Eu te imploraria de joelhos para ficar
"Não me culpe, seu amor me deixou louco
Se você não fica, não está fazendo isso direito
Senhor, me salve, minha droga é meu amor
Vou usa-lá pelo resto da minha vida."
── Don't Blame Me ── Taylor Swift
"Lembre-se sempre, meu coração te segura quando meus braços não podem." - Perry Poetry.
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JJ era o mais novo recruta da estação 144 do corpo de bombeiros de Nova York, estando com eles há seis meses, e embora não fosse nem um pouco tímido, havia poucas coisas que seus colegas sabiam sobre ele.
Patrick Jane, sendo o capitão e um mentalista, (como muitos gostavam de chamá-lo) naturalmente sabia mais coisas que os outros.
Ele nunca comentou nada por um, era divertido ver todos fazendo especulações e apostas sobre a vida pessoal do novo recruta. (ninguém desconfiou que ele soubesse mais do que dizia, ok, talvez Lisbon, mas sua esposa era uma profissional)
E dois, ele tinha aprendido com esse emprego que as pessoas (surpreendentemente) não gostavam quando um estranho as lia como um livro.
JJ, por mais irresponsável que fosse (o garoto tinha um novo machucado a cada dia) tinha direito a privacidade. (Patrick não admitiria que o garoto tinha trazido seu lado paternal, pelo menos por enquanto)
No entanto, embora ele não fosse se intrometer, Bea e Alex estavam decididos a descobrir mais sobre a vida pessoal de JJ.
Eles sabiam que o homem era casado, (o que os surpreendeu muito, considerando a essência de rebeldia e irresponsabilidade que JJ emitia) entretanto, eles não tinham nada além dos apelidos que seu parceiro (Alex tinha certeza desde o início) era chamado nas frequentes vezes que o loiro falava no celular.
O sorriso bobo não apagava a luz de tristeza e preocupação por trás dos olhos afetuosos.
"Eu não aguento uma coisa dessas, olhem como eu fui recebida em casa ontem." América virou o celular, mostrando aos três uma foto de Maxon dormindo no que parecia ser uma tenda montada na sala com Eadlyn e Ahren ao seu redor.
Eles estavam reunidos no segundo andar da estação, sentados em uma grande mesa enquanto Jane preparava o almoço na cozinha.
"Algum dia, você vai receber uma ligação dizendo que eu os roubei." America riu do comentário de Alex.
"Maxon conta pelos dois."
Alex bufou exasperadamente. "Sim, as crianças não dão tanto trabalho."
"Disse o cara que se casou com o meu irmão." Bea apontou e ele ficou em dúvida entre defender o marido ou concordar, resultando em uma careta que divertiu as duas mulheres.
"E você, Maybank-Cameron?" Alex chutou JJ por baixo da mesa, que estava mudo e cabisbaixo desde que chegou pela manhã, mais atrasado que o normal.
"Eu o que?" piscou, tentando afastar a melancolia.
Seus pensamentos estavam girando em diferentes direções, entre memórias com Rafe, seus pesadelos com um oficial do exército chegando para informá-lo que seu marido estava morto, seus filhos sentindo a falta do pai, a falta de comunicação a um mês.
Ele sabia que só não se deixava cair pelo cansado porque Luka, Sam e Nolan precisavam dele. Ele daria seus pulmões para que seus filhos pudessem respirar.
"O que achou da foto?"
"Que foto?" não estava surpreso por ter perdido metade da conversa, ou ela toda.
"Deus, é mais sério do que a gente imaginava." Alex bufou e América mostrou a foto novamente, fazendo JJ dar um curto sorriso.
"Sou suspeito pra falar, não acho nenhuma outra criança mais bonita que os meus filhos, mas preciso admitir, eles são uma explosão de fofura."
Os olhos de Bea e Alex estavam arregalados quando gritaram em sincronia: "Seus filhos?!"
"Obrigada!" América permaneceu inabalável, olhando para a foto com um sorriso carinhoso.
"Você tem filhos?" Alex falou novamente, ainda chocado.
"No plural? Do tipo, mais de um?" Bea continuou e isso arrancou uma risada genuína dele, ele nem se lembrava da última vez que tinha rido.
"É." seu rosto se iluminou ao pensar neles e isso não passou despercebido.
Ele pegou o celular, revelando três crianças em seu bloqueio de tela.
A única menina tinha os cabelos castanhos despenteados e os olhos azuis da mesma tonalidade que o oceano atrás dela. Ela e outro garoto, com seus olhos cristalinos e cabelos loiros escuros, seguravam um menino menor entre eles, esse que tinha as mechas loiras e os olhos azuis de um tom mais claro que o dos irmãos.
