Capítulo 17 - Em quantos pedaços um coração pode se partir
O que aconteceu entre os dias 25 e 30 de setembro de 2016 na vida da Marcela Maria Farias merece ser lembrado.
Dia 26 foi quando Lucas precisou engolir todo o seu orgulho em ocupar a mesma sala que Daiana depois do aniversário dela e da mesma ter beijado Igor.
Falando nesse último fato, 27 de setembro foi quando Igor convidou Daiana para a festa de aniversário de Lucas, fingindo ser em nome deste, e ela aceitou (ninguém soube disso até o evento).
Dia 28 era quarta-feira e Marcela finalmente respondeu Paulinha no Facebook. Elas conversaram antes da loira ser convidada a ir ao aniversário de Lucas com Marcela. Sim, importante lembrar: a raiva de Lucas não passou e em verdade a proximidade de Daiana e Igor quase o fez chorar um dia antes do seu aniversário, na quinta-feira.
29 de setembro também foi o dia no qual Giulia contou para todos que iria levar sua namorada para a festa, a até então desconhecida Camila (ela acabou não levando e ninguém soube o motivo).
Paulinha encontrou Marcela no condomínio de Lucas por volta das 18h do dia 30 de setembro, aniversário de 16 anos de Lucas. Era uma sexta-feira feia sem estrelas e estava ventando mais que o normal. Os pais dele estavam na casa e, logo, álcool não existiu entre os convidados.
A confusão começou por volta das 20h, quando Daiana chegou de mãos dadas com Igor. Vejamos, a cara de raiva de Lucas só não era tão grande quanto a de Marcela. Cantaram parabéns logo depois e Igor estava se divertindo com a situação. Lucas mordiscava o piercing e seu rosto não perdeu a vermelhidão nem por um segundo enquanto encarava Daiana e Igor. Marcela tentava focar cem porcento em Paulinha.
A loira de cabelo liso quase na bunda e um delineado fino e preto sobre os olhos castanhos contava piadas que Marcela não entendia a metade. Elas, depois que Daiana e Igor se sentaram em um dos sofás, foram para fora da casa para ficarem sozinha. Marcela sentia o rosto queimando muito e Paulinha com certeza notava a vermelhidão porque não parava de rir. Foi inevitável elas se beijarem abaixo da sacada da casa, em um lugar mais escuro e invisível, e foi Paulinha quem tomou a iniciativa. Pelo que já se sabe de Marcela, entranho seria ter ocorrido o contrário.
Quando voltaram para dentro da casa, uma gritaria acelerou o coração de Marcela. Lucas e Igor estavam se encarando perto da mesa do bolo. Peitoral colado, olhos de cães de briga. Os irmãos pareciam dois predadores com a racionalidade ausente e vontade de arrancar a cabeça um do outro. Daiana encarava os dois, sentada. Quando o pai de Lucas, Lauro, apareceu, os dois garotos se dispersaram como cobras, mas com certeza um deles acabaria com o nariz quebrado se não fosse a presença de Lauro: esse seria o Lucas.
Igor subiu as escadas batendo os pés, mas acatando a ordem do pai, e Lucas bufou antes de se trancar no banheiro comum perto da sala. Existiam trinta adolescentes na casa e o aniversariante se recusava a viver sua própria festa. Depois de muito bater na porta, Marcela desistiu. O sentimento na boca do estômago, as borboletas mortas, e o amargo da boca voltaram com tudo. Marcela suspirou antes de decidir ir até Daiana.
Para surpresa de Marcela, Giulia já estava lá. Ela arregalou os olhos e praticamente correu o caminho entre o banheiro abaixo das escadas e o sofá da sala onde as duas garotas se estranhavam.
— Eu fui convidada — dizia Daiana, não aceitando o enfrentamento de Giulia. — Igor disse que Lucas convidou.
— Deveria ter o bom senso de não vir! Olha o que você fez. — O veneno de Giulia era quase cuspido na cara de Daiana, que então se colocou de pé. Marcela segurou o braço de Giulia quando chegou perto o suficiente e a puxou para trás. A de cabelo vermelho a encarou confusa. — Ela vai embora — disse em direção a Marcela, mas apontando para Daiana. Marcela suspirou.
— Eu não vou — disse Daiana, as outras duas garotas a olharam no mesmo instante.
Giulia estava se tremendo, ela conseguia sentir. Marcela engoliu em seco e depois disse:
— Vamos embora.
Atraiu os dois olhares para si enquanto encarava Daiana.
— Por favor — Marcela continuou. Estava controlando toda a raiva que sentia para impedir que Daiana e Giulia entrassem em uma briga corporal.
