No escritório
Acolhe-me o conforto desta cadeira castanha, perante as sobras do pensamento que derramo sobre o papel branco que me apara as palavras camufladas pela censura do meu subconsciente. Paro para pensar que há muito que não paro para pensar! Penso, por exemplo, que nunca cheguei a pensar-me sentado nesta cadeira castanha de cabedal que quase se deita para que eu sobre ela descanse o meu corpo não cansado. Imaginei-a eternamente do meu querido velho pai sem me lembrar nunca que as pessoas se cansam das coisas que fazem. Aos trinta e oito anos de idade, olho à minha volta e vejo um escritório apetrechado das mais variadíssimas tecnologias japonesas e materiais de ponta japoneses e americanos para se fazer quase tudo o que se pode fazer num escritório, sem no entanto se fazer quase nada. Ser dono da ‘Editorial Leal Livros’ exige-me ler algumas coisas, mas ler não é tanto um trabalho, eu antes o consideraria um prazer. Já em pequeno, qual criança de dois meios metros, me imaginava dono de uma grande casa na qual coubesse uma enorme divisão só para encher prateleiras de livros de banda desenhada. Com o passar do tempo e o respectivo andar do calendário, descobri que a essa mesma divisão, os adultos chamavam de biblioteca. O sonho de criança transformado em sonho de adolescente, foi tirando o super-homem e o homem-aranha das capas dos livros e começou a transformar os quadradinhos coloridos em poemas de Camões, Bocage, Fernando Pessoa, Miguel Torga, Florbela Espanca ou mais recentemente, em histórias contadas por Virgílio Ferreira, Pepetela, José Saramago, Lobo Antunes, Júlio Verne, Patrick Süskind e Paulo Coelho, por exemplo. Sorte minha ou da criança que em mim ainda vive, que este era mesmo o ramo da família Leal: os livros.
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