Os três sorriam para a câmera, deixando mais evidente o sorriso torto do mais novo, que era semelhante ao de JJ.
"Conheçam metade do meu coração, Luka, ele é o mais velho, Sabrina, Sam, como prefere ser chamada, e Nolan." alguns owwnnn foram ouvidos.
"Oh, meu Deus, eles são a coisa mais fofa desse mundo! Parecem modelos mirins." Bea afinou a voz e JJ sorriu, como o pai coruja que ele era.
"Como isso aconteceu? Sem ofensas." Alex, que tinha aberto e fechado a boca diversas vezes, perguntou e JJ balançou a cabeça, não era como se ele nunca tivesse ouvido isso antes.
As pessoas viam seu rosto, perguntavam sua idade e automaticamente o descartavam como uma pessoa responsável quando o conheciam, duvidando de sua capacidade de criar três filhos e presumindo instantaneamente que foi uma gravidez na adolescência. (o que, eca, JJ era muito gay, obrigado)
Não. Ele os queria. Ele os quis desde o primeiro momento em que os conheceu, desde que soube de sua existência.
"Não estava nos nossos planos uma criança, muito menos três, mas quando encontramos eles, foi como se simplesmente soubéssemos que eles eram nossos."
"Também sou suspeita pra falar, mas eles são adoráveis, JJ." América tocou seu braço, apertando-o levemente. "Precisamos marcar um encontro entre os cinco." JJ assentiu, brincar com outras crianças talvez ajudasse seus filhos.
Um pouco do peso em seu peito diminuiu, ele não estava tendo muito tempo para desabafar com seus amigos e não sabia que precisava tanto dessa conversa até tê-la.
"Agora faz sentido a tatuagem no pescoço." Bea falou, indicando as letras L, S e N, uma embaixo da outra na região abaixo de sua orelha direita, feitos por uma fonte delicada, mas não muito chamativa.
"Eu queria fazer um livro, uma onda do mar e um castelo de areia, mas Rafe achou que ficaria brega." ele riu, se lembrando das palavras de seu marido.
"Eu vou broxar na hora, JJ. Não faça essa merda no seu pescoço ou eu vou pedir o divórcio."
América, Alex, Bea e Jane, que estava quase terminando o almoço, trocaram olhares e ninguém ousou quebrar o silêncio.
"Quem é Rafe, JJ?" entretanto, Alex não ia perder essa oportunidade.
O alarme rompeu qualquer resposta que JJ fosse dar e Jane guardou todas as facas, desligou o forno e todos os queimadores antes de correr para o caminhão.
❀
Um mês tinha se passado e Bea e Alex estavam frustrados, os turnos estavam cada vez mais longos e difíceis, não deixando tempo para nada que não fosse dormir, comer, usar o banheiro ou realizar as tarefas que o Capitão mandasse.
O humor de JJ ter piorado também não facilitou muito as coisas, ninguém ousando fazer alguma pergunta, por mais que quisessem.
Suas olheiras estavam ainda mais intensas e ele tomava café (por mais que odiasse) a cada vez que bocejava, o que era muito.
As ligações, que tinham parado totalmente no mês anterior, não voltaram a acontecer e eles presumiram que fosse um problema no casamento.
Patrick apenas não o deu folga porque sabia, por experiência própria, que ficar sozinho em casa, com o silêncio ao redor e a cabeça barulhenta, era muito pior.
O trabalha ajudava, salvar pessoas, ser o herói, a coisa toda.
JJ não queria ser o herói, ele só queria o seu marido. Ele explodiria o mundo, o queimaria, se isso o trouxesse de volta.
❀
Jane estava voltando para o seu escritório quando os viu, uma mulher com os cabelos loiros perfeitamente penteados e olhos azuis gentis com três crianças ao seu redor.
Seu primeiro instinto foi se aproximar e procurar por um ferimento. As vezes, as pessoas recorriam até eles quando o hospital era muito longe ou na falta de condições financeiras.
Ele não demorou a fazer a associação, se juntando aos quatro com uma xícara de chá nas mãos e um sorriso divertido, os outros estando espalhados pela estação.
"Posso ajudar?"
"Hey, estamos procurando o JJ." a mulher falou, e Jane, que sorria para as crianças, a olhou, sem perguntas ou surpresa.
"Venham comigo." ele subiu as escadas, caminhando para a área da sala de estar, onde JJ estava jogado em uma poltrona, olhando para o teto como se ele tivesse o ofendido pessoalmente.
América estava em uma das mesas próximas, lendo enquanto Alex e Bea jogavam vídeo game de maneira eufórica.
"JJ, visita pra você." o olhar dele saiu do teto e no minuto seguinte, seus braços envolviam as três crianças, ajoelhado em sua frente.
"Sabe, pai, nos vemos hoje de manhã." Sam murmurou, mas não mexeu um músculo para se afastar. "Nao a anos atrás." JJ riu, beijando sua bochecha.
"Pra mim parece que já faz uma eternidade." ela revirou os olhos carinhosamente. "O que estão fazendo aqui?" olhou para a mulher atrás das crianças.
"Eles foram liberados mais cedo, reunião administrativa."
"É verdade, eu tinha me esquecido." abaixou a cabeça, sussurrando mais para si mesmo do para qualquer outra pessoa.
"Tudo bem, papai, sua memória sempre foi de Dory." Nolan falou, pousando seus pequenos dedinhos no queixo de JJ e o levantando, alheio a culpa que o outro estava sentindo.
JJ riu, fazendo cócegas em sua barriga com uma falsa indignação e ganhando risadas que preencheram seu coração de amor.
"Ele só não se perde porque tem celular." Sam bufou, aparentando ser mais velha do que realmente era.
"Sem nós e o pai, ele ainda estaria preso naquele acampamento em Boston até hoje." os três riram, parecendo compartilhar de uma memória.
Ter seus filhos por perto sempre amenizava um pouco da saudade de Rafe, como se tivesse um (nesse caso, três) pedacinho de seu marido perto dele.
"Concordamos em não falar sobre esse acampamento." disse, incapaz de controlar o beicinho em seus lábios, o mesmo que seus filhos usavam contra ele para pedir algo e ele usava contra Rafe.
"Não, pai, não falamos com você sobre esse acampamento, te zoamos pelas suas costas." Luka falou e Sam riu.
"Bom saber disso, garoto, na próxima vez não tem mais "Dez minutos, pai, eu tô quase chegando em Lenda" " Luka deu um tapinha no ar.
"Ora, o maior dos castigos é ser governado por quem é pior do que nós, se não quisermos governar nós mesmos." JJ ao menos piscou, ele parou de sentir seu cérebro dar diferentes nós depois da vigésima terceira vez.
A quantidade de elogios, tanto dentro quanto fora da escola, que Luka já tinha recebido poderia cobrir paredes inteiras de uma casa.
Rafe incentivou o seu amor pela leitura desde pequeno, lendo para ele histórias diferentes de uma princesa e um príncipe se casando, ou de uma tartaruga que chegou em primeiro lugar porque a lebre dormiu.
"Platão." Jane escondeu o sorriso bebendo seu chá. Lisbon gostaria de saber disso.
"Me surpreenderia se não fosse." JJ ainda tinha alguns problemas com a língua inglesa, mas ele tentava melhorar a cada dia.
"Sem querer interromper o momento incrivelmente fofo." Bea começou. "Mas eu gostaria conhecer esses anjinhos." JJ se levantou, tendo se esquecido que tinha plateia.
"Crianças e Flora, esse é o meu time, América, Alex, Bea e Jane, meu capitão." sinalizou para cada um. "Pessoal, como eu já disse antes, esses são meus filhos, Luka, Sam e Nolan. A Flora é uma das babás que eu não preciso pagar, o que se chama amizade."
"Não, se chama gosto mais dos seus filhos do que de você." JJ sorriu, revirando os olhos. "Prazer em conhecer o time que deixou um louco como esse aqui apagar incêndios."
"Eu já gosto de você." Alex tinha um sorriso afiado no rosto.
"Parabéns, capitão Jane, sua estação é muito linda." Sam olhou em volta, parecendo notar o lugar pela primeira vez desde que chegou, muito focada em seu pai para prestar atenção em outra coisa.
"Sim!" Nolan pulou no lugar. "Quem são os paramédicos?" América e Bea se apresentaram. "Posso conhecer a ambulância?" perguntou euforicamente.
"Eu adoraria te apresentar a ela, querido." Bea lançou um olhar a JJ, que assentiu e os dois desceram as escadas.
Flora cutucou JJ, se afastando para atender uma ligação da noiva.
"Formula um, hein? Meu pai adora esse jogo." Luka se juntou a Alex no sofá, pegando o controle que era de Bea.
"Ele é horrível." Alex pegou o seu.
Luka riu, despausando o jogo. "Ele é sim."
"Vai ficar sem sobremesa desse jeito, filho." JJ falou, voltando sua atenção para Sam, que tinha chamado Jane.
"Sim?"
"Quem é que cozinha aqui?" ele piscou, um pouco surpreso com a pergunta.
"Eu e América revezamos, Alex, Bea e seu pai se mantém o mais longe possível do fogão, esses garotos queimam até água."
"Eu sei, nossos vizinhos chamaram os bombeiros mais vezes do que eu caí de skate." Jane riu e ela pareceu se lembrar do que queria dizer inicialmente. "Ele não come nenhuma besteira não é? Papai nos encarregou de fazê-lo comer mais saudável."
"Eu não preciso de supervisão, Sam." JJ suspirou, passando as mãos pelo rosto como se já tivesse repetido isso milhares de vezes.
Jane abriu um largo sorriso. "Gostaria que me contasse mais sobre isso."
América, que observava as interações, se sentou do outro lado de Luka, começando uma conversa.
"Então, Luka, eu tenho dois filhos da sua idade."
"Eu sei." ele ao menos piscou, toda sua atenção na TV.
"Seu pai comentou?"
"Não, Eadlyn e Ahren não é? Ela se parece mais com a mãe do Maxon, já o Ahren é a sua cara. Nolan disse que vocês dois parecem a Anna e o Christopher de Fronzen." América entreabriu a boca, os olhos um pouco arregalados enquanto sua voz tinha morrido na garganta. Alex não estava muito diferente.
Luka exibiu um sorriso de lado, ele ganharia assim.
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Toda a estação parou pelos três. Nolan teve seus sinais vitais tomados, ele estava curioso para saber como um monitor cardíaco funcionava e Bea não ousou não mostrá-lo.
Sam foi a primeira a descer pelo poste e sua risada preencheu todo o corpo de bombeiros, Nolan veio logo em seguida e Luka foi o último.
Foi encantador para a equipe ver os trejeitos de JJ em seus filhos. Sam era a mais parecida, ela era transparente em suas expressões e adorava compartilhar seus fatos sobre o oceano. (em bons dias, JJ divagava sobre seu amor pelo surf)
Luka era mais quieto, observando mais do que falando e não deixando dúvidas sobre sua personalidade forte.
Ele enrugava o nariz igualzinho a JJ quando não concordava com algo, (como eles começaram a discutir sobre Scooby Doo?) e quando Jane ofereceu sorvete, ele e JJ foram os únicos que quiseram o de framboesa (Alex vinha reclamando sobre ter potes de sorvete de framboesa no congelador e nenhum do seu favorito. Jane não tinha relação com isso)
Nolan tinha praticamente tocado em cada centímetro da estação, encarando tudo como se fosse um parque de diversões, nunca deixando de sorrir ou fazer perguntas.
Observando a interação de seus filhos com aqueles que ele estava começando a ver como parte de sua família, (oh, Cardan não gostaria disso) JJ desejou com cada célula de seu corpo que Rafe estivesse ali.
"Ok, eu não queria ser o estraga prazeres, mas, Sam, sua aula de surf começa a daqui alguns minutos, Luka, sua aula de natação é em uma hora, e Nolan, você e a tia June não iam passear com o Tequila?" e assim, como se fosse uma coreografia ensaiada, os três se levantaram, abraçaram JJ, se despediram dos outros e desceram as escadas com Flora, que tinha feito o mesmo.
JJ se levantou, começando a tirar a mesa. Depois de se casar com Rafe, que fazia maravilha com as mãos, em todos os sentidos, lavar a louça era a sua única função na cozinha. (ele parou de contar quantas coisas já tinha quebrado depois da terceira vez)
"Uau." Bea elogiou, balançando a cabeça para sair do que parecia ser um transe e levando seu prato para a pia.
"É como se você fosse o controle da pilha deles." Jane riu do comentário de Alex e JJ parou antes de tentar entender o que ele queria dizer.
"Isso nem faz sentido." América disse, ajudando Jane a tirar a mesa. "Tequila é o cachorro?" JJ fez um som de concordância, começando a lavar os pratos.
Tequila tinha dormido em sua cama praticamente todas as noites desde que Rafe se foi, como se ele pudesse sentir sua tristeza.
"Deus, garoto, o que mais vamos descobrir sobre você?" Bea riu e JJ fingiu não ter seu coração fisgado.
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JJ se sentia cansado, foi como se o universo tivesse esperado a partida das crianças da estação antes de deixar que o caos acontecesse.
Inúmeras ligações e desastres, eles não perderam ninguém, mas isso não tornava tudo mais fácil e menos exaustivo.
Enrolado em uma camisa xadrez de Rafe com Tequila deitado perto de seus pés e abraçado ao travesseiro de seu marido, igual todas as noites, JJ dormiu.
Ele tinha se acostumado com camas pequenas ao longo de sua vida inteira, porém, depois que ele e Rafe começaram a namorar, foi fácil se acostumar a dormir com braços o envolvendo, nunca deixando-o escapar, era quente, seguro e JJ amava.
Uma cama grande, mas vazia, era ainda pior que uma cama pequena.
As vezes, quando a luz da noite refletia nos lençóis e a dor latejava mais do que o normal, JJ olhava para o vazio ao seu lado e se permitia quebrar, tentando abafar o barulho do choro e os soluços que acompanhavam para que as crianças não ouvissem.
Metade de seu coração estava a um oceano de distância dele e talvez, porra, ele não gostava nem de pensar nisso, talvez o que ele mais temia, o que ele mais tinha pânico, pudesse acontecer.
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Não era mais surpresa que o membro mais jovem da estação 144 era um irresponsável. (JJ gostava mais quando Rafe o chamava de imbecil, era mais carinhoso em seu tom)
Logo em seu primeiro dia, Jane soube que ele era aquela criança encrenqueira em sala de aula, aquela que precisava de mais atenção do que as outras e fazia de tudo pra consegui-la.
Ele não pensou muito a respeito disso, tendo se visto muito em JJ quando mais jovem. (Lisbon levantaria uma sobrancelha para essa última parte)
O Capitão estava confiante de que JJ não faria nenhuma besteira que não o trouxesse de volta para casa, para seus filhos.
Era mais um erro em sua pequena lista.
Qualquer membro do turno A poderia falar sobre as manobras insanas que o jovem estava fazendo, voltando para uma casa em chamas porque um garotinho chorava pedindo por seu gato, sendo amarrado para cair em uma cachoeira, não saindo de um prédio em desabamento enquanto não achasse a menina de cinco anos para a mãe do lado de fora, mergulhando direto na porra de um oceano depois de cair da varanda de um penhasco.
JJ não pensava muito, mas imaginava que, se fosse com ele, ele gostaria que alguém fizesse o mesmo, embora isso não tirasse a voz suspeitosamente parecida com Rafe no fundo de sua cabeça dizendo: "Não faça nada estúpido, JJ, não vou explicar aos nossos filhos que o pai deles morreu sendo um idiota imprudente."
Isso sempre trazia um sorriso ao seu rosto.
Ele não sabia que não estava preparado para acordar na cama de um hospital (porque ele, sendo um imã para brigas do jeito que era, não era uma surpresa que não fosse sua primeira vez em um hospital) sem Rafe por perto até que acontecesse. O nome dele escapou de seus lábios e o tapa da realidade queimou em sua pele.
Não foi nada grave, no entanto, seu conceito de grave era mais ferrado do que sua cabeça no passado.
Da última vez, (como ele poderia não resgatar o coelho que estava no telhado de sua vizinha?) Rafe estava ao seu lado, dormindo com a cabeça perto de seu quadril e segurando sua mão, JJ o ouviu reclamar por quase meia hora sobre ele ser a merda de um inconsequente e que dormiria no sofá por causa disso, o que nao aconteceu, não que Rafe fosse admitir.
Foi uma sensação feliz de acolhimento e conforto acordar e perceber que sua equipe estava por perto, todos preocupados com ele.
JJ não esperava apresentar o 144 ao resto de sua família assim, mas Cardan soube o que aconteceu (ei, não pergunte como) e não demorou para que Jude, Millie, Flora, June e Nora aparecessem.
Ele e Cardan conversaram extasiadamente sobre a manobra que JJ fez antes de receber um soco no braço, teria sido forte para qualquer outra pessoa, mas foi quase um tapinha na visão de JJ, entretanto, isso não o impediu de reclamar mesmo assim.
"Pela parte minha que não é completamente ferrada e obviamente, Rafe." Cardan deu de ombros com um sorriso provocador.
JJ gostaria de poder voltar no tempo e acalmar seu eu criança, garantindo-o que ele não ficaria no mundo sozinho para sempre, que ele teria a família que sempre sonhou e que não tinha nada de errado com ele.
Na volta para casa, JJ nunca deixaria que Rafe soubesse que sentiu falta de sua palestra.
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"Então, você vai guardar suas coisas ou espera magicamente que elas comecem a voar?" Alex perguntou, escorado na porta do vestiário da estação.
JJ balançou a cabeça, notando que tinha trocado de roupa automaticamente, mas suas roupas de civil ainda estavam no banco ripado.
"Talvez." grunhiu, era o começo de um turno de 24 horas e ele adoraria estar em sua cama.
Ele jogou suas roupas em sua mochila e colocou em seu armário, ignorando a placa de identificação com seu sobrenome que passou encarando nos últimos dez minutos.
"Posso fazer uma pergunta?" Bea surgiu de repente, algo comum, ela e Alex pareciam se comunicar telepaticamente, avisando o outro sobre onde estava.
"Tecnicamente, você já fez." Alex falou, porque isso não impedia a provocação básica deles.
"Tecnicamente, vai enfiar um controle na bunda." ela mordeu sua maçã, dirigindo-se a JJ, que estava quase dormindo em pé. "Maybank-Cameron não é dos seus pais, é?" ele engoliu um gemido de frustração para o rumo dessa conversa.
"Que pais?" ele riu. Dra. Ross, sua terapeuta, (ele tinha ignorado a existência dela por quase um ano inteiro antes de explodir, era tão mais fácil enterrar tudo) o repreenderia por sua piada autodepreciativa, mas a ferida de ser abandonado quando recém nascido tinha se curado a alguns anos, no entanto, ainda se mostrava em muitas de suas inseguranças.
"Tema pesado." Alex comentou, e JJ podia falar meio errado as vezes, mas depois de tantos anos recebendo olhares de pena, virou um sexto sentido perceber hesitação quando a via esse.
"Eu sinto muito." ele deu de ombros, mordendo a maçã que roubou de Bea. "Não sinto mais!" a risada de JJ vibrou pelo vestiário.
"Mas não, Cameron é do meu marido." ele não percebeu que era exatamente isso que os dois queriam, que ele trouxesse o assunto a tona para que não ficasse muito óbvio o quanto estavam curiosos.
Um sorriso nostálgico dominou seus lábios, se lembrando da discussão que teve com Rafe uma semana depois que foi pedido em casamento. (eles fizeram um sexo selvagem e quente no final, o que fez JJ pensar seriamente em começar mais brigas)
Nenhum deles estava disposto a desistir do sobrenome, sendo igualmente teimosos.
JJ enfiou as curtas unhas na palma interna de sua mão, querendo afastar as memórias.
"Lindo, pare de fazer isso." ele parou antes que sangrasse, seu marido ficava constantemente vendo suas mãos depois que percebeu esse seu hábito.
"A quem ainda não conhecemos ou vimos uma foto." Alex falou, recebendo um tapa no ombro de Bea. "Aí!" JJ coçou a cabeça.
Ele não queria falar sobre Rafe, porque, uma vez que ele começava, sua mente não parava de rodar quanto aos cenários de seu marido ferido ou morto.
Em outra situação, talvez ele pegasse uma das inúmeras fotos que tinha de Rafe dentro do armário. Fazer isso agora, no enquanto, traria muita raiva e lágrimas acumuladas.
Já tinham se passado três meses e JJ correu o risco de quebrar a mão algumas vezes quando resolveu socar a parede. Fazia três malditos meses desde que ele ouviu a voz do amor de sua vida, desde que seus filhos viram o pai, nenhum sinal de vida desde então.
Nada de mensagens, nada de cartas ou uma vídeo chamada rápida para que JJ não perdesse completamente a cabeça e começasse a ficar paranóico.
Inúmeras chamadas de voz e vídeo chamadas perdidas. JJ nunca odiou tanto o silêncio.
Foi uma merda muito complicada tentar arranjar um cronograma para que eles pudessem conversar.
Para que Luka pudesse falar sobre o A que tirou em inglês e espanhol.
Para que Sam pudesse falar sobre a nova temporada de seu seriado favorito.
Para que Nolan contasse sobre o dia que Cardan chegou com uma cama elástica no quintal e de repente eles estavam com toda a vizinhança em sua casa.
Para que JJ pudesse sentir seu coração cheio novamente ao ouvir as mesmas palavras que Rafe falava para ele a cada final de ligação.
"Eu te amo a cada respirar."
"Ignore-o, ele é apenas um rostinho bonito." Alex a rebateu, pontuando que ela tinha admitido que o achava bonito e que nunca a faria se esquecer disso.
No meio do caos dos dois, JJ riu, se divertindo com a sua família.
❀
Era isso, tinha acabado. Rafe estava de volta em casa, para sempre dessa vez.
Ele foi abordado por algumas pessoas no caminho para pegar um táxi e beijar seu marido gostoso, há quem não via a quase quatro meses, (desculpe, a contagem de dias era meio difícil na porra de uma guerra) elas agradeceram por seu serviço e Rafe afogou a risada dentro dele, o único motivo pelo qual tinha deixado sua família e voltado para o exército foi porque suas contas estavam no vermelho.
As coisas eram diferentes agora, no entanto, o salário de JJ era muito melhor que o anterior e eles tinham coberto todas as suas dívidas com seus honorários. É claro, as coisas ainda seriam complicadas, eles tinham três filhos, afinal, mas eles podiam lidar com isso, juntos, como uma família.
No táxi, ainda sentindo uma onda de alívio e ansiedade, ele ligou para o Capitão de JJ, Jane, recebendo a resposta de que seu marido estava de plantão junto com o endereço do lugar que o homem que amava estava vendo como lar.
Rafe amaldiçoou o trânsito por não ter conseguido chegar antes de uma ligação.
Por mais saudade que sentisse de seus filhos, Rafe sabia que JJ o chutaria se não estivesse lá para ver o reencontro, o que o impediu de dar o endereço da escola de seus filhos para o motorista.
