não consegue. Então fecha os olhos. Odeia brigas.
— Eu não falo mal da Patrícia — sussurram atrás dela e Marcela dá um pulo antes de encarar Giulia. — Não falo mal dela — e segura a mão de Marcela, puxando-a de volta para fora. — Eu não respondi pra não provocar ele. Acha que o Sérgio está certo? — pergunta quando Marcela aceita voltar a andar ao seu lado. — Acha?
— A música é importante pra Daiana, não é legal desmerecer — sussurra de maneira tímida. — Não é legal.
— Daiana é popular! Ninguém liga se esse desenho é ridículo. — Aponta para o exemplo na parede à direita. — Vão estar lá porque ela canta bem e namora o Lucas. Nem precisava de desenho nenhum. — Arranca um dos desenhos, Marcela solta a sua mão. — Você tem alguma dúvida disso? — Não recebe resposta da amiga pensativa. — Ela está tentando de manipular de novo, cabeça de vento! — argumenta, séria.
— Giulia, por que não fala comigo sobre o que está sentindo? — Marcela cruza os braços. — Sobre seus pais, a Camila e tudo o que aconteceu. O que realmente aconteceu. Eu não quero só os recortes que você faz para se proteger, entendeu? Eu tô preocupada com você.
As duas alcançam a cantina pouco antes dela fechar e Giulia divide com Marcela suas balas de café. Ignora tudo dito pela morena, como se Marcela nunca tivesse pedido por mais confiança do que Giulia deposita nela. Estavam sozinhas no espaço, mas em apenas quinze minutos as pessoas começaram a chegar, inclusive os pais de Lucas e Igor, que foram cumprimentar Marcela orgulhosos e os pais de Sérgio.
O pai de Sérgio raramente é visto antes de novembro, porque Caetano é um empreendedor com imóveis pelo Brasil e viaja muito, mas sempre assiste as apresentações que Sérgio gosta. Nádia, a mãe, é uma psicóloga que só atende online e que vem nas reuniões de pais, mas não fala mais do que o necessário. Estão caminhando do estacionamento para a cantina junto com os pais de Marcela.
— Seu casaco é muito bonito — ressalta Caetano, apontando para Marcela. Ela olha para si mesma, já se acostumou tanto com ele que nem se lembrava. — E combina com o seu batom. — Aponta para Giulia, que sorri, e vai abraçar o pai de Sérgio.
Depois dos comprimentos, eles caminharam juntos de volta para o auditório.
Não poderia ter sido melhor. Cada um que assistiu aquela peça se sentiu tocado pela história, mesmo quem já conhecida. Até Giulia, que conseguiu disfarçar o choro por pouco tempo. O problema é que ela não parou.
Giulia não parou de chorar desde que a peça acabou e Marcela não soube o que fazer, nem seus pais, nem Sérgio, nem os pais de Sérgio, e muito menos Daiana, que sumiu feito um fantasma. Lucas tentou chegar perto, mas Giulia gritou com ele e ficaram todos no pátio do colégio, com uma adolescente de cabelo rosa que ia chorar mais ainda quando os pais chegassem.
Ela voltou a morar com os pais depois da trégua na guerra, mas a verdade é que nada estava bem para Giulia. Marcela sabe que deveria ter sido uma amiga melhor e Sérgio não poderia estar mais culpado pelas coisas que falou para Giulia antes da peça, mas nenhuma de suas desculpas surtiu efeito porque nenhum deles eram um criminoso condenável, era muito mais profundo que isso.
Depois que os pais a levaram para casa, Marcela pôde sentir algo mais do que preocupação e o vento gelado das nove da noite arrepiaram seus pelos. Seu pai entregou o terno para ela e Marcela só notou Daiana quando essa já estava bem do seu lado. Não tinha como fugir.
— O que aconteceu com ela? — Daiana pergunta. Marcela respira fundo, engole a vontade de ser grossa com quem não merece nessa ocasião.
— Não sei — confessa, sentindo-se péssima, as duas estão encarando Lucas ser parabenizado. Marcela sussurra: — Mas isso de "Só ri de uma cicatriz quem nunca foi ferido." é uma mentira do caramba — refere-se a uma das falas da peça assistida. Daiana concorda com a cabeça.
— Até onde sei é o mais o contrário — comenta Daiana, Marcela assente.
Isso deixa Marcela pensativa.
Quando Marcela começa a andar em direção a Lucas, do outro lado do pátio, tromba de frente com Igor quando esse se coloca na sua frente propositalmente.
— E a sua Julieta? — ele pergunta. Marcela se afasta e o encara confusa. Igor levanta as sobrancelhas.
— O que você quer?
— Não somos amigos Marcela, mas o Lucas me contou uma coisa mais cedo e acho que posso ajudar você.
— Minha Julieta? — Franze o cenho. — Você se drogou? — Ele sorri.
— Você é tão cega, Marcela — é a última coisa que Igor fala antes de Lucas os alcançar e abraçar Macela.
Lucas está com um sorriso nervoso no rosto, já que o acontecido com Giulia o tirou dos holofotes que adora. Lucas pergunta para ela:
— Por que estavam sussurrando? — Ambos encaram Igor ir falar com os pais de Marcela, que não sabendo metade das coisas que ele já fez o adoram como um filho.
Sérgio, que veio fazer o mesmo que Marcela, abraça o ator e Lucas não tem tempo de ouvir as explicações de Marcela. Ela nem tinha explicações, para ser sincera.
Marcela sente os seus músculos tensos e se aproxima de Lucas e Sérgio.
— Quem é minha Julieta? — pergunta afoita. O sorriso dos dois amigos se desfaz e eles se encaram, deixando Marcela ainda mais ansiosa. — Ei! Que olhar foi esse?
— Ma, depois da apresentação da Daiana, quando toda essa confusão passar, falamos sobre isso. Eu prometo — diz Lucas e estende o mindinho direito para Marcela, que o aceita com o seu esquerdo. Marcela prende a respiração. — Não me olha assim. Já demorou anos, mais três dias é até pouco
— Já é sua segunda promessa hoje e você é horrível com promessas. Não quer apostar? — Sérgio está rindo ao falar isso, Lucas seca ele com um olhar.
— Essa conversa não faz o menor sentido — sussurra ela, quase sozinha. — Por que tá me olhando assim? — Marcela está encarando Sérgio.
— Porque eu gosto da adaptação: Julieta e Julieta. — Sérgio abre as mãos no ar, como se apresentasse um espetáculo.
Ela e geme, incomodada. Da última vez que existiu um segredo entre ela e Lucas, não acabou bem. Agora com Sérgio envolvido? Pior ainda.
— Vocês podem só me falar quem é e isso morre aqui?
— Ma... — Suspira. — Quando você ficar sabendo, não vai morrer tão fácil.
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