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III - Recordações


No dia vinte de julho de 2018, quando se cumpria o primeiro aniversário do desaparecimento de Chester Bennington, Mike Shinoda ia fazer a sua pequena homenagem. Devia-lhe isso e sabia que todos, à volta do mundo, esperavam isso dele.

Não tinha, realmente, uma ideia precisa do que podia fazer, porque nada lhe pareceu suficientemente adequado ou realmente grandioso. Se fizesse uma tentativa mínima, apenas para cumprir a data no calendário, seria desrespeitoso, no seu conceito. De contrário, se fosse demasiado exagerado e elaborado, soaria a falso. E estava a dar cabo da cabeça para fazer qualquer coisa de jeito, pois o Chester não merecia que ele o desconsiderasse.

No fundo, ele sabia que qualquer coisa que fizesse, Chester iria gostar. Haveria de se rir e de apontar o defeito que ele não tinha sido capaz de antecipar, acrescentando que ninguém iria descobrir, pois só ele sabia ver os pecados escondidos na perfeição de Michael Kenji Shinoda. Haveria de lhe dar uma palmada nas costas e afirmar que era para isso que serviam os amigos, para se melindrarem uns aos outros com observações mesquinhas, e que ele não precisava de lhe agradecer.

O problema era que não queria fazer nada que acabasse por ser polémico. Não suportaria as mensagens de ódio e o desprezo daqueles que se julgavam sabedores do seu sofrimento. E, mais uma vez, Chester não o merecia.

"No photo is the right photo, no words are the right words".

Nenhuma fotografia era a fotografia certa, nenhumas palavras eram as palavras certas. E esse foi o mote que Mike arranjou para não se sentir tão oprimido com aquela obrigação – que, no fundo, não era nenhuma obrigação. Claro que haveria de deixar uma nota nas redes sociais naquele dia, um ano depois aquele dia terrível em que o seu mundo se afundara. O tributo constante fazia agora parte indelével da sua vida.

Estava sozinho em casa. A mulher saíra com os filhos e estavam todos com a Talinda, mais os filhos do Chester. Não quiseram passar aquele dia mergulhadas na nostalgia, especialmente Talinda. Tinham ido fazer uma viagem, espairecer, tentar fugir da reminiscência e da obrigação da homenagem. Estavam com as crianças, impunha-se alguma leveza no trato daquele assunto tão delicado. Ele ficara, com a responsabilidade da lembrança.

A Anna perguntara-lhe se ele se importava de ficar sozinho, ele respondera que não. Iria encontrar-se com o Brad mais tarde, que ela não se preocupasse. Mas ela estava obviamente preocupada. Dera-lhe um beijo na boca e assegurara-lhe que estava tudo bem. Já não lhe doía tanto.

Era verdade, estava tudo bastante melhor. Era mentira, ainda lhe doía. Ele conseguia encarar a dor, contudo, essa era a grande diferença. Olhar de frente sem pestanejar para a sombra negra da amputação que lhe fora feita a sangue frio.

Trouxera algumas caixas do sótão com velharias e pusera-se a revisitar as memórias que estas continham, durante a manhã. Velhos álbuns de fotografias, cadernos com rascunhos de canções, bilhetes de concertos de outros artistas, discos e cassetes com as primeiras gravações, medalhas, fitas e diplomas que representavam prémios de mérito conquistados na escola. Um panfleto que assinalava um antigo baile de finalistas. Palhetas de plástico corroídas pelo uso. Uma flauta velha.

Encontrou uma cassete de áudio TDK e riu-se com amargura. Os seus olhos estavam húmidos e se sorria era de pura emoção. Na etiqueta, escrito a esferográfica azul com a sua letra imberbe, estava "XERO – Rough Mixes". Pousou-a sobre a mesa e tirou-lhe uma fotografia com o seu telemóvel. Ficou a olhar para a cassete. Uma relíquia.

Alcançou um leitor de cassetes e inseriu-a. Carregou na tecla do play. A voz rouca de Chester encheu o espaço e ele sentiu-se transportar para o passado. Sentiu os cheiros a suor, a cigarro e a cerveja daquela sessão de improviso. Escutou os sons da corda da guitarra do Brad a partir-se e o palavrão que ele disse a seguir, enquanto chupava a ponta do dedo magoado com um vergão. A gargalhada do Rob quando as baquetas se lhe saltaram das mãos. O tempo tinha passado – mas eles sempre tinham conseguido convocar a mesma alegria de antes e eram tão unidos como naqueles dias inocentes, antes da fama. Mike limpou o canto dos olhos.

