1.4 / Isso não é um encontro
São Paulo
Julho, 2017
Ontem recebi um convite inesperado da Lavínia. Ela quer que eu aceite cantar no bar do seu tio para perdoá-la por suas demonstrações exageradas de afeto. Ela pareceu bem sincera quando disse que vai guardar o amor que sente por mim em segredo. Sim, essas foram as palavras exatas que ela usou. Segurei a vontade de rir quando ela mencionou a palavra segredo, como se a DóRéMi Music inteira não soubesse desse apreço — ou obsessão — pela minha pessoa. Ela confessou que a minha mãe quem a fez perceber que essa história estava indo longe demais. Falei que não sou a pessoa certa, mas que torço para ela encontrar alguém e que seja feliz com essa pessoa. Fico aliviado em saber que ela finalmente entendeu a situação. Por outro lado, fico triste por não corresponder novamente aos sentimentos de uma garota, ninguém merece ter o coração partido. Isso me fez pensar sobre o porquê eu não tenho a habilidade de ser recíproco com outra pessoa. Qual é o meu problema? Não quero morrer sozinho, quero ter a sorte de me apaixonar também. O pior vai ser caso eu me apaixonar e o amor não ser mútuo, a garota em questão não me amar também. Karma pode ser real. Quero que o universo saiba que eu não agi propositalmente assim com a Ingrid e com a Lavínia, simplesmente não rolou.
Sei que a forma da Lavínia de me pedir perdão foi com um convite para me apresentar no bar do seu tio. Mas, convenhamos, ela achou mesmo que alguém fica satisfeito de liberar o perdão tendo que trabalhar? Estou com expectativa lá em cima com esse estabelecimento. Na condição que estou tendo a honra de cantar e tocar lá, o lugar só pode ser para pessoas grã fina. Se é conforme estou pensando, será que essas pessoas vão gostar do meu som? Não quero fazer feio. Deus me livre o Mushu apontar o dedo na minha cara e dizer "desonra pra tu, desonra pra tua família e desonra pra tua vaca!". Poxa, eu ainda não tive a chance de ter uma vaca e já estou desonrando a Mimosa.
Meia hora atrás eu recebi a seguinte mensagem da minha admiradora nada secreta:
Benzinho, você vai ir mesmo ao Casa de Família?
Minha melhor amiga disse que se a Lavínia está seguindo o manual de "Como perder um homem em dez dias", está tendo sucesso. Não entendi a referência, mas acabei concordando. Respondi a mensagem dela com a confirmação do convite. Ficou combinado que iremos nos encontrar no local, ela soltou indiretas para eu buscá-la em sua casa, mas recusei essa opção com a desculpa que podemos pegar trânsito — por eu ter que desviar da rota — e chegarmos atrasados. Lavínia teve que se contentar em me passar o endereço e acreditar que estarei lá. Depois que tomei banho, vesti roupas casuais, calcei os tênis e guardei meu violão na capa. Não sei se lá tem o instrumento e, de qualquer forma, já estou acostumado com o meu.
— Você não quer ir mesmo, Ingrid? — pergunto pela terceira vez. Tenho esperança que a minha insistência vai mudar a decisão dela.
— É melhor não. Não vou com a cara dessa garota e não quero causar confusão. Olha, já vou ir para a minha casa, depois devolve o pote para a minha mãe. Não esquece.
Há quarenta minutos ela veio aqui para trazer doces e não foi embora desde então. Durante o tempo que ela esteve aqui conversamos sobre o trabalho dela, a minha faculdade e, o nosso assunto em comum que temos sempre, minha afilhada Íris. Agora preciso lembrar de devolver o pote.
Deixei o carro em um estacionamento pago e enviei uma mensagem para a Lavínia avisando que já cheguei. O Casa de Família fica em um bairro bem badalado da cidade. Chego ao estabelecimento e ela já está me esperando na porta.
— Felipe, que bom que você veio. Vem. — ela segura em minha mão — Reservei uma mesa para a gente.
