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XVIII - Maravilha


A algazarra da festança ressoava pelos corredores do hotel numa batucada frenética e selvagem. Entre os sons graves da música que sublinhava a celebração havida entre as paredes daquele quarto soavam gargalhadas e berros. Mike parou longe, calculando uma distância segura daquele antro. Enfiou as mãos nos bolsos do casaco e hesitou se deveria aproximar-se mais. Sentia-se zangado e desiludido, mas ele não mandava em ninguém naquela enorme comitiva que acompanhava os Linkin Park em mais uma digressão por terras europeias.

Ao fim de quatro álbuns de estúdio em nome próprio, mais algumas colaborações e outras aventuras musicais, quase onze anos passados depois da publicação do seu primeiro disco, era inegável afirmar que os Linkin Park tinham alcançado o sucesso interplanetário e intergaláctico reservado às grandes e míticas estrelas da música popular. Milhões de discos vendidos, uma legião de fãs absurdamente leal, concertos esgotados, recintos cheios de gente ansiosa por ouvi-los e vê-los que cantavam as canções de cor do princípio ao fim, espetáculos imponentes de luz e de som, uma fama imensa, reconhecimento pela crítica e pelo público.

Se tinham nascido na Internet, com a divulgação tímida, mas persistente, de um primeiro EP de autor com um punhado de faixas, continuavam omnipresentes na rede global, sendo das bandas mais pirateadas de todos os tempos. Viviam nessa espécie de clandestinidade autorizada e apreciavam essa coroa que irritava os grandes executivos das empresas que só viam o lucro. Eles, todavia, não se focavam somente nos proveitos financeiros. Ele, Mike Shinoda, de certeza que não o fazia. Continuava a promover o êxito dos Linkin Park por essa via dúbia de exposição autorizada e não autorizada, através dos seus admiradores. Sabia que eram tanto uma banda underground como mainstream. Tudo contribuía para a sua glória, por que motivo iria cortar a veia que fazia correr o sangue que alimentava o corpo desse monstro?

No fundo, eles continuavam a ser os mesmos rapazes idealistas, simples e práticos do início do milénio. Viviam para a música, respiravam a música, queriam, sobretudo, tocar a sua música para mudar o mundo. Era esse o seu grande objetivo, a sua magna utopia. Cantar e mudar consciências.

Ele não se tinha desviado desse caminho e sabia que os seus companheiros também não. Era reconfortante que passados todos aqueles anos ainda estivessem em sintonia e que conseguissem ser criativos. Cada álbum novo era uma nova experiência no estúdio, um passo dentro de uma nova dimensão.

Com a grandiosidade, porém, vinham todas as outras coisas menos boas – como os excessos, a pressão, os pecados. Como aquela festa espontânea que convocara alguns daqueles que faziam parte da digressão, entre técnicos, assessores e diretores. E membros da própria banda.

Estavam em Moscovo, finais de junho, o ano era 2011. No rescaldo de um concerto inédito em plena Praça Vermelha. Tinham arrasado, tinham dado um espetáculo memorável que iria figurar nos anais da história dos Linkin Park. Chester cantara como nunca, fora um autêntico animal de palco. O público estivera completamente comprometido com eles, respondendo a cada gesto e a cada música. Até lhes fizeram uma surpresa magnífica. E, estando em Moscovo, sabiam como o povo russo podia ser hospitaleiro e generoso. Até demais. Vodca e mulheres deslumbrantes e era a receita prévia para o desastre...

Mike inspirou profundamente e girou sobre os calcanhares, disposto a não se irritar mais. No dia seguinte regressavam à estrada e ao trabalho. Aquela noite seria esquecida, ele faria por isso. Na verdade, todos iriam preparar o próximo concerto juntos, como sempre o faziam e apenas haveria uma ressaca aborrecida a contribuir para criar algum atrito. Só isso... e seria mais do que suficiente.

- Ei, já te vais embora?

Olhou para Dave Farrell, que tinha Phoenix por alcunha, o baixista da banda. Penteava atabalhoadamente o cabelo ruivo com os dedos e caminhava apressado para se lhe juntar, vindo de outro corredor.

- Nem sequer devia estar aqui... – respondeu Mike. – Estava a jogar "Call of Duty" com o Joe e o Rob no meu quarto e nem sei porque resolvi descer até este piso.

- Muito barulho, hum? Foram incomodados pelo barulho?

- Nem por isso... Consigo ouvir as risadas do Chester ali dentro.

- Vieste buscar o Chaz? É por isso que vieste?

Mike empertigou-se.

- Claro que não. Tinha-o convidado para jogar connosco, mas ele disse que tinha coisa melhor para fazer. Pelos vistos, tinha mesmo. O Chester já é bem grandinho para saber o que faz e para cuidar de si.

- Para saber o que faz, concordo – disse Dave, a coçar o nariz. – Para cuidar de si... nós sabemos que não será bem assim.

- Phoenix... boa noite – suspirou Mike. Depois perguntou-lhe: – Ias para a festa?

- Já lá estive e já me fui embora. Pensei em voltar, sim... Posso chamar o Chaz.

- Deixa-o.

- Não queres vir comigo? Eu não deixo que te corrompam, Shinoda. O Brad está lá dentro. De certeza que o Joe e o Rob podem continuar a jogar sozinhos.

Nisto, a porta abriu-se, um barulho ensurdecedor invadiu o corredor e por pouco Mike não tapou os ouvidos com as mãos. Chester apareceu a gritar e aos tropeções, com um copo na mão. Alguém o empurrava, numa qualquer brincadeira imbecil. A porta fechou-se e Chester bateu no painel com os punhos, exigindo a reentrada no castelo.

- Ei, companheiro! – exclamou Dave para chamar-lhe a atenção.

Chester viu-os. Deparou-se com a carranca de Mike, teve uma ligeira hesitação. Percebeu a censura, ignorou-a. Levantou um braço e gritou, aproximando-se:

- Ei, Phoenix! Companheiro! Anda comigo, vais ajudar-me a ser reintegrado.

- O que foi que fizeste, Chaz?

- Nada, nada – contou mostrando a mão. Bebeu um gole de vodca que tinha no copo. – Porto-me sempre bem. O Brad está a causar uma anarquia ali dentro e eu é que paguei... Ei, Spike! Vieste à festa? Finalmente. Estava a sentir a tua falta, meu... Sem o meu Spike eu não funciono. Hum? Eu afasto-te das gajas russas. Merda, são mesmo boas... E andam a dar em cima de mim. Eu não sou de ferro, mas tenho estado a aguentar-me. Estou a portar-me bem. Ouviste-me, Phoenix? Tenho sido um menino bem-comportado. – E fez beicinho.

Mike revirou os olhos.

- Estás bêbado...

- Um bocadinho – admitiu. – É da porra da vodca. Sabes? Estamos na Rússia, temos de fazer turismo cultural e apreciar os produtos típicos do país, essas merdas. A vodca daqui é a melhor do mundo, certo? É um produto típico. Não é o que estás sempre a dizer, Spike? Que temos de provar os produtos típicos? Locais? Ou uma merda dessas.

- As matrioskas também são produtos típicos da Rússia.

- Isso bebe-se?

Dave gargalhou com a confusão dele. Chester estava suado, vermelho, alucinado, elétrico, imparável. Havia ali mais do que vodca, ele sabia-o. E Mike também o sabia. Não aguentando mais reter para si o que o fazia ferver por dentro, disse com rispidez:

- Chester, não achas que tem sido demais? Em Moscovo é a desculpa da vodca, noutro lado foi outra desculpa qualquer e há de continuar a ser assim. Tens bebido demasiado todas as noites desta digressão.

- Todas as noites, não, porra – defendeu-se Chester, ofendido. Tentou endireitar-se, mas estava demasiado ébrio para fazer uma demonstração convincente de autocontrolo.

- A maior parte das noites.

- O que foi? – E abriu um esgar desdenhoso. – Queres salvar-me? Queres continuar a salvar-me?

- Cuidado, Chaz – pediu Dave. – Não digas nada de que te possas arrepender depois...

- Eu digo sempre coisas de que me arrependo depois – cuspiu Chester. – Sou conhecido por dizer sempre as merdas que ninguém gosta de escutar, que ninguém tem coragem de dizer.

- Merdas que só aparecem quando bebes demais – refutou Mike.