Tinha encontrado o que queria.

Entrou nas diversas redes sociais e seguiu a etiqueta #makechesterproud para ver o que acontecia naquele dia, na grande família Linkin Park. Encontrou o que esperava – as homenagens, as lágrimas, as saudades, as recordações, as partilhas, imensas imagens de objetos guardados com estima e orgulho relacionados com o grupo e com o Chester. Havia tributos programados em várias partes do mundo e ele emocionou-se novamente ao ver que se preparavam concertos com as canções dos Linkin Park em sítios dispersos pela Ásia, América do Sul, Central e do Norte e Europa. Até tinha sido criada uma página para juntar todos esses endereços no site oficial da banda. Era um acontecimento global e espontâneo que podia ser traduzido por uma única palavra: amor.

Distraiu-se e a manhã passou-se naquela divagação. Foi comer qualquer coisa quando Brad lhe ligou a confirmar o encontro. Estava mais do que confirmado, afirmou enquanto bebia uma chávena de chá depois de ter engolido uma salada. Não conseguia comer mais. Recuperara o apetite naqueles meses em que estava francamente melhor, mas nunca fora de comer muito. As suas refeições eram frugais e no verão passado pioraram. Deprimido e triste, esquecia-se de comer. Até de dormir. Emagrecera. O corpo ressentiu-se, ficou doente. Mentalizou-se que tinha de mudar e mudou. Dizendo de outra maneira, tentou regressar ao que era. Estava indo aos poucos.

Limpou a boca ao guardanapo e abandonou a cozinha, a fixar o ecrã do smartphone, arrastando as diversas janelas com o polegar. Verificava mensagens de apoio que estava a receber de amigos mais chegados e de outras pessoas, também. Iria despachar-se para ir ter com o Brad, mas lembrou-se que não queria deixar as caixas desarrumadas. Eram coisas pessoais, objetos que faziam parte da sua história e ele era muito cioso do que era dele. Não deixava ninguém tocar no que lhe pertencia num nível mais íntimo, nem mesmo a Anna. Por isso, regressou ao sótão.

Lembrou-se da publicação e fê-la, ilustrada com a foto da cassete.

A frase saiu-lhe numa inspiração súbita, agarrando no mote que definira previamente.

"No photo is the right photo, no words are the right words. I've spent the morning revisiting old memories and reading your posts about Chester. Thank you all for honouring his insane talent, unstoppable passion, and huge heart today. Keep your head up, and take care of yourselves".

"Nenhuma fotografia é a fotografia certa. Nenhumas palavras são as palavras certas. Passei a manhã a revisitar memórias antigas e a ler as vossas publicações sobre o Chester. Muito obrigado a todos por hoje prestarem homenagem ao seu talento inigualável, paixão imparável e coração enorme. Mantenham-se de cabeça erguida e cuidem-se".

Reparou que o vídeo que tinha sido disponibilizado nas páginas oficiais dos Linkin Park, mostrando vários momentos divertidos do Chester que tinham incluído as centenas de horas de emissão da chamada LPTV, também estava a ter grande sucesso, servindo como outro ponto de tributo. Respirou fundo e decidiu que bastava.

Começou a arrumar o conteúdo nas caixas que espalhara pela mesa e pelo chão, à medida que foi retirando os objetos à procura daquele que seria o mais apropriado para o dia. Ao agarrar num álbum de fotografias, daqueles antigos com folhas de crepe a separar as folhas de cartão onde se colavam as imagens reveladas em papel fotográfico, de má resolução e iluminação fraca, algumas desfocadas e com cores já desbotadas, caiu-lhe aos pés um pequeno envelope acastanhado. Ele olhou daquilo para o álbum que segurava na mão esquerda, tentando perceber o que acontecera e depois concluiu que o envelope estaria entalado entre as folhas do álbum.

Agachou-se e nessa posição abriu o envelope para espreitar para o seu interior e descobriu que guardava, efetivamente, fotografias. Eram quadradas, com uma moldura branca em redor, o verso preto, indicando que tinham vindo de uma máquina polaroid. Lembrou-se que o Brad tivera em tempos uma máquina dessas. Levantou-se lentamente, a pensar em levar o envelope para lhe mostrar, num prolongamento do sentimento nostálgico daquele dia, mas antes quis conferir que fotografias seriam.

Eram cinco. Quando olhou para a primeira, sentiu uma descarga elétrica que lhe retirou a força nas pernas.