Estou aqui há menos de um minuto e já cheguei à conclusão que o bar pode ser quase tudo, exceto casa de família. Há pessoas fumando e bebendo horrores, acho que daqui elas vão direto para o hospital se continuarem nesse ritmo. Garotas seminuas fazem uma apresentação de dança sensual ao som de um rock internacional. Tenho a impressão que estou em uma realidade paralela. Garanto que nunca vi nada igual. É, as pessoas provavelmente não vão curtir o meu som. Não precisa ser um gênio para saber que o nome do estabelecimento não combina em nada com o clima do lugar.
Passamos por pessoas de todos os estilos durante a nossa caminhada até à nossa mesa. Em uma das mesas ao nosso redor, tem uma galera gritando "Vira!" para uma garota de cabelos vermelhos que está bebendo direto da garrafa, ela bebeu tudo de uma só vez. Em um canto mais afastado está acontecendo uma comemoração de aniversário, uma adolescente com no máximo dezesseis anos, eu suponho, está entre as mulheres da festa. Aqui não é mesmo um lugar apropriado para alguém dessa idade.
— O que vocês vão querer? — o garçom grita para que possamos ouvir.
Não tenho ideia do que está mais alto. A galera gritando atrás ou o rock que está tocando. Como não tivemos acesso ao cardápio, escolhi qualquer bebida sem álcool. Que tipo de lugar é esse?
— Eu quero uma dose de tequila. — a responsável por eu estar aqui, faz seu pedido.
— Não posso beber nada que contém álcool, mesmo eu estando em um bar, preciso dirigir para voltar para a minha casa. Ah, que horas eu vou apresentar? — até agora não fui informado sobre nada.
— Depois que isso — ela aponta com desdém para as dançarinas — acabar. Benzinho, você quer guardar seu violão na área de funcionários?
— Não, obrigado. Prefiro que ele fique perto de mim.
Eu deixei o violão apoiado na parede. Não está incomodando e nem servindo de obstáculo para nada. E, além do mais, não confio deixar ele com alguém que não conheço.
— Todos os dias tem essa apresentação?
— Somente aos finais de semana. Meu tio paga essas periguetes para atrair mais clientes. Se esse show horroroso está te deixando incomodado, — ela inclina o corpo para frente ficando poucos centímetros longe de mim. Por um momento quase me deixei levar, mas percebi o erro antes de cometer e afastei minha cadeira para trás — nós podemos ir para um canto mais reservado até chegar a hora de você cantar. — ela passa as pontas dos dedos no meu braço.
— Acho melhor não. Essa música já vai acabar.
O garçom volta com nossos pedidos. Ele trouxe um refrigerante para mim e a tequila dela. Estranhei quando ele depositou na nossa mesa mais seis doses de tequila, antes de dizer que ele estava equivocado em relação aos pedidos, ele apontou discretamente para uma mesa e disse que era cortesia das garotas para mim. As garotas são as que estavam fazendo uma festa de aniversário há alguns minutos atrás, olhei para elas desconcertado e elas acenaram para mim e mandaram beijos.
— O que? Será que elas não estão vendo que você já está acompanhado? Naldo, diz para elas que o Benzinho já tem namorada. Como elas ousam se atirarem em você na minha frente? — Lavínia fica tão furiosa que começa a ficar vermelha. Sorte a minha não ser o alvo dessa fúria.
— Tenho? Estou sabendo disso agora. Lavínia, você sabe que isso não é um encontro, não sabe?
— É, eu sei. Infelizmente não é. Ainda não superei o fato de você me rejeitar. Eu nunca fui rejeitada na minha vida. — ela bebe três doses da bebida de uma só vez — Eu sou legal, divertida e gentil. Por que você não me quer?
A apresentação das garotas chega ao fim e o tio dela aparece na nossa mesa. Isso me poupa de ter que explicar para ela novamente o porquê nós não vamos dar certo.
— Você é o rapaz que vai cantar aqui, né? — ele pergunta.
— Sou eu sim.
— Já está na hora. Pode subir no palco.
— Vai lá, benzinho! Arrasa. — ela grita e bate palmas. Acho que até o fim dessa noite vou perder um pouco da audição.
Levanto da cadeira e pego o violão. Sério mesmo que eu vou fazer isso? Não estou gostando desse lugar e tenho certeza que isso não vai me ajudar a divulgar o meu trabalho e muito menos o trabalho dos meus pais. Eu deveria ter dispensado o convite quando tive a chance e ter ficado somente com as desculpas dela. Antes de dar um passo em direção ao palco, tudo fica escuro de repente e Lavínia grita por mim com a voz totalmente aguda. Não sei o que está acontecendo, mas pelo menos não vou precisar cantar.
— Estou aqui, não fui para lugar nenhum. Foi só uma queda de energia, fica calma.
Se ela continuar gritando vou realmente me esconder para ela não me achar. Tateio o bolso da jaqueta e tiro o meu celular. Acho o aplicativo que tem a opção de lanterna e miro na minha frente, para ver se consigo identificar o que ocorreu. Várias pessoas estão gritando e tentando achar a saída. O Casa de Família virou um verdadeiro tumulto. Ouço gritos de socorro e não consigo identificar de onde vem. Não acredito que isso está acontecendo em um lugar com várias pessoas bêbadas sem a menor chance de se cuidarem sozinhas.
— Benzinho, me ajuda, por favor. Eu tenho medo de escuro. — ela me abraça muito forte e eu sinto falta de ar.
— Será que dá para você diminuir a força do abraço? Você está malhando?
— Por que? — ela diminui a intensidade da força. Graças a Deus — Você prefere as mulheres que vão à academia?
— O quê? Não. Esquece. — seguro em sua mão — Vamos tentar sair daqui.
Peço para ela segurar o meu celular e com dificuldade coloco o violão nas costas. Nunca pensei que fosse tão difícil fazer isso. Pego o celular de volta e ilumino com a lanterna a nossa frente. Antes de darmos dois passos na direção que eu acredito que seja a saída, a lanterna não está resolvendo muito, ouvimos barulhos de sirene e mais gritos. Fala sério. Tem como essa noite ficar pior do que já está? A luz volta e eu olho ao redor para ver o estrago que a queda de energia fez. Mesas, cadeiras e garrafas estão jogadas no chão, algumas pessoas estão machucadas e outras estão tão bêbadas que não fazem ideia de onde estão. É, ainda tem como piorar, dois policiais entram no bar e começam a ditar ordens.
— Parados aí! Se alguém der mais um passo eu vou atirar. — o policial mais baixo e barrigudo avisa.
— Não é melhor dispensar o pessoal e deixar só o proprietário aqui? — o outro policial diz.
— Recebemos denuncias sobre a algazarra que está havendo aqui. Perturbação do sossego. — o primeiro policial continua seu discurso — Quem é o responsável pelo bar?
— Sou eu. — o tio da Lavínia, até agora não sei qual é o seu nome, aparece para desafiar os policiais.
— Ótimo. É melhor todo mundo sair daqui agora. Se ficar mais alguém aqui além do proprietário, vai ter que se resolver comigo.
Imediatamente todos que estão conseguindo ficar de pé correm para fora do bar. Puxo a Lavínia para sairmos depressa também. Chegamos na calçada e ela me abraça mais uma vez.
— É uma pena que na primeira vez que saímos juntos acontece uma coisa dessas. Podemos marcar outro encontro?
— Depois do que aconteceu hoje, quero ficar mais tempo em casa. E, desculpa, mas isso não foi um encontro. Eu vim porque você insistiu para que eu te perdoasse.
— Eu sei, desculpa por agir assim. — ela sorri — É força do hábito. Sua mãe está certa, vou seguir o conselho dela. Mas nós podemos ser amigos?
— Podemos. — se isso quer dizer que ela vai parar com esse comportamento, eu aceito.
— Amigos com benefícios?
— Não. — respondo o óbvio — Vamos para o estacionamento. Vou te levar para a casa.
Eu ficaria mais feliz se essa noite não passasse de um pesadelo maluco. Infelizmente tenho que lidar com o fato de que tudo que aconteceu é real, nada foi fruto da minha imaginação. Espero que não aconteça mais nada esquisito hoje, a cota de bizarrice já expirou. É pedir muito ter um fim de noite tranquilo?
♡
Oi, pessoal. Vocês estão bem?
Acho que se eu ouvir a palavra "benzinho" novamente eu vou surtar. É o penúltimo capítulo da maratona, estamos chegando ao fim, infelizmente. Quando o livro estiver na reta final talvez eu faço outra. Gostaram da ideia?
Não esquece de deixar o voto.
Beijinhos e até amanhã! 😙❤
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