1. Dia 29
Tudo começou naquele dia, o último dia de aula da semana para os alunos da Escola João Batista, no Ceará. O clima das festividades do dia 31, popularmente conhecido como o Dia das Bruxas ou Halloween para os estadunidenses, ornamentava cada parte daquele ambiente escolar, desde os corredores com tiras escuras de papel crepom às pequenas aranhas de brinquedo espalhadas pelas salas de aula.
A data que comemora o terror para àquela cidade é mais um de festa, especialmente para os jovens da região. Isso devido ao fato das inúmeras "farras" que eles adoravam dar. "É a data perfeita", segundo os mesmos. "A temática do terror e as icônicas fantasias deixam o have mais insana".
E com uma certa ansiedade, David, um garoto do segundo ano, não perde por esperar que aquele dia acabe. Não por odiar o álcool e as batidas frenéticas das caixas de som, mas por outro motivo. Um que o faz ficar em alerta a noite inteira.
- Aí, Marcelo. Qual é a boa pro feriadão? - perguntou ao amigo.
Ambos estavam no meio do intervalo para a terceira aula.
- Sei lá, mano. Os caras tão molengas esse ano. Pelo visto, acho que vai ser de cineminha em casa pra mim.
- Cineminha? Tá me zoando!
- É, ué. Era o pessoal do Jackson que atraía a mulherada. Daí, cê sabe... Sem mina, sem curtição.
- Desde quando o Jackson é o gostosão da escola? Me lembro como se fosse ontem, ele implorando pra mim não puxar a cueca dele. - relembrou David, com um sorrisinho sacana.
- Isso foi no fundamental, David. - disse Sara entrando na conversa, sentando ao lado de Marcelo.
- E daí?
- Daí que foi a muito tempo, né? E acho que não foi desse jeito. Mar, ajuda aqui! - Ela bateu no braço de Marcelo.
- É, mano. Agente mudou e tal.
- Aham, tá. Pra mim não mudou nada. Ainda posso colocar aquele playboyzinho metido à besta no lugar que ele merece. - David inflou seu ego.
Marcelo e Sara disparam a rir.
- Parem de rir, poxa!
- Não, é que você fala como se isso fosse possível. - explicou Sara ainda rindo.
- Ha ha ha. Marcelo, você também?
- Fo-Foi mal, David. É que foi engraçado. - Marcelo já não continha o riso frouxo.
- O fato é que vocês dois hoje, nem se comparam com suas versões daquela época. E não tô falando de popularidade, que é a qualidade que o Jackson tem mais pontos.
- É, cara. Ela tem razão. O riquinho tem o dobro do seu tamanho, além de ser bom em vários esportes, inclusive jiu-jitsu. Ah, sei lá, não sei vocês, mas odeio ter que aturar gente assim.
Ambos concordaram com ele.
Marcelo como um dos adolescentes negros daquela escola, possuía o peso discriminatório que é nascer como alguém de pele escura numa escola repleta de brancos. Para ele, conviver com uma pressão por igualdade já era suficientemente cansativo, levando em conta de estarem em pleno século XXI. Em casa, tentava lidar com problemas ainda piores, como o excesso de discussões entre seus pais.
Já Sara era conhecida por todos da escola como "A Princesa Esquisita". Ela tem alguma culpa nisso, pois faz de tudo pra destroçar a imagem perfeita que a maioria impõe à ela, pelo simples motivo de ser filha do prefeito da cidade. Com roupas ousadas e maquiagens escuras, afugenta qualquer um que tentasse se aproximar dela, com exceção daqueles que lhe convinha.
Enquanto riam de piadas toscas que David inventava sobre Jackson, um acúmulo de alunos desabrochou aos poucos a atenção deles. Todos falavam sobre um só assunto: a festa que Jackson iria dar nos próximos dias. David percebeu que a maioria fitava seus celulares e, tomado pela curiosidade e raiva, decidiu pegar emprestado um dos aparelhos pra saber mais do que estavam fofocando.
- O que tá dizendo aí? - perguntou Marcelo, que se aproximou junto de Sara.
- Pelo visto, a confirmação que você queria. - respondeu David encarando o convite.
A garota que era dona do aparelho, tomou rapidamente das mãos de David, que quase levou um soco por ter feito aquilo.
- Ótimo! Isso é perfeito. - comemorou Sara, chamando a atenção dos dois.
- Perfeito por quê? É a bosta de uma farra do riquinho que agente tava zuando. - David cruzou os braços.
- E o que tem? Pessoal, é Halloween, vamo aproveitar! Vocês, agora pouco, falaram que não têm plano algum pra esse final de semana.
David olhou pra Marcelo, que então arquiou uma de suas sombrasselhas pra ele.
- Não tá falando sério, cara?
- Ela tá com o jogo ganho dessa vez, mano. Não tenho nada pra fazer mesmo... - disse Marcelo indo pra perto de Sara, deixando apenas David sentado no banco do pátio.
- Seu traídor! Vocês dois! - David os fitava frustrado.
- Deixa de birra, garoto. É só uma curtição no feriado. Não significa que você iria cair de brussos em cima do garanhão lá. Nem sei por que você odeia tanto aquele garoto. - questionou Sara. David fez uma careta.
- Agente vai lá, ok? E espero que você descida ir também, porque vamos com ou sem você. - acrescentou Marcelo.
- Pessoal! - David resmungou, vendo seus amigos saírem sem ele.
O sinal bateu e todos seguiram para a sala, menos David, que ainda processava a idéia de frequentar algo relacionado a pessoa que mais odiava naquela cidade.
No entando, na noite daquele dia, ao rolar diversas vezes em sua cama, percebeu que não tinha muita escolha no momento. Ou ele ficava em casa sozinho e apressiava o terror que passava em todos os dias naquela época do ano, ou concordaria com os amigos para ir à uma festa de jovens sedentos por álcool e sexo. A resposta já era meio óbvia pra ele.
Pegou seu celular ao lado da cama, abriu no grupo que tinha com os amigos e confirmou sua presença.
Mal ele imaginava que o pior que viria não era o fato de ver Jackson na festa, mas o seu temível pesadelo vivo em palha e algodão.
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