- Oh merda...

Era ele, era o Chester. No meio deles, uma mulher. Todos três com um aspeto exaurido e satisfeito, apenas os seus rostos esbranquiçados, demasiado iluminados pelo flash.

Lembrou-se de como surgira aquela fotografia, do que tinha acontecido antes e corou até as orelhas lhe doerem. Passou para as outras quatro. Ele sozinho. Ele e o Chester, em duas fotos tiradas de seguida, pelo que eram quase idênticas, mudando apenas as suas posições relativas. O Chester e a mulher. Ia passando as fotos, colocando-as umas atrás das outras, regressou à primeira. Os três. Deitados. Bêbados. De sono, de álcool e de sexo.

- Merda... – repetiu.

Voltou essa foto comprometedora. Num dos cantos da moldura branca, no verso, com a letra gatafunhada do Chester, ele escrevera:

"Lilly, Mike e eu". Optara pelo verso, não pela parte da frente, onde usualmente se escreviam os apontamentos sobre as fotografias daquele tipo. Uma indicação de que quisera disfarçar o acontecimento, que não devia ficar exposto juntamente com a imagem.

Depois uma data. "Sept 99", o que significava que se tinham encontrado nesse mês e nesse ano. Setembro de 1999. Fez um esforço suplementar, espremeu o rosto e o cérebro. Sim, estava correto... Tinham feito uma visita rápida a Nova Iorque nessa altura, por causa de conseguirem um contrato com uma empresa discográfica. Talvez a mesma Warner Bros que os haveria de contratar depois de os ter recusado mais de uma dezena de vezes. Cinco dias, talvez seis. O dinheiro contado, dormiram num hotel que era uma espelunca. Só tinham ido três. Ele, o Chester... e o Brad. Depois aparecera ela. A Lilly. Fora o Chester que a levara porque a tinha conhecido... Como fora mesmo? Num clube, na rua. Uma sem-abrigo qualquer que tinha uns olhos encantadores e que dizia coisas sem nexo. O tipo de miúda que despertava a curiosidade no Chester. A Lilly.

O nome causou-lhe arrepios.

- Então, ela... ela chamava-se Lilly? – Abanou a cabeça, mal acreditando no que estava a redescobrir. – Por acaso não deste à tua filha o nome dela, pois não, Chester? Não... A Talinda nunca iria na cantiga... Estou a delirar.

Olhou para o teto do sótão e perguntou ao ar, como fazia ultimamente:

- Chester, a tua filha Lily não se chama assim por causa desta aventura que aconteceu há um zilhão de anos... certo?

Pensou um pouco e completou:

- Porque se o fizeste... Se deste a sugestão à Talinda lembrando-te desta noite, meu amigo... eras um sacana de merda!

Depois, riu-se, divertido, a imaginar a cena da escolha dos nomes para as gémeas. O Chester com aquele ar de anjinho, olhos muito sinceros, voz de fazer derreter as calotas polares: "E que tal Lily, amor? Gosto muito desse nome... Lily. Uma flor abençoada..."

Humedeceu os lábios esfregando-os um no outro.

Na realidade, Mike não se lembrava com detalhe de muitas coisas sobre essa curta viagem a Nova Iorque, ocorrida em setembro de 1999. Tinha sido, como ele ajuizara, há um zilhão de anos. Fora antes da fama, da explosão mediática dos Linkin Park, de se terem visto, de um dia para o outro, no olho do furacão da indústria musical mundial. Tinham querido mostrar as suas canções ao mundo, vender alguns discos, ganhar uns trocos para serem independentes financeiramente. Nunca julgaram que a receção seria tão avassaladora. Então, tudo o que acontecera antes era recordado muito vagamente – como aqueles dias em setembro de 1999.

Mas lembrava-se, isso sim, de como aquele conjunto de fotografias, guardadas num envelope castanho, lhe tinha ido parar às mãos. Lembrava-se muito vividamente. Foi o Chester que lhas tinha dado, algures em 2005. Convocara-o com uma mensagem apressada, dizendo-lhe que precisava da ajuda dele. E Mike fora ter à antiga residência do amigo, depois de este lhe assegurar que estava sozinho em casa.

Chester estava a divorciar-se da sua primeira mulher, Samantha, e a situação não estava a ser civilizada ou pacífica. Até à data tinham conseguido manter a imprensa afastada do acontecimento, ou pelo menos dos pormenores mais sórdidos. Chester já vivia com a Talinda, a mulher que motivara o fim do seu casamento, e evitava ao máximo a má publicidade. Ele não era de aguentar tudo sem protestar, contudo, e por vezes quando se cruzava com a Samantha a troca de palavras era violenta e irritada.

Ao chegar à casa, Mike olhou para todos os lados e perguntou se a costa estava livre. Chester confirmou-lhe que sim. A Samantha tinha-lhe pedido para levar, de uma vez por todas, as tralhas dele dali para fora, a maior parte das quais ela enfiara em caixas de papelão que estavam dispersas pela cave, como se tivessem sido colocadas ali a pontapé. Tudo o que não levasse naquele dia, ela iria atirar para o lixo. E ele dissera à ex-mulher que só iria ali se ela não estivesse e a Samantha tinha saído com o filho de ambos, Draven. Só regressaria à noite, pelo que ele teria tempo mais que suficiente para retirar as tralhas.

Chester trotou até à cave e Mike seguiu-o, de mãos enfiadas nos bolsos das calças, a olhar a medo para os cantos da casa, não fosse ele estar a mentir-lhe e aparecer a carantonha zangada da Samantha. Embora o silêncio que se estendia por todo o lado indicasse que eles estavam mesmo sozinhos. Menos mal. Não estava para aturar as merdas do ex-casal.

Na cave, estacou a olhar para um envelope castanho que Chester lhe estendia, semelhante àqueles onde se guardavam radiografias, só que mais pequeno.

- Preciso que me guardes isto. Vou levar tudo para a casa da Talinda, mas isso não posso ter comigo. A Samantha não costuma vasculhar as minhas coisas, daí que nunca tenha encontrado estas fotografias. Mas a Talinda é meticulosa e gosta de me organizar a vida... Não me importo, é até reconfortante saber que já não vou ter a preocupação de organizar as minhas meias... Foda-se, detestava quando a Sam me obrigava a arrumar as gavetas da minha roupa interior! Bem, a Tali vai se pôr a organizar o conteúdo das caixas que eu levar e se encontrar isto... Não quero dar explicações.

Mike franziu uma sobrancelha.

- O que está aí dentro?

Chester agitou o envelope na sua direção com impaciência. Mike agarrou-o. Apertou-o para criar uma abertura abaulada e descobriu cinco pequenos quadrados de papel. Fotografias.

- Não me lembrava de nada disso, Spike – confessou Chester, acanhado. – Mas quando vi as fotos... Porra, isso aconteceu-nos!

- Não te lembravas do quê?

- Vê as fotos!

Mike retirou uma. Mostrava-o ao lado do Chester a fazer caretas. Voltou-a e leu a anotação:

- "Mike e eu. Sept 99"... Onde estávamos em setembro de 1999? – perguntou, confuso.

- Em Nova Iorque... Fomos para lá com o Brad à procura da assinatura num contrato para sermos finalmente contratados pela empresa discográfica. E depois... ela estava lá.

- Ela?

Chester agitou as mãos e ele retirou uma segunda fotografia. Uma mulher estava ao lado do amigo, cabeças bem juntas. Mike piscou os olhos rapidamente. Sentiu o ar a fugir-lhe do peito. Reconheceu-a. E, sobretudo, lembrou-se. Finalmente compreendia o que tentava Chester contar-lhe.

- Merda...

- Uma granda merda – concordou o Chester. Apontou o envelope com um dedo, fazendo movimentos circulares. – E ainda há aquela fotografia...

- Aquela que tiraste depois de... depois de tu e eu... e ela...

- Yep. Está aí.

Mike vasculhou o interior do envelope. Eram só cinco fotografias. Retirou a tal. Três cabeças pálidas e embriagadas, numa felicidade artificial imortalizada numa imagem do passado. Silêncio entre eles. Mike não conseguia falar e Chester queria que ele fizesse todas as eventuais análises. Ele roía as unhas, mexia os pés e a sola das botas a raspar no chão empoeirado criava um som irritante. Disse, depois de cuspir uma unha, numa justificação tosca:

- Foi o Brad que me deu as fotos, pouco depois de termos voltado de Nova Iorque. Quando fizemos as malas, ele arrumou-as com a máquina fotográfica, que lhe pertencia. Só descobriu que eram fotos nossas... e da Lilly quando chegou a casa e não quis ficar com elas.

- Lilly?

- Era o nome dela. Escrevi-o atrás... Estás a ver? Onde ela aparece? A Lilly... Se não o tivesse escrito já não seria capaz de me lembrar de como a tipa se chamava. O Brad deu-me as fotos nesse envelope e nunca mais olhei para ele. Até agora, por causa de ter sido expulso de casa.

- A Sam nunca viu isto?

- Claro que não. Senão tinha-me enchido de perguntas... De certeza, Mike. Ninguém sabe do que aconteceu, a não ser eu, tu, a Lilly e o Brad.

- O Brad não sabe de nada. Ele estava a dormir.

- E mesmo que soubesse, não nos ia confrontar... Percebes agora por que tenho de te dar as fotos? A Tali mata-me se as vê!

- Só se lhe contares...

- Prefiro não ter de mentir, está bem? – ripostou Chester contrariado.

- Não tens de mentir sobre nada... Foi alguém que conhecemos em Nova Iorque e com quem tirámos fotografias. Nem sequer era uma admiradora porque não éramos ninguém, na altura. E a Talinda não precisa de conhecer a história por detrás da foto em que estamos os três com aquelas caras de...

- De sexo. A Tali é perspicaz.

- Vá lá, Chazy! – impacientou-se Mike. – A tua mulher não precisa de saber que estivemos os três na mesma cama. Só se lhe contares. Só se ela te perguntar.

- E ela vai perguntar. Não lhe quero mentir, já disse – insistiu Chester agitado e corado, levando o polegar aos dentes.

Mike observou-o por um momento.

- Existe mais qualquer coisa... Eu conheço-te. Agora és tu quem me está a mentir.

- Não te estou a mentir, porra.

- Mentir por omissão também existe, sabes?

- O que queres dizer? – E hesitou.

Realmente, Mike Shinoda conhecia muito bem Chester Bennington. Fixou-lhe um olhar analítico e carrancudo, acabou por descobrir a origem da apreensão dele.

- Estás curioso... E interessado. As fotos acenderam em ti aquela necessidade estranha de te atirares de cabeça para a fogueira, mesmo que saias de lá chamuscado. Tu queres ver outra vez a Lilly... Tu queres estar com ela. Ainda julgas que vais reencontrá-la?

Os ombros do amigo estremeceram.

- Sim, julgas isso... – apontou Mike, assombrado. – Viste-a há séculos e continuas a pensar nela?

- Não penso nela – defendeu-se Chester, voltando-lhe costas. Suspirou alto, dobrando o pescoço, mirando a ponta das botas. Riu-se sem alegria. – Claro que não penso nela... Mais uma gaja para me atazanar os cornos? Já tenho duas, neste momento... Este divórcio está a mostrar o melhor da Sam... Bem, lembrei-me quando vi as fotos, OK? Foi como se... – Engoliu um seco. Estava com dificuldade em expressar-se. – Foi como se o que se passou em Nova Iorque, nesse ano...

- Foi em 1999... Seis anos.

- Mais coisa, menos coisa. Seis anos, sim. Foi como se tivesse acontecido ontem. Ela... A Lilly... Lembrei-me do que ela me disse, lembrei-me do que fizemos.

- Ei, Chazy... Eu estou casado e sou feliz. Não me queiras empurrar para a confusão...

- Calma, Spike. O segredo fica guardado. Fica nas tuas mãos... Percebes agora? Estou a entregar-te as fotos para que faças com elas o que quiseres. Não as quero mais. Podes rasgá-las, queimá-las, expô-las. O que quiseres... O segredo é teu agora. Voltar a ver a Lilly... Sim, queria muito. Fiquei todo nervoso só de a ter visto nas fotografias. Reencontrá-la... Nem sei como reagiria se a voltasse a ver... Provavelmente fazia uma figura e nem conseguiria abrir a boca. – Num arranque repentino, confessou: – Eu queria voltar a vê-la. Acho que cheguei a amá-la... Mas era um puto estúpido de vinte e poucos anos e não fui capaz de perceber. Só pensava na música, no sucesso. Estava empenhado. Então ela foi embora e eu não senti falta dela. Pronto, essa é a verdade. Já era casado com a Sam e depressa esqueci a Lilly...

Chester virou-se de repente e fixou o envelope nas mãos de Mike, que o tornara a fechar, com as fotografias dentro. Mastigava em seco e remoía uma sensação, uma memória. Coisas dele. Aqueles pedaços torcidos que guardava no seu interior e que nunca conseguia descartar totalmente para se sentir menos pesado. Os momentos que tinha passado com a Lilly, sozinhos, que ele nunca contara a ninguém.

Por fim, declarou:

- Ela vai voltar.

