Capítulo 18 - A inveja é fria
OUTUBRO
Marcela não está melhor e não poderia estar.
O que aconteceu no aniversário de Lucas, uma semana atrás, ainda se repete dentro da sua cabeça enquanto ela ignora qualquer contato com Daiana.
Hoje é o campeonato de Futsal interescolar e Marcela está ao lado de Giulia na arquibancada da escola. Ao lado de Giulia há uma garota diferente.
Dois dias depois de tudo o que aconteceu na casa de Lucas, Giulia apresentou Camila ao grupo. Alta, magra e com cachos bem finalizados. Nada nessa garota faz sentindo para Marcela. Ela não consegue assimilar a quantidade de cores discrepantes de suas roupas e a voz não combina com o rosto. Jaqueta azul-mar, botas verde água e batom rosa-bebê. Voz aguda, parece que está sempre gritando. Camila parece um sorvete com os sabores mais opostos possíveis.
C A M I L A. O nome também é incoerente com sua personalidade. Para Marcela, ela tem cara de... Não pensou em um nome bom o suficiente. Camilas costumam ser menos carentes por atenção. Essa foi a justificativa que Marcela encontrou para as roupas e o comportamento da namorada de Giulia.
Já entendeu que toda essa implicância parte só dela. Lucas afirma sempre que Marcela está pegando pesado demais e que não há nada de realmente ruim na namorada de Giulia, exceto o senso estranho de moda, mas que isso é muito pessoal. Ah, mas Marcela não acha que alguém no mundo considera a moda de Camila normal além dessa mesma.
Marcela está chupando um pirulito rosa que comprou mais cedo e assistindo Sérgio jogar. O rapaz está suando como se corresse em um imenso campo de futebol, mas a quadra não é tão grande assim. O time dele está perdendo contra o colégio Gillar São Paulo, um internado há vinte minutos de carro daqui. e com pessoas com tanto dinheiro quanto fios loiros na cabeça.
Se não fosse dia de jogo, Camila não teria conseguido entrar na escola. É certo que a segurança do Senhorinha não é lá grandes coisas, mas em dias comuns as catracas impedem que alguém sem carteirinha entre. Como hoje os alunos da outra escola vieram assistir o jogo, Camila fingiu ser um deles.
A Gillar São Paulo é a melhor escola da cidade. Marcela sabe disso porque Eduarda estudou lá. Foi um privilégio de primogênita, mas quando Carlos e Marcela entraram no ensino fundamental, precisou mudar. Tanto pelo valor quanto pela ideia dos pais deles de terem todos os filhos na mesma escola. Era por logística, mas também pelo desejo de unir os três irmãos fora de casa. Funcionou.
— Essa doeu! — A voz de Camila arrepia Marcela inteira. A namorada de Giulia joga seu corpo para trás ao observar a falta cometida contra um dos jogadores. Marcela não está com atenção no jogo neste momento porque encara Paulinha alguns degraus abaixo.
De vez em quando a menina loira olha para trás e sorri para Marcela. Agora Marcela considera flertar uma coisa muito divertida. Apesar disso, essas duas não se falaram muito nos últimos dias. Marcela não tem mais tanta vontade de responder Paulinha, notou que são bastante diferentes. Têm coisas parecidas, mas Paulinha joga muito videogame e Marcela fica entediada só de pensar. Marcela desenha, mas Paulinha não é muito interessada em arte. Essa é a verdade. Paulinha é legal, todos sabem disso, elas só não se encaixam. Entretanto, pessoalmente, é difícil não flertarem.
— Marcela! — grita Giulia. Marcela olha em sua direção com os olhos arregalados.
Giulia pintou o cabelo de rosa-choque e ele está sendo mantido com presilhas brancas longe do rosto dela.
— O que? — Marcela pergunta quando a amiga fica calada por tempo demais e Giulia aponta para a quadra de futsal. Quando Marcela enxerga a cena, entende. Não sabe se está mais preocupada ou brava. É um misto estranho de sentimentos ruins.
Daiana está lá, sentada ao lado do rapaz lesado durante o jogo, que precisou ser removido. Lucas, o jogador.
Lucas não joga futsal, vamos deixar isso claro, mas Sérgio insistiu muito que ele jogasse só hoje porque o time estava sem jogadores para a Ala direita. É claro que Lucas não se sairia bem.
Marcela balança a cabeça negativamente e bufa.
— Ela é muito cara de pau — sussurra Giulia, e cruza os braços cobertos por uma jaqueta corta vento preta. Seus olhos estão semicerrados e não se movem nem um milímetro, assim como os de Marcela. Essa última começa a se tremer de raiva. — Eles voltaram a se falar? — Giulia encara Marcela.
É certo que Daiana e Lucas fizeram as pazes, porque senão ela não estaria ali. Lucas é apaixonado por ela e Daiana é uma ótima jogadora na vida.
— Daiana perdoo ele pela aposta. Só sei disso — confessa Marcela.
Marcela engole em seco. Há um amargor em sua boca. As pernas se molham de suor e a certeza de que Daiana só fala as coisas da boca para fora a arrebate mais uma vez. É claro que Marcela não contou nada a Lucas sobre o que aconteceu naquele ponto de ônibus, e nem para ninguém porque queria esquecer, mas agora se arrepende de ter feito isso.
Ela gostaria de saber como a dona de um sorriso impressionante e carisma notável consegue ser assim. Não. Marcela está repensando o que deseja. A garota cogita que talvez, só talvez, queira saber se Daiana um dia já foi sincera. Esquece tudo isso. Marcela é consumida pela preocupação com o que Lucas e os sentimentos dele por Daiana. Uma garota chega e de repente o orgulho dele se resume a pó.