Daiana bufou, olhou de Marcela para Giulia. Essa última arregalou os olhos, mas não disse nada. Daiana pegou a mochila no braço do sofá e foi na frente em direção à posta. Marcela pediu paciência a Giulia com um olhar e depois encarou Paulinha, que observava tudo de longe.
Aproximou-se da loira, receosa, e olhou para os dois lados antes de se despedir com um selinho rápido, mas simbólico. As duas sorriram e o riso de Marcela se desfez quando Daiana gritou pelo seu nome. Ela não só tinha coração partido como havia virado a babá da causa suprema disso.
Quando estavam deixando o condomínio, Sérgio chegava com Patrícia e encarou Marcela. Ele parou para cumprimentar a amiga.
— Já teve os parabéns e quase duas brigas físicas. Você está atrasado — Marcela contou. Daiana andava bem na frente, muito irritada. — Convence o Lucas a sair do banheiro, por favor — pediu por fim, e deixou Sérgio ainda mais confuso que antes.
Agora podemos falar sobre a cena atual.
Marcela sente que seu coração sairá pela boca a qualquer momento. Ela não tem certeza se pela ansiedade de estar a sós com Daiana novamente depois da última vez que isso aconteceu, no banheiro de Lucas, ou por pura raiva da mesma figura ao seu lado esquerdo. Todo o seu corpo está gritando, mesmo que mantenha o silêncio.
Gritar não resolve. Fica repetindo e tentando se acalmar. O olhar de Daiana em sua direção é assustador e por isso Marcela está encarando os próprios pés.
— Você pode me falar alguma coisa? — pergunta Daiana, suas mãos estão na cintura e ela está a poucos centímetros de Marcela.
A regata azul marinho que foi um presente de aniversário dado por Marcela. Seus olhos não ficam menos destrutivos quando Marcela toma coragem e a encara.
— Eu não sei — responde Marcela e depois engole em seco. — O que você quer que eu te fale?
As duas saíram da casa de Lucas há pouco mais de quinze minutos e estão paradas no ponto de ônibus. São as únicas aqui e passa das 21h30. Os pais de Marcela vão querer matá-la quando descobrirem que saiu tão tarde na rua, mas isso nem passa por sua cabeça agora.
— Lucas fez uma aposta para ficar comigo, merecia isso — argumenta Daiana.
Marcela acha que Daiana está louca por entrar nesse assunto depois de tanto tempo. Ou, pelo menos, espera que sim para estar falando de forma tão alta e grosseira em direção a Marcela.
— E você também ficou com outra pessoa — continua Daiana, Marcela bufa e balança a cabeça negativamente.
Beijar Paulinha não foi a melhor experiência do mundo, mas também não foi a pior. Era um médio bem aceitável para Marcela, na verdade. E ela gostou de passar um tempo com a menina loira com uma camiseta do Nirvana, mesmo que Daiana tenha estragado até isso.
Marcela limpa as mãos suadas no short jeans escuro. Ela não é fã de pessoas gritando, ainda mais no meio da rua e cobrando um monte de explicações. Marcela umedece os lábios.
— Ela... — Daiana respira fundo. — A Paulinha nem é bonita, Marcela.
— Cara, do que você está falando? — Marcela dá as costas para Daiana, porque quer muito gritar com ela, e vai em direção à avenida para checar se seu ônibus não está vindo. — Por que você é tão horrível? — Vira-se rápido, Daiana joga as costas para trás como se tivesse levado um tapa.
Daiana se senta no banco muito iluminado, onde algumas propagandas de uma clínica odontológica estão coladas no fundo azul. Suspira alto e ainda encara Marcela.
— Eu pensei que você gostasse de mim — fala, apontando para si mesma. Marcela está se tremendo. — Você é horrível, Marcela.
— Você ficou com o Igor e quebrou o coração do Lucas. Era isso que queria? Se sentir no topo de novo? — pergunta Marcela, inconformada. — Você quebrou o MEU coração.
Um vento mais forte a atinge e Marcela coloca as mãos dentro do casaco azul, tentando controlar o desconforto pela tempestade que Daiana está causando.
Isso é tão injusto. Por tanto tempo Marcela alimentou a esperança de um dia aquele beijo no banheiro se repetir, mas Daiana apenas a ignorou pessoalmente, pisou em seu coração e agora quer direito de sentir ciúmes. Por dias, semanas, meses, Marcela buscou formas de fugir do sentimento que corroí seu coração e o mastiga com facilidade sua lucidez; e hoje Daiana quer falar sobre eles? Hoje que Marcela encontrou uma forma de fugir dela?
— Você poderia... — começa Daiana. O delineado rosa que está um pouco borrado no olho esquerdo.
— Para — grita Marcela, assustando até a si mesma. — Para, Daiana. — Pede mais baixo. — Por favor. Eu não aguento mais você.
Daiana a olha com os olhos arregalados e Marcela acha que eles se encheram de lágrimas, por isso dá as costas novamente. Odeia isso. Odeia quando Daiana a olha daquela forma, como se a tivesse na palma de suas mãos. Porque tem. Marcela não suporta o fato de realmente poder ser esmagada a qualquer momento. Talvez a raiva que sinta não seja de toda essa situação e sim de si mesma, de ter se deixado chegar a esse ponto.
— Mas, Marcela... — Daiana coloca-se de pé ao falar e caminha até ela.
— O Lucas gosta de você — sussurra Marcela, lutando contra si mesma para não correr e abraçá-la. — Parece que quanto mais gostam de você, pior você é.
Elas se ignoram por alguns segundos. A tensão pode ser sentida a quilômetros. Marcela sente seus sentimentos se espalharem como cinzas ao vento.
— Eu não queria machucar você — diz Daiana quase inaudível. Marcela a encara.
— Você é uma mentirosa — declara. — É mentirosa porque se isso fosse verdade você não teria me beijado naquele dia. — Aponta o dedo indicador para Daiana. — Ou, no instante que saímos, não teria corrido para o lado do Lucas. Você sempre quis os dois e ao mesmo tempo nunca quis nenhum.
— Eu quero você — diz Daiana, Marcela ri desacreditada.
— É, mas eu não quero você — fala Marcela, olhando novamente para a avenida, torcendo para seu ônibus chegar logo e ela conseguir fugir da versão possessiva e inconveniente de Daiana. — Você se molda para cada pessoa que quer brincar — sussurra pensativa.
Há poucas horas, Marcela precisou assistir Daiana chegar com Igor na festa e agora isso. Parece uma piada mal formulada e completamente sem-graça. Marcela queria ter o poder de apagar sua memória, de nunca ter deixado a aposta acontecer, para nunca ter se aproximado de Daiana e muito menos beijado ela.
Ainda se demoram alguns minutos para a respiração de Marcela volte ao normal..
— Desculpa — sussurra Daiana, Marcela engole em seco e a olha mais uma vez. Daiana está com a cabeça baixa.
— O que? — Daiana ergue a cabeça.
— Desculpa — pede Daiana. — Eu estou sendo sincera, Marcela. O que eu faço pra você me desculpar?
Marcela coça a garganta e olha para o nada. Quer chorar. Prende a respiração por dois segundos e depois diz em direção a Daiana:
— Fica longe de mim e do Lucas. Fica longe da nossa amizade e do irmão dele. Desaparece de novo, Daiana. — Marcela está olhando Daiana diretamente nos olhos. O desconforto no estômago desaparece, ela se sente leve. — Você...
— Não — interrompe Daiana, voltando a ter arrogância na voz. — Eu vou continuar aqui. — Aponta para si mesma com a mão direita — Eu tô aqui, Marcela. Sou real. Sou uma pessoa e posso melhorar.
Marcela a encara, com a face dura, não entendendo o que essas palavras querem realmente dizer. Ela nunca sabe o que Daiana realmente quer dizer e isso a irrita mais. Sentindo sua boca formigar e o coração pular de novo dentro do peito, ela avista seu ônibus de longe.
— Daiana — começa, mas a outra a cala quando segura sua mão esquerda recém tirada do bolso, gelada demais, e a encosta no meio de seus peitos. A pele de Daiana é quente e Marcela se força a olhar para o lado oposto.
— Eu sou apaixonada por você — fala, mas Marcela puxa sua mão com rapidez, a coloca de novo dentro do bolso e aperta os dedos como se estivessem queimando. Com a outra mão, da sinal para o ônibus.
Marcela encara Daiana, seus olhos estão carregados pelas lágrimas e, dessa vez, ela não se importa quando uma delas escorre pelo olho esquerdo e brilha com o farol do transporte público perto demais. Com uma rispidez que machuca seu coração, Marcela olha para o ônibus antes de começar a subir.
É disso que Daiana gosta: controle. Gosta deter pessoas na palma de sua mão, como cachorros que abanam o rabo para o dono, mesmo que esse os tenha chutado, machucado e humilhado.
— Você não é — fala Marcela, sem olhar para trás, mas alto o suficiente para que Daiana escute.
Daiana ainda tenta segurar sua mão mais uma vez, mas Marcela recusa o gesto e sobe os três degraus com rapidez, olhando para Daiana apenas quando a porta do veículo já se fechou. Quando ele finalmente começa a andar, ela leva a mão ao peito e descola os lábios antes pressionados com força.
Marcela sente um pouco vergonha de si mesma.
Não porque falou a verdade para Daiana, mas ainda se importar. Tudo sobre a Daiana é uma confusão extensa. Um precipício. Marcela não sabe o que fazer com tudo isso.
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