- Não vai nada voltar – cortou Mike, incomodado. Foram dias loucos antes da fama. Dias em que se comportavam como estrelas em ascensão do rock 'n roll, sem grandes preocupações com o decoro e com a responsabilidade. Agora, era tudo muito diferente. Tinham uma reputação a defender, tinham família. Demasiado a perder. Havia ainda o facto de Chester se mostrar tão perturbado e ele não podia alimentar-lhe a paranoia. Completou: – Nem sabes de onde ela vem, qual o nome completo dela... Deve estar ainda em Nova Iorque. Já nos reconheceu, seguramente, e se não veio atrás de nós nestes seis anos, não virá. Tenho a certeza. – Apertou o ombro do amigo. – Eu guardo-te as fotos. Descansa! E não as vou rasgar, queimar, nem sequer irei fazer uma exposição. Só se perdesse o juízo! As fotos ficam comigo. Se as quiseres recuperar...

- Não, Mike. Não quero.

- Está bem. Mais tarde, logo se vê. Daqui a outros seis anos. Combinado?

- Combinado.

A situação das fotografias estava resolvida. Mike colocou o envelope debaixo do braço. Disse-lhe:

- Emagreceste... Não te tens alimentado como deve de ser.

- Porra, Mike. Como queres que pense em comida? Um divórcio é uma merda!

Afastou-se agitado, vagueando entre as caixas.

- A minha vida está de pantanas... Estou aqui para escolher o que posso levar comigo, o que sempre foi meu... Esta já não é a minha casa. Faz as malas, otário, e some-te, levando as porcarias que te pertencem... Não queria que isto acontecesse. Os meus pais divorciaram-se e não foi bonito. E eu fiz tudo mal, como eles! Sou mesmo um merdas...

Mike abanou a cabeça, aproximou-se dele. Tocou-lhe nas costas.

- Para com isso, Chazy. Sabemos muito bem que não és um merdas. És um ser humano maravilhoso, um grande amigo. És o meu herói.

- Pois claro... Se fosse assim um homem tão maravilhoso não tinha magoado a Sam e o Draven... E todas as pessoas antes e pelo meio.

- A Talinda é a mulher da tua vida. Vais voltar a ser feliz. E se as coisas aconteceram assim, foi porque tinham de acontecer. E será o melhor para todos, verás.

- Também a Sam era a mulher da minha vida... E olha só o que aconteceu...

- O amor nunca é fácil.

- Nada é fácil, não é, meu amigo? – Olhou nos olhos de Mike que o puxou para si, colocando-lhe o braço sobre os ombros. Deixou-se receber aquele conforto. – Estou condenado a sofrer do princípio ao fim. A minha morte não vai ser pacífica. Uma coisa traumática e asquerosa.

- Chazy...

- Vais raspar o meu cadáver do asfalto ou coisa parecida.

Mike empurrou-o, chocado. Chester deu uma risada divertida. Sempre tinha preferido os temas negros, as trevas das noites solitárias, as maldições e os extremos. Numa afirmação dessa escuridão casara-se com a Samantha na noite de Halloween. Agora tudo terminava em amargura e desilusão, como é o fim de qualquer casamento. Depois de mais essa página inquietante Mike esperava que houvesse sol na vida dele. Calor, luz, tranquilidade. Acreditava naquilo que dissera – Chester iria voltar a ser feliz.

Ajudou-o a fechar as caixas, a enchê-las com o que faltava, a carregá-las para o carro. Beberam as últimas cervejas que estavam no frigorífico. Para que Samantha não ficasse zangada, Mike deixou uma nota, escrita pelo seu punho, na prateleira vazia, de que tinha sido ele a consumi-las. Deixou um bonequinho junto à assinatura que a iria amansar, de certeza. Chester dizia-lhe o contrário.

E foi assim que Mike Shinoda acabou na posse das fotografias tiradas num quarto de hotel em Nova Iorque, no longínquo ano de 1999, redescobertas entre as suas memórias naquele dia vinte de julho de 2018.

De facto, não chegara a rasgá-las ou a queimá-las e também ele se tinha, eventualmente, esquecido delas, do que significavam. Numa decisão repentina decidiu levá-las consigo na digressão que iria iniciar-se dali a dias.

Tinha um pressentimento de que iria precisar das fotografias.

Seria a Lilly que iria voltar, como o Chester lhe tinha dito?

Descobriu-o em Milão, em setembro, dezanove anos depois de ele ter conhecido essa misteriosa Lilly pela primeira vez.

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