— Ela é bonita, né? — Camila comenta e recebe quatro olhos a reprovando no mesmo minuto. Camila arregala seus olhos azuis de maneira exagerada e engole em seco. — O que?
Giulia suspira alto, balança a cabeça negativamente e passa o braço esquerdo por trás das costas de Camila de forma a fazer Marcela, a observadora, virar o rosto. Giulia sussurra explicações para a namorada que entrou em um trem já em alta velocidade e pegando fogo.
Marcela encara Paulinha, entretida com o celular, e coça a garganta antes de se levantar.
— Onde você vai? — Quer saber Giulia. Marcela limpa as mãos no moletom azul turquesa que se movimenta entre os estudantes, descendo as escadas até alcançar o penúltimo degrau.
Paulinha não fica surpresa ao reparar em Marcela querendo se sentar ao seu lado esquerdo e abre espaço para que se encaixe. Marcela não olha para trás, sabe que Giulia deve estar rindo e evita justamente porque não está. Marcela está nervosa e perguntando-se porque fez isso. Ela já sabe que não é compatível com Paulinha. Infelizmente, Marcela sabe a resposta, é só que essa não é válida e muito menos coerente. Ela quer fingir que não se importa.
A lesão no pé de Lucas garantiu que ele ficasse fora do jogo pelo resto da manhã e um mau-humor relevante mesmo horas depois.
Lucas já repetiu cinco vezes que Sérgio prometeu que ele ficaria apenas no banco de reserva e que agora vai precisar ficar afastado do grupo de teatro até o pé melhorar. Se não fosse quase novembro talvez Lucas fosse mais maleável, mas não com a apresentação da peça tão próxima. O rapaz com o black power, do outro lado da guerra, já pediu desculpas e não foi perdoado.
— Não deveria estar em casa, então? — Desafia Giulia, sem filtros na língua e lança o olhar coberto de delineador preto em direção a Lucas. Ele está sentado no sofá bege da casa de Giulia e dá os ombros.
— Eu nunca perderia a primeira festa nessa casa mal-assombrada — Lucas sorri e ergue as sobrancelhas em direção a Marcela.
Marcela segura o riso com a mão esquerda e recebe um empurrão leve de Giulia.
Eles estão na nova casa da mãe de Giulia, um pouco longe do centro e com muitos anos de vida. É enorme, mas tem algumas paredes mofadas e lustres enormes como se fosse realmente uma casa mal-assombrada.
— Por que está de chapéu? — Lucas aponta para Camila, que tem um adereço vermelho enorme sobre a cabeça.
— Eu falei que é estranho — sussurra Marcela, começando a caminhar até Lucas e sentando-se ao seu lado.
— Porque eu gosto — responde Camila. Ao contrário do tom de Lucas, que foi mais engraçado, ela notou a falta de respeito no que Marcela respondeu.
Lucas se ajeita no sofá e olha a rua da casa pela janela enorme e mal reformada. Depois Lucas encara Marcela.
— O que? — pergunta Marcela sem som, ele a ignora.
— Daiana não vem — fala Giulia, mas não está olhando para Lucas. Sérgio, parado de braços cruzados ao lado da janela, arregala os olhos para Marcela. — Você não disse que tinham voltado a se falar. — Agora Giulia encara Lucas, ele parece desconfortável.
Lucas mantém o silêncio. Giulia dá os ombros antes de retirar uma caixa de bis da mochila e jogá-la para o rapaz machucado.
Marcela se preocupa porque sabe que é assim que Giulia se desculpa.
— Eu não convidei a Daiana, Lucas
— Por quê? — Lucas pergunta.
Sérgio começa a caminhar em direção ao banheiro, fugindo da tempestade; e sua namorada, Patrícia, que está sentada na poltrona de frente para Marcela e Lucas se encolhe encarando o celular. Paulinha acaba de chegar na porta da sala de Giulia com uma sacola cheia de petiscos e com isso Marcela se levanta.
O rosto de Lucas está vermelho e o de Giulia também, mesmo que ambos estejam com cara de paisagem.
— Porque o aniversário é meu — Giulia finalmente responde. Marcela não consegue evitar uma careta, já que o clima caiu uns cinco graus desde que essa conversa começou. Ela beija a bochecha de Paulinha quando estão perto o suficiente.
— Giulia... Daiana nunca te fez nada — argumenta Lucas, Giulia balança a cabeça negativamente.
— Não é porque você aceita ser tratado assim. — Giulia começa a diz, mas para coçar a garganta. — Lucas, você é um trouxa. — Marcela arregala os olhos em direção a Giulia. — Eu não preciso aceitar essa garota sem noção fazendo o que quiser com meus amigos. — Giulia não está mais olhando para Lucas, lança em Marcela um olhar cheio de razão — O aniversário é meu. Convido quem eu quiser. — A garota gorda e branca da sua cartada final e Marcela passa seus olhos de um para o outro. O coração ficando do tamanho de uma uva.
Sente a mão fria de Paulinha agarrar seu braço, mas continua encarando Lucas, que acaba de ficar de pé, manco, e Marcela se pergunta o que ele está fazendo.
— O que? Vai embora por que não chamei sua ficante? — Giulia encara Lucas começar a caminhar até Marcela, perto da porta.
A voz de Giulia saiu ainda mais ríspida e brava, Marcela já pensa em se intrometer porque = considera essa uma briga idiota, mas então Lucas corrige Giulia, dizendo:
— Namorada. — A voz travada e alta, Lucas parou de andar bem do lado da Giulia. Estende a caixa de bis branco de volta para ela. — Daiana agora é minha namorada, Giulia.
E um universo se entala na garganta de Marcela.
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