Capítulo 6
O barulho incessante do despertador me acorda e toco o criado mudo em busca do bendito celular para apagar essa música horrível que coloquei como toque. Me sento na cama e observo o nada por alguns minutos antes de realmente levantar.
Lavo meu rosto e escovo os dentes. Coloco o uniforme do colégio que consiste em uma calça cáqui e uma blusa polo branca com vinho. Como hoje está meio quente, não preciso colocar o blazer da mesma cor do uniforme. Ainda bem, porque odeio esse tipo de roupa.
Depois de passar o desodorante e perfume, finalmente desço para tomar meu café da manhã. Como meus pais saem cedo para levar Emma e ir para os seus trabalhos, sempre tomo café sozinha. A escola dela é super longe e precisam sair daqui pelo menos meia hora antes de começar a aula ainda mais pelo fato de que o transito a essa hora é caótico.
Depois de comer, lavo tudo e deixo no escorredor de louças. Pego minha mochila, chaves da casa e o passe escolar para o ônibus, já que minha moto ainda deve estar no estacionamento da sorveteria.
Coloco meu fone de ouvidos e minha playlist preferida para tocar enquanto tranco a porta, cantando o refrão de uma música do Queen.
Quando me viro para sair, levo um susto enorme, fazendo com que meu coração quase salte pela minha garganta.
─Droga Joseph, você me assustou! –Grito e tiro os fones do ouvido, guardando-os de volta na mochila.
─Desculpa querida, não era minha intenção. –Me observa com olhos travessos. O que esse velhote tá aprontando agora?
Dou uma risada e digo que não importa enquanto dou um abraço carinhoso nele. Apesar de nos conhecermos ontem, um carinho pelo homem se apodera de mim.
─Veio me dar carona para o colégio meu amor? –Brinco e ele dá um tapa de leve no meu ombro.
─Na verdade não. Vim trazer sua moto. –Sua expressão é tão engraçada que percebo na hora que tem algo a mais. Como não vejo minha moto em lugar nenhum, levanto uma sobrancelha e espero pela explicação. ─Me acompanhe. –Pede e eu o sigo sem nem questionar.
Quando chegamos no portão, vejo seu carro estacionado a alguns metros mais abaixo e me pergunto o porquê de tudo isso, até que de repente um brilho me chama a atenção.
Minha moto está estacionada atrás do carro. A respiração abandona meu corpo quando a vejo. Está completamente reformada. A pintura que antes estava desgastada, brilha como nova. O banco preto exibe um couro novinho em folha e o guidão velho foi substituído por outro também de couro. As partes de metal também reluzem com a luz do sol e uma lágrima acaba escapando pela minha bochecha.
Joseph me entrega um capacete preto e o pego sem perceber.
Olho para o objeto e leio meu nome escrito em um grafite super maneiro.
─Joseph! Porque fez isso? –Pergunto emocionada.
─Não gostou? –Seu rosto fica triste e me dou um tapa mental.
─O que? É logico que gostei! Mas você não precisava ter feito isso, deve ter custado uma fortuna! –O abraço em agradecimento e ele me devolve o gesto.
─É o mínimo que poderia fazer depois de te atropelar, querida. Além do mais eu tinha algumas peças novas que não ia usar de qualquer maneira. –Outra vez a tristeza invade seu semblante, porém agora é diferente, quase... nostálgico.
─Obrigada, de coração. –Agradeço pela milésima vez, enquanto prendo a fivela do capacete na minha cabeça. ─Você deixou ela perfeita, como sabia do que gosto?
─Instinto. –Pisca um olho e pega minha mão. ─É um prazer ver um sorriso sincero brotar no seu rosto, criança. –Diz me pegando de surpresa. ─Agora se me der licença, tenho que levar minha netinha para a escola.
Agora que percebo, há uma criança dentro do carro, sentada em uma cadeirinha, com o cinto afivelado.
Me aproximo da janela e ela me cumprimenta com a mão. É uma menininha muito linda, morena dos cabelos cacheados e olhos completamente azuis. Uma combinação única. Parece ter quase a mesma idade de Emma. Ela é uma versão mais nova do avô, porém Joseph é completamente loiro dos olhos azuis. Me pergunto se ele tem um filho ou uma filha.
─Oi, me chamo Margo.
─Oi... meu nome é Faith. Você é motoqueira? –Pergunta curiosa e uma gargalhada acaba me escapando. ─Porque se for, eu acho o máximo. –Sua voz delicada não condiz nada com sua personalidade.
─Na verdade eu adoro motos, mas no momento uso somente como meio de transporte. –Pisco e ela me dedica um sorriso cumplice.
─Vovô disse que atropelou você ontem, espero que não tenha se machucado, ele é meio ceguinho sabe... –Brinca e agora é Joseph quem ri.
─Não me machuquei não, pode ficar tranquila. Bom, foi um prazer te conhecer Faith, agora preciso ir para a escola, e você também, não é mesmo?
Ela concorda e levo minha mão até a janela, em um cumprimento.
Agradeço mais uma vez a Joseph e combino com ele um dia para irmos ao parque com Faith e Emma, tenho certeza que minha irmã vai adorá-la.
Depois que o carro deles desaparece na rua movimentada, dou a partida na minha moto e quase choro de emoção ao sentir o ronco do escape como se fosse uma moto completamente nova. Como ele conseguiu arrumar tudo em tão pouco tempo?
Balanço minha cabeça e dou risada novamente sem acreditar no que estou vendo. Quem diria que ser atropelada teria suas vantagens? Joseph foi tão gentil comigo que fiquei até impressionada.
Minha perna ficou meio dolorida pela caída e o médico me deu um atestado e não vou poder jogar por alguns dias, o treinador vai surtar.
Com certa dificuldade dirijo pela cidade escutando minha playlist novamente e cantando em alguns pontos das músicas que sei.
Chego na escola um pouco atrasada alguns minutos depois e tenho que ir direto na diretoria explicar o motivo.
Entrego uma cópia do atestado que indica que sofri um pequeno acidente e ela assina a liberação do meu atraso.
Caminho mancando levemente e sinto meu braço doendo um pouco. Hoje de manhã encontrei uma enorme mancha roxa do antebraço e outra no meu pescoço, produto da queda, mas a do pescoço parece outra coisa que não tem nada a ver com uma caída.
Acabo encontrando Amanda no corredor e ela me olha desconfiada.
─Oi sumida! O que aconteceu? –Pergunta olhando diretamente para meu pescoço e logo depois me abraça.
Pondero se devo fazer uma brincadeira com ela ou se devo contar a verdade de uma vez.
Quando estou quase abrindo a boca, Melina aparece caminhando ao lado de Alex.
Ela me lança um olhar de nojo e dou uma risada sinistra para a garota.
─Olha só, a devoradora de suggar daddies. –Diz me encarando e Amanda vira o rosto para mim com os olhos arregalados.
─Oi Melinda, sinto uma pontinha de inveja? –Provoco e Alex faz uma careta como se tivesse vendo algo nojento na sua frente.
─Na verdade não querida, aquele velho feio deve estar todo enrugado... mas sabe deixar um chupão né? –Aponta para o meu pescoço e caio na risada novamente.
─E sabe mesmo viu... –Rio do duplo sentido, porque no final das contas o hematoma foi provocado por ele mesmo. ─Aposto que beija melhor que muita gente por aí. –Levanto a sobrancelha para Alex que até então estava calado. Ele se aproxima bem lentamente de mim e sussurra no meu ouvido.
─Você diz isso porque ainda não provou meu beijo, posso te garantir que é melhor do que muito velhote por aí, deveria se valorizar mais, Marjorie, não acho que seus pais gostariam de saber que a filha anda com qualquer um. –Sinto meu corpo inteiro se arrepiar com essa proximidade e dou um empurrão seco no garoto que revela um sorriso quase igual ao do coringa.
Melina praticamente lança fogo pelas ventas quando vê que o namorado estava quase em cima de mim. Amanda continua perplexa e minha vontade de rir é tanta que solto uma tremenda gargalhada que chama a atenