Capítulo 22 - Adote um problema
Era uma sexta-feira quando Sérgio convidou Marcela e Giulia para irem ao Shopping com ele. O aniversário de Patrícia estava chegando e ele queria dar um anel de compromisso para a namorada. Pelo menos alguém estava se saindo bem nesse âmbito, Marcela desconsidera Lucas porque namorar Daiana é mais perto de uma maldição do que de um presente.
Patrícia não. Dentre as namoradas de seus amigos, ela foi a única que gostou. Patrícia até ajudou Marcela a entender o que os likes e comentários de Paulinha no Facebook significavam. Não importa se Sérgio só namorava com ela há três meses e Giulia ache cedo demais para uma aliança, porque Marcela apoia e ficou muito animada em ser convidada para ajudá-lo a escolher. Infelizmente, graças a todo o conflito com seus pais, a mãe de Giulia está indo buscá-la na porta da escola todos os dias como algum tipo de guarda e não a deixou sair só com Sérgio e Marcela.
Assim, começam a caminhar em direção ao Shopping JK Iguatemi. A Escola Nossa Senhora Desatadoras Nós fica na Rua Chilon, é uma travessa da Av. Brigadeiro Faria Lima e bem perto do Parque do Povo, no bairro do Itaim Bibi. Essa informação poderia ser irrelevante, mas há alguns minutos dali fica o Colégio Gillar São Paulo, a respeito do qual já falamos, e sendo sexta-feira a maioria dos alunos desse internato estão interditando a Rua Ramos Batista inteira com carros mais caros do que uma casa e pais banhados a ouro. Quando Marcela e Sérgio passam por lá, não é necessário que digam nada para que em seus rostos esteja escrito que se arrependeram de não cortar caminho por uma das outras ruas. A disputa entre os estudantes dessas escolas – muito caras – não se resume apenas a esporte. Eles competem nas feiras de ciências, em todas as olimpíadas e até mesmo no ranking de aprovação para o vestibular. Instituições que influenciam uma competição pouco saudável entre crianças e muito baseada em atrair os filhos das pessoas mais importantes para pagarem sua mensalidade. Ademais, o Senhorinha sempre ganha nos esportes e perde nas ciências. A olimpíada de matemática a Gillar São Paulo ganhou por três anos seguidos (um tal de Juan Marques Pantaleão, filho do prefeito) e na de biologia a escola de Marcela os humilha há anos. As outras são sempre um mistério e todo ano a ansiedade dos estudantes mais inteligentes da escola é duramente aumentada em prol de um mérito escolar. O Colégio que Sérgio e Marcela detestam continua sendo o melhor da cidade em todos os rankings, no fim.
Graças a esse desprezo, Marcela e Sérgio recuam juntos para não passarem na frente da escola e acabam entrando da Rua Helena, assim vão demorar mais para cheguem ao Shopping. O importante disto é que nessa rua mora uma garota loira que tem um piercing de argola na boca e que há tempos frequentava a casa de Marcela graças ao seu irmão mais velho.
Desde o episódio onde Thais saiu chorando de sua casa, Marcela nunca mais falou com a ex-cunhada. Enquanto Marcela se afundava em seus amores e desamores, Thais estava focada no vestibular e quando não estava em sala de aula passava o tempo inteiro na biblioteca ou ensaiando para o teatro.
— Carlos e Thais terminaram — conta Marcela para Sérgio, é a primeira vez que fala isso para alguém. Carlos pediu que não contasse, mas já faz meses e a esperança dele parece cada vez mais irreal para Marcela.
— Existiu essa fofoca, mas eu nem dei bola. Você sabe por quê? — Sérgio olha para cima quando passam bem em frente ao prédio de Thais. Essa resposta Marcela não pode dar, já seria expor demais seu irmão mais velho.
— Deve ser porque estão muito longe e ocupados. — Marcela suspira. — Você não tem medo? — Está encarando o amigo. — Do que você tem com a Patrícia acabar? — Sérgio balança a cabeça para cima e depois para baixo, olha Marcela. — Eu também teria.
— Se fosse pelo medo a gente nem atravessaria a rua.
— Mas daí é porque ensinam a gente a atravessar sem correr riscos.
— Com tudo na vida não é assim? — Seu tom é descontraído, Marcela dá os ombros confusa. — Acho que pra namorar alguém a pessoa precisa te ensinar a fazer isso. Eu tenho medo do que eu tenho com a Patrícia acabar, é óbvio, mas não é como andar numa ponte balançando. É como atravessar a rua. — E começam a atravessar. — Você olha pra um lado, para o outro e depois passa. Não é correr pro meio da rua e torcer pra um carro não te pegar. Acho que por isso mesmo com medo eu sei lidar com a Pa.
— Eu sou a pessoa das analogias! — Marcela arregala os olhos, depois ambos dão risada.
Estão entrando no Shopping e tem muita gente com uniforme escolar andando de um lado para o outros, eles são apenas mais dois.
— Você disse que tinha uma fofoca... Sobre o Carlos e a Thais terem terminado — explica-se Marcela quando param na escada rolante em direção à joalheria no segundo andar. — O que estavam falando?
— É só fofoca, Marcela. Fofoca da ruim. — Sérgio não aguenta quando Marcela lhe lança um olhar sério. — Falaram que seu irmão está namorando uma outra garota lá porque sempre comentam nas fotos um do outro e dão check-in nos mesmo lugares às vezes. Você sabe como algumas pessoas são, procuram bem as coisas.
— Meu irmão está na fossa — sussurra Marcela, e cruza os braços.
— Eu não acreditei nas fofocas, mas elas eram bem convincentes. Quando eles tornarem o término oficial, vai ser isso que não dizer.
— Vão estar mentindo, então.
— Não muda nada.
Acabam de entrar na loja e Marcela dá um passo para trás ao reconhecer o dourado dos fios quando a luz reflete neles e da pessoa sobre a qual falavam segundos atrás. Os amigos arregalam os olhos um para o outro, como se conseguissem saber o que pensavam.
Ao colar na bancada, Sérgio começa a conversar com um vendedor e Marcela coça a garganta, chamando a atenção de Thais. Essa ergue as sobrancelhas ao reconhecer Marcela. Estava provando olhando uma pulseira de ouro minúscula, para um bebê, e agora travou seu olhar com o da outra.
— Ah, oi — diz Thais de forma abafada, e sorri de maneira forçada. Olha para os lados, como se buscasse socorro, e depois para Marcela de novo.
— Não te vi grávida — fala Marcela, e aponta para a pulseira. Thais ri, dessa vez de forma surpresa.
— É pra um priminho meu. — Passa as unhas pintadas de azul-bebê no nome "Ian". — E você não usa nem um anel — constata, Marcela assente.
— Vim com o Sérgio — e Thais se afasta da bancada para observar o amigo de Marcela do outro lado loja. — Nunca mais vi você. — As sobrancelhas de Thais se unem. — Antes isso seria uma coisa boa, mas não sei mais se é.
O rosto de Thais não esconde o espanto e Marcela não dá a ela brecha antes de falar:
— Você não pode deixar um carro atropelar o meu irmão.
— O quê?
Marcela fecha os olhos. Na cabeça dela tinha feito tanto sentido, mas de fato não fez o menor desses. Ela respira fundo e depois encara Thais mais uma vez. Dá um passo para ficar mais próxima.
— O Carlos sente a sua falta — sussurra. — Muita.
O semblante de Thais morre, ela umedece os lábios e dá um passo para trás.
— Não se mete nisso, Marcela — orienta. Thais está ofendida por Marcela ter dito isso. Esse é um assunto muito delicado para se falar em público. — Você não sabe do que tá falando.
— Você terminou com ele Thais e meu irmão me contou o motivo. O real motivo, não o que você criou na sua cabeça — Marcela aperta os dedos das mãos dentro dos bolsos. — Ele nunca te trocaria por alguém. Falo isso porque conheço o Carlos a quase dezesseis anos. No dia que ele não quisesse mais te orientar a olhar para os lados antes de atravessar, você seria a primeira a saber disso. E eu não coloco a mão no fogo nem por mim, mas pelo irmão coloco.
Thais engole em seco, a atendente chama o seu nome e ela limpa uma lágrima que escorreu silenciosa do seu olho direito. Vira-se rápido, ignorando Marcela e essa última, com o coração na mão, da as costas para Thais. Sérgio a chama com um gesto e ela caminha até ele, que já tem as opções de alianças no balcão.
— Tem rua com carro demais — sussurra, mais para si do que para Sérgio.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro