Ser mulher
~ALERTA DE GATILHO, LEIA COM CALMA~
~O texto a seguir é um relato de uma experiência que tive há alguns meses~
*
NÃO ERA DE noite quando eu senti medo de ser mulher.
Não era uma rua escura e eu não estava voltando de uma balada. E nem estava bêbada. Ou tão pouco despida.
Na verdade, eu usava calça jeans, blusa escura e nada de decote. Tinha acabado de sair de um curso de informática e aquela seria a primeira vez que eu voltaria para casa sozinha.
Mas estava tudo bem. Era só esperar o carro passar, entrar e ir para casa. Rápido. Fácil. E nada de complicação no caminho.
Nada.
Mas teve.
O carro não passou na hora marcada.
E a cada olhada no celular, era uma respirada mais funda. A bateria já estava acabando, e o portão do curso fechando. O guardinha entrou para dentro do prédio, e meu coração afundou dentro do peito. Mordi com força os lábios por que isso era a única coisa que poderia fazer ali.
A rua de mão-dupla era movimentada, mas o local quase deserto; porque a maior parte das construções ao redor ainda não estavam prontas. Era como se fosse uma passagem antes de entrar na cidade, sabe? Quem decidiu construir um colégio na caramba que lhe fez, eu não sei.
No primeiro assobio de um cara em um moto, eu revirei os olhos e caminhei em sentido contrário a ele. Ainda estava tudo bem. Era só respirar bem fundo. No segundo, fiz a mesma coisa, mas desse vez a moto andou mais devagar. Eu vi por cima do ombro o homem olhando para trás. Ele assobiou. O som saiu abafado pelo capacete. Meu ar saiu abafado pelo medo que eu já não podia esconder.
Medo de que aquele homem descesse da moto e eu vivesse o que outras meninas viveram. Medo de depois, quando chegasse em casa, meus pais não acreditassem que eu não tinha feito nada para provocar ele.
E ele se foi. E eu respirei fundo. Mordi os lábios com força para conter as lágrimas. Não iria chorar. Tudo bem. Estava tudo bem.
Um carro passou. Vários carros já tinham passado. Estava tudo bem. Mas esse parou. Era um senhor e outro rapaz, deveria ser filho. Ofereceu carona, e talvez tivesse boa intenção mesmo, mas ninguém anda com crachá de confiança...
Eu nem respondi direito. Disse que "não, obrigada" e sai. Na verdade, fui para o outro lado da rua. Procurei com os olhos o guardinha. Precisava de um pingo de segurança ou ia desmaiar ali mesmo de medo.
O ar já faltava. Já tinha se ido mais de uma hora naquilo.
Como não encontrei ninguém, voltei para o outro lado. Era naquela faixa que o ônibus ou algum carro que fosse pago ia passar.
Me apoiei em uma árvore, cansada, com medo e com fome. Vi uma pedra no chão e não pensei duas vezes, a peguei e escondi atrás do outro braço.
Parecia bobagem minha, agora, enquanto escrevo isso, vejo que não era. Nunca foi. Poderia não acontecer nada comigo, mas o medo que sentia era real. Se alguém tentasse me agarrar, a pedra não seria nada. Mas era meu potinho de esperança de sair inteira. De conseguir correr. E achar alguém que não fosse um homem.
Por que, desculpa, mas para uma garota de 17 anos, sozinha, sem um celular para ligar pedindo socorro, tudo que ela menos quer fazer é pedir ajuda para aquilo que ela tem medo.
Um homem passou por trás de mim, uns três metros atrás. E eu senti todo o corpo gelar. Quase corri no sentido contrário a ele. Só consegui respirar fundo quando vi que ele estava indo e não parando.
E aí apareceu uma colega do curso. Ela se apoio na outra árvore e disse que ali era perigoso. O que era 80% medo pulou para 200%. Não demorou meia hora e o ônibus dela chegou. Ela subiu no ônibus, deixou um tchau para trás e foi.
Eu não. Eu ia ficar mais três horas ali, em pé, com fome, com medo, andando para lá e para cá para disfarçar que eu era uma garota sozinha, sem previsão de ir embora. Vários carros pararam, vários caras assobiaram, várias motos ameaçam parar, e quando alguém me diz que isso não é um assédio, essa pessoa não entende o medo que eu senti. Ela não imaginou toda uma cena, não pensou que iam ligar para o seu pai e avise que não ia voltar para casa aquele dia. Dia. Porque não era noite. E eu não era uma mulher. Eu era só uma menina que queria voltar para casa, se embrulhar no cobertou e pensar que nunca mais ia ter que passar por aquilo.
Eu cheguei em casa bem, depois de horas, só que, quando se é mulher, a gente sabe que recebe isso e muito mais. E nem sempre chega em casa bem.
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