- Oh, eu já sei... Costumo cantar a canção que me escreveste para me avisares, Spike. Costuma cantá-la e senti-la, em cima de um palco, para que todos vejam a minha desgraça. E eu mudei, não mudei? I hurt much more than any time before, I have no options left again. So I'm breaking the habit tonigh... Eu magoeei muito mais do que alguma vez o fiz, já não tenho mais opções. Então vou terminar com o vício esta noite...

Cantou alto, agastado e de orgulho ferido. Os olhos lacrimejavam, mas era impossível discernir se era da emoção ou da bebida. Provavelmente, resultado da última.

- Tu não queres ser essa pessoa, Chazy – disse Mike acalmando-se. – Tu queres ser diferente.

- Porra, quero divertir-me! – respondeu recuando e teria caído se Dave não o tivesse segurado, puxando-lhe pela camisa aberta, à qual faltavam alguns botões. Sacudiu-se para se libertar. – Quando é que eu vou cantar outra vez na Praça Vermelha, hum? Amanhã posso estar morto... Já te disse que vou morrer cedo e que vai ser uma morte violenta, Spike. Nem vais reconhecer o meu cadáver inchado quando for pescado do fundo de uma lagoa.

- Cala-te! Tu não sabes o que dizes!

- Não sei?! Por acaso estás dentro da porra da minha cabeça, Spike?

- Não preciso. Tu mostras tudo o que está dentro da tua cabeça, que é horrível e que te destrói.

- Pensas que é fácil? A minha batalha nunca termina! Se bebo, tenho algum alívio! Era assim com as drogas...

- É só uma fuga, Chazy!

- Tu és um idiota se julgas que sabes tudo sobre mim.

Mike empalideceu.

- Acho melhor parares – pediu.

- Não posso parar, merda! Se parar, sou engolido pela escuridão. Os demónios aparecem todos.

- Nem podes continuar assim! Achas que o álcool mata os demónios ou afasta a escuridão? Precisas de ajuda.

- E o que queres fazer? Queres levar-me contigo para o teu quarto? Prefiro as gajas russas, muito obrigado.

- Estás a ser grosseiro.

- Foda-se, Mike!

Chester lançou um daqueles urros medonhos e atirou o copo contra a parede, estilhaçando-o em mil cacos de vidro. O líquido escorria pela parede, nascido da mancha provocada pelo impacto. Numa fúria, pontapeou uma mesa que decorava a galeria, espatifando-a, partindo a jarra que existia sobre o tampo. Desferiu segundo pontapé e havia madeira a voar. Voltou-se para Mike, o rosto congestionado. Não era possível avaliar se iria chorar ou se iria estrangular alguém. Mike olhava-o, siderado.

Dave levantou um braço entre eles, para travar o que poderia vir por aí. Detestava ter de separar uma luta entre aqueles dois.

- Mike, para... Ele não sabe o que diz. Chester, estás a ouvir-me? Ei, companheiro. Estou aqui a falar contigo. Estás aí, desse lado?

Deu-lhe um soco amigável no braço e sorria-lhe. Chester estremeceu e foi como se tivesse despertado e os visse pela primeira vez. Acalmou-se de um instante para o outro, rasgou um sorriso apatetado.

- Chaz, eu volto contigo para a festa. Agora sou eu que irei cuidar de ti. Parece-me que já bebeste demais. Não precisas de aumentar a tua conta, já provaste a tua teoria. Vamos lá?

Chester passou os dedos pelos olhos, com cuidado para não deslocar as lentes de contacto. Emitiu um curto gemido, esfregando o estômago. Concordou:

- Vamos...

Animou-se, de repente. Pulava no mesmo sítio como se estivesse a saltar à corda. Agitou um dedo e contou:

- Está lá dentro uma mulher que cheira a flores. Passo-me sempre com mulheres que cheiram a flores. Lírios selvagens, estás a ver? Como aquela mulher que encontrámos em Nova Iorque. Lembras-te, Spike? Fomos para a cama os dois... com ela. Uma orgia. Estás a ver o Shinoda numa orgia, Phoenix? Como é que ela se chamava... Merda, não me lembro. Foi há muito tempo. Ela também cheirava a flores.

Dave abanou a cabeça, espreitando Mike que crispava a testa, desnorteado.

- Isso é impossível. O Mike nunca esteve numa cena de sexo em grupo.

- Oh, mas esteve. Comigo e com ela.

- Quando é que isso aconteceu?

- Em Nova Iorque... Há muitos anos. Muitos anos. Muitos... – Tentou contar pelos dedos, mas não lhe saía nenhum número decente.

Dave deitou uma breve olhadela ao Mike que revirou os olhos.

- Não me parece...

Chester desistiu de fazer dos dedos um calendário e puxou pelo cós das calças que estavam descaídas e que mostravam o elástico dos boxers.

- Flores. Gosto de flores. As minhas filhas que vão nascer vão ter nomes de flores. Lily e Lila. Lírios e lilases. Flores, meu! – Calou-se de repente, imerso numa nostalgia embriagada. – Queria tanto vê-la outra vez... Imagina que ela abre aquela porta. – Apontou para o fim do corredor, de onde Mike tinha vindo e este, assim como Dave, olharam para o lugar que ele indicava. – Imagina que ela volta. A mulher de Nova Iorque. Levo-a comigo para o quarto e sem pensar duas vezes... Ela ia acalmar-me os demónios e iluminar-me a escuridão, de certeza... Iria amá-la até o sol nascer. Merda. Que se lixassem todas as gajas da porra da Rússia inteira. Que se lixe a minha mulher grávida.

- Essa mulher existiu? – desconfiou Dave, perguntando-o a Mike.

Mike abanou a cabeça e foi-se embora. Só queria dormir, depois daquilo tudo.

Chester, esquecido do que tinha acabado de revelar, recuperou a sua alegria. Pendurou-se em Dave e os dois foram para a festa. Foi Brad que os acolheu à porta, rindo-se como uma hiena, perguntando ao primeiro se tinha gostado do castigo, empurrando-lhe uma garrafa de água gaseificada para a mão, completando que a sua sentença continuaria a ser cumprida. Nada de álcool. Dave concordou, nada de bebida para o Chester, e pediu uma cerveja para si.

***

- Não se importam de sair? Precisamos de falar a sós. Por favor? Obrigado.

Mike pousou o computador portátil no sofá e foi fechar a porta atrás dos operadores de câmara e de som, mais o tipo que controlava a continuidade das filmagens. Essa equipa estava a acompanhá-los na digressão para captar os momentos mais intimistas da banda e compilá-los numa série que era transmitida através do seu canal do YouTube, designada como LPTV – ou seja, a televisão dos Linkin Park.

Antes, Chester tinha-lhe pedido que o tirasse daquele sofrimento. Ele brincara que essa frase daria uma excelente letra para uma canção – e essa frase fazia, efetivamente, parte da letra de uma canção, "Given Up" que abria o álbum "Minutes to Midnight" – mas tinha bastado um olhar de relance para ver que as coisas não estavam bem. Ele compreendeu o sinal de alarme e pediu um momento de privacidade.

Voltou para junto do amigo. Apertou-lhe os ombros.

- Estás demasiado nervoso. Conta-me...

Chester saltitava sobre a alcatifa. Mordia os lábios e era incapaz de se fixar num ponto, embora tentasse por diversas vezes olhar para o rosto dele. Gotículas de suor orlavam-lhe a linha do cabelo.

- Sobre aquela noite, em Moscovo... Desculpa, meu.

- Esquece a noite em Moscovo. Prefiro recordar a tarde em Moscovo. Demos um grande concerto na Praça Vermelha. Aquela flash mob com os cartazes quando arrancámos com o "Wisdom Justice and Love" foi inesquecível. Os russos a exibir essas três palavras. Como uma exigência. Uma necessidade. Arrepiei-me todo. Incrível!

- Fui estúpido contigo, Spike.

- Esquece, Chazy. Eu também esqueci. Por enquanto... Iremos conversar quando estivermos em casa. Em Los Angeles vamos rebobinar o que aconteceu, vai ser a sério. Vamos falar muito a sério. Combinado?

- Pode ser... – murmurou.

- Não é por causa de Moscovo que estás nessa pilha de nervos.

- Não, não é – admitiu.

As mãos de Mike massajavam-lhe os ombros e ele deixou de saltitar. Mas continuava tenso e perdido num sentimento de descalabro e de ansiedade.

- É por causa do concerto desta noite, no festival iTunes, no The Roundhouse em Camden – disse Mike, encontrando a resposta à sua dúvida. – O que te incomoda? Não vai ser a primeira vez que faremos uma livestream, uns quantos milhões de espetadores... Não os vamos ver, por isso, esses olhos todos não nos podem incomodar. O lugar em si, onde iremos tocar, até será pequeno, um antigo armazém que pertencia aos caminhos-de-ferro ingleses. É uma sala espetacular. Quando formos realizar os testes de som esta tarde vais ver como é bonita e acolhedora.

Chester tinha os olhos escuros velados pelo medo. Mike percebeu, finalmente.

- É a canção da Adele...

- Sim. É a porra da canção da Adele! – confirmou o outro num grito.

- O que é que tem a canção? Tu canta-la muito bem. Já o fizeste na LPU Summit, em Hamburgo.

- Isso foi numa apresentação particular, para os nossos fãs.

- E agora vai ser uma apresentação um pouco maior. E continua a ser para os nossos fãs.

A olhar para o teto Chester soprou o ar pela boca. Mike largou-o, foi até ao teclado que estava montado no seu quarto do hotel. Chester aproximou-se da janela.

- Estamos no fim da digressão, meu... Sinto-me... triste. Foram dias muito bons. Claro que quero voltar à América, voltar para casa, estes europeus são esquisitos como o raio. Mas por outro lado, gosto bastante de estar na estrada com vocês. Sinto-me... Sinto-me mais livre. Feliz. Esta tristeza esmaga-me. Mal consigo respirar.

- Estás ansioso. Anda cá.

Tocou alguns acordes nas teclas.

- Vamos ensaiar a canção – disse. Chester continuou a contemplar o mundo através da vidraça. – Vais cantá-la para mim, primeiro. Depois, vamos deixar a câmara regressar ao quarto e vamos fazer o nosso filmezinho para a LPTV. A seguir, ficamos novamente sozinhos e vais repetir a porra da canção da Adele até que ela se torne na tua canção. Sem dramas. Tu mesmo disseste, quando pensámos em fazer esta pequena travessura e fugir da nossa zona de conforto, que teria de ser divertido.

Insistiu nos acordes, os primeiros que arrancavam com o tema.

- Eu irei ajudar-te.

- Mike?...

- Sim, Chaz?

Chester apertou o parapeito com força, baixou a testa até quase tocar neste, dobrando as costas num arco. Arquejava pronunciadamente. Não conseguia falar. O que quer que fosse estava atravessado na garganta, um punho massivo que o emudecia, formado por frases impossíveis. Dir-se-ia que ia rebentar a chorar, mas recuperou de repente. Afastou-se da janela, gritou, deu dois saltos.

O momento tinha passado, em parte. Mike disse-lhe:

- Eu posso repetir os acordes iniciais para que saibas o tom em que deves arrancar. Estás a ouvir-me?

- OK. Estou a ouvir-te.

- Duas, três vezes. As que forem precisas. Entretanto, anuncias a canção ao público. Algumas palavras espirituosas do tipo, estamos a fazer uma coisa diferente a que estamos habituados.

- OK.

- Vamos ser só nós os dois. Um momento nosso. Certo, Chazy?

- Certo, Spike.

- Como em Hamburgo. Eu e tu. No entanto, vamos fazê-lo diferente... Em Hamburgo fizemos uma mera versão da canção, a Adele podia entrar e cantar connosco, sem vacilar. Estaria confortável, era o terreno dela. Desta vez, em Londres, quero que seja a canção como se fosse dos Linkin Park, no nosso registo. O nosso terreno. Uma balada negra, de mágoa e rancor, de triunfo sobre os destroços do que se perdeu. Estás a acompanhar-me?

- Hum-hum... Uma balada negra.

- Agora, não penses... – Mike repetia os acordes. – Começa quando quiseres.

- Tenho de pensar, porra, senão como irei lembrar-me da letra?

- Pensa, então, só na música e na letra, Chazy. Não existe mais nada.

Chester abriu a boca e começou a cantar. O primeiro ensaio foi razoável, Mike sabia que ele podia fazer bastante melhor. Deu-lhe alguns conselhos inócuos, para não o acanhar. Indicações que resultariam no tal tema que seria em grande parte dos Linkin Park. As câmaras regressaram ao quarto, filmou-se o segundo ensaio. Chester estava notoriamente mais calmo. Sentou-se, fechou os olhos e cantou. Empregou mais alma, barrou as influências externas, a canção estava a insinuar-se no seu sistema. Crescia como a canção deles. O terceiro ensaio saiu pior do que o segundo, Mike não quis insistir. Passou-lhe confiança com um abraço fugaz. Disse-lhe que estava preparado. Nos testes de som daquela tarde no The Roundhouse iriam fazer um quarto ensaio. O definitivo.

No festival, Chester entrou devagar no palco. Era o momento. Chegou-se ao microfone. Ajeitou o auricular. Mike entrou pelo lado oposto, subiu para o estrado onde estava posto o teclado. Chester, nervoso, ajustou a altura do microfone e remexia constantemente no fio do auricular, ajeitando-o nas costas.

- Muito obrigado. Vamos fazer uma coisa muito especial para vocês, malta. Isto não é uma coisa que normalmente fazemos. Vamos tocar uma canção de um outro artista. Ela é daqui... Espero que sejamos justos na homenagem.

Mike fazia soar os acordes combinados. O público respondeu com entusiasmo.

Chester começou num tom acima. Revelava toda a sua ansiedade. Todos os seus receios. As falhas tão humanas. Mike chamou-o com um aceno. Os acordes, ele devia lembrar-se dos acordes. Uma oitava abaixo. O início seria suave. Depois logo viriam as notas mais altas, toda a chama. Chester percebeu. Engoliu a saliva, regressou à boca do palco.

E então aconteceu a maravilha...

Chester começou a cantar.


There's a fire starting in my heart

Reaching a fever pitch and it's bringing me out the dark


Existe um fogo a começar no meu coração

Que toma conta de mim e que me arranca da escuridão


Mais tarde, a canção tornar-se-ia a mais famosa de um EP editado a partir de uma compilação dos melhores temas que os Linkin Park tocaram nesse Festival, que aconteceu no dia do maior feriado americano, o Dia da Independência, o quatro de julho. Mais tarde, a canção serviria de exemplo derradeiro de toda a capacidade vocal de Chester Charles Bennington.

Mas antes de tudo isso, naquela noite, havia somente o supremo encanto da música.

Não era essa a ambição maior dos Linkin Park?

O mundo a cantar com eles.

A assistência assobiou, gritou, aplaudiu, deslumbrou-se. Clamou pelo nome de Chester, incitando-o e acarinhando-o. Pura magia!


Throw your soul through every open door

Count your blessings to find what you look for

Turn my sorrow into treasure gold

You pay me back in kind and reap just what you sow


Atira a tua alma através de cada porta aberta

Conta as tuas bênçãos para encontrares o que procuras

Transforma a minha tristeza em ouro precioso

Paga-me na mesma moeda e colhe o que plantaste


Durante a atuação, por um momento, Mike levantou os olhos do teclado que tocava numa precisão maquinal. Acordes fantasmagóricos e crus que compunham a estrutura nua. O verdadeiro som, naquele caso, caberia ao cantor. Seria a voz que preencheria todo o espaço deixado em branco pelos pilares da melodia rígida que os dedos de Mike erguiam. A construção paciente da canção. E Chester fê-lo, numa perfeição inigualável.


You're gonna wish you never had met me

Tears are gonna fall

Rolling in the deep


Vais desejar nunca me teres conhecido

As lágrimas vão cair

Deslizando pelas profundezas


Mike levantou os olhos do teclado e desenhou um pequeno sorriso. Estava orgulhoso e estava, sobretudo, encantado.

O seu coração enchia-se de afeição por aquele homem a quem ele tinha o privilégio de chamar de amigo. O melhor dos seus amigos, mesmo com todos os defeitos, com todas as desavenças e desencontros esporádicos.

Estava-lhe eternamente grato por ele fazer parte da banda que fundara.

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