Os olhos de Rafe examinaram o lugar, moderno, limpo e organizado, algo que não esperava de um corpo de bombeiros. A falta de veículos o permitia ver mais, notando um vestiário em um canto e uma academia mais ao fundo.
Um estrondo aconteceu dentro de sua barriga, interrompendo sua análise e o fazendo subir as escadas para devorar qualquer coisa comestível que estivesse em sua frente.
No momento em que os veículos voltaram a estação, Rafe tinha devorado duas torradas com mussarela, ovos, tomate, cenoura, orégano, bebido todo o suco de laranja na geladeira e estava quase terminando uma tigela de iogurte, aveia e frutas.
Ele ouviu barulhos no andar de baixo e a adrenalina percorreu cada canto de seu corpo ao ouvir a voz de seu marido.
Tanto tempo, fazia tanto tempo que ele não ouvia a voz de JJ, que não tinha aqueles lindos olhos azuis o olhando, que não beijava a covinha em forma de vírgula no canto de sua boca, as cores tinham desaparecido desde a última vez que viu aquele sorriso torto.
Uma mulher de cabelos roxos foi a primeira coisa que ele viu, mas ela não arregalou os olhos ou se preparou para lutar, como ele faria se encontrasse um desconhecido em sua cozinha, ele podia praticamente ver as engrenagens girando em sua cabeça.
JJ tinha dito que essas pessoas eram amigáveis, mas ele não esperava por isso, o que o fez duvidar da sanidade dessa mulher, dando de ombros com uma gargalhada quase meio segundo depois, não era como se ele mesmo fosse totalmente equilibrado.
"Ei! Você vai ter que me comprar frutas novas." ela rosnou e Rafe ergueu uma sobrancelha. Ele costumava odiar conhecer pessoas novas, mas ele gostou dela.
"Ok." assentiu, deixando a tijela vazia no balcão da cozinha no qual estava escorado. "América, não é?
"É sério, vocês dois precisam parar de fazer isso."
"Você está vendo outra pessoa aqui além de nós?" questionou com uma falsa seriedade, recebendo um olhar mais afetuoso do que irritado.
"Luka, seu filho, presumo, é assustador o quanto vocês se parecem." a menção de um de seus filhos quebrou sua máscara, trazendo um aperto em seu coração.
Um sorriso fechado preencheu seus lábios, apertando o maxilar enquanto controlava a respiração e as lágrimas que queriam escapar.
"Todos dizem isso." saiu mais baixo do que ele gostaria. "Presumo que você já saiba o que estou fazendo aqui." ela revirou os olhos para ele, reunindo-se a minúscula lista de pessoas de Rafe que saiu viva depois de fazer algo assim.
"Oh, Deus, o garoto parecia um cachorrinho chutado do caminhão de mudanças. Ele vai ficar tão feliz." ele percebeu o carinho em sua voz e sentiu um pouco de alívio em meio a culpa por seu marido ter achado pessoas que se importavam com ele. "Loirinho, corre aqui!" gritou.
"Loirinho?" seus olhos escureceram, cético quanto a isso.
"Acalme-se, tigrão. Esse é todo seu. Eu tenho o meu próprio." ergueu sua mão direta, aquela que tinha um anel de borracha.
O modo com que ela disse isso, o amor evidente em suas palavras, deixou Rafe mais leve do que o anel em si, afinal, quantos casamentos não eram horríveis.
Ele agradeceria a um ser superior, (cada átomo dele era ateu) se acreditasse em um, por não ser assim com ele.
Passos nada discretos o alertaram e seus lábios se curvaram em um sorriso, JJ não conseguiria ser menos barulhento nem se tentasse muito.
Rafe sempre achou bobagem o tipo de amor que os livros e filmes contavam, rindo do quão ridículo tudo aquilo era.
Era ficção, um conto para pessoas carentes que queriam acreditar no amor.
Ele não acreditava nisso, não quando cresceu com pais que se odiavam, mas então JJ apareceu em sua vida, explodindo tudo o que ele achava mais clichê, ridículo e brega, e correndo o risco de soar exatamente assim, todo o seu maldito mundo voltou ao eixo no momento em que seus olhos encontraram os de seu marido.
JJ expulsou o preto e branco, trazendo as cores com ele.
Porra, como ele tinha sobrevivido todos esses meses sem ele?
JJ não tinha muita certeza que seu coração não estava em sua boca, não quando seu cérebro tinha dado curto circuito e tudo que ele podia repetir era:
Rafe, Rafe, Rafe.
Isso era mais uma de suas alucinações? Ele só tinha tido duas no trabalho até hoje. Talvez isso tudo fosse um sonho, talvez o incêndio do qual tinha acabado de sair e deixado seu rosto cheio de fuligem e cheirando a fumaça não passasse de um fruto de sua imaginação.
"Você já foi mais receptivo, amor. Eu não ganho nem um abraço?" JJ emitiu um choramingo muito alto no fundo de sua garganta, sentindo lágrimas descendo por suas bochechas e suas mãos tremerem.
O pomo de Adão em sua garganta não parava de se mexer com a quantidade de vezes que ele engoliu em seco, ainda imóvel e com os olhos fixos em Rafe, temendo que ele pudesse sumir se desviasse, América tinha escapado em algum momento.
"Rafe?" sussurrou, esperançoso de que aquilo não era uma alucinação, mas assustado demais para piscar e perceber que o amor de sua vida ainda estava na merda de uma guerra.
Rafe se aproximou, impaciente por ainda não ter seu marido em seus braços. "Ei, lindo." JJ jurava que todos na estação podiam ouvir as batidas mais que aceleradas de seu coração, a voz forte e gentil de Rafe saindo abafada aos seus ouvidos, como se estivesse debaixo d'água.
Uma pequena parte dele ainda não queria se mexer, não queria arruinar esse sonho perfeito e voltar a uma realidade que Rafe não estava ao seu lado.
A outra parte dele, a maior parte, estava gritando para que ele se mexesse.
JJ se deixaria enganar se isso significasse estar nos braços de seu marido.
Ele correu para Rafe, que o abraçou de maneira tão desesperado quanto ele. O calor de seus corpos juntos, os dedos de Rafe brincando com seus cabelos enquanto a outra apertava sua cintura, o beijo pressionado contra seu pescoço, tudo isso expulsou o medo que sentiu nesses últimos meses.
"Eu senti tanto a sua falta." JJ se aconchegou mais nos braços de Rafe, apoiando a bochecha contra seu ombro. "Por favor, eu não quero ficar sem você de novo. Eu não posso ficar sem você de novo, Rafe." ele tinha um aperto firme na camisa de Rafe, que continuou a acariciar sua nuca, sabendo que isso o acalmava.
JJ sempre foi mais sensível nessa parte do corpo, nunca deixando ninguém que não fosse muito íntimo fazer isso.
"Ei, ei, está tudo bem, querido." ele se afastou para que pudesse olhar nos olhos de JJ. Ele já tinha dito o quanto sentiu falta desses olhos? "Acabou, eu estou em casa para sempre, dispensa honrosa." JJ abriu, fechou e abriu novamente a boca, sorrindo largamente um minuto depois.
"Você não vai mais voltar?" ele precisava de uma segunda confirmação, não querendo deixar sua felicidade se infiltrar somente para ser esmagada.
"Não, JJ. Estou em casa, para sempre."
eles compartilharam um enorme sorriso antes de se beijarem, de novo, e de novo e mais um pouco.
Eles podiam não ser muito bons com palavras, mas eles não precisavam delas quando todos os sentimentos que queriam dizer um ao outro eram transmitidos através de ações.
E mesmo que fosse bagunçado e ansioso, ainda era perfeito, porque eram eles e tinha gosto de lar.
"Eu te amo." JJ ofegou, plantando mais um beijo nos lábios de Rafe, ele era viciado naquela boca, e mesmo quando o ar foi necessário, nenhum deles se afastou, tudo que eles precisavam era um do outro.
"Eu também te amo, a cada respirar." Rafe acariciou a bochecha cheia de fuligem de JJ, sorrindo quando seu marido se inclinou para o toque. "E eu estava certo." em outro momento, JJ estaria revirando os olhos para o (perfeito) sorriso arrogante de Rafe.
"Sobre o que?"
"Você fica uma delícia de uniforme." assobiou, passando os olhos descaradamente por todo o corpo de JJ, que piscou maliciosamente, balançando as sobrancelhas.
Rafe estava em casa, para sempre. Ele não precisava mais dormir sozinho, seus filhos não precisavam mais perguntar quando o pai deles voltava. Era isso, a frustração de ser adulto estava descansando, pelo menos por enquanto.
E se ele não largou seu Rafe pelo resto do dia, mesmo quando Alex, Bea, o resto do 144 e até Lisbon, os bombardearam de perguntas, bom, esse era um direito seu.
Na manhã seguinte, antes que o sol brilhasse no céu, JJ acordou com as quatro partes de seu coração e agradeceu ao universo por ter colocado Rafe em seu caminho, para que eles pudessem ter a família que tinham hoje e serem os mais felizes que pudessem ser.
NOTAS DA AUTORA: 6.027 palavras e eu quero ir embora e nunca mais voltar. Comentem, por favor, adoro ler comentários🍀 E já sabem né, qualquer erro podem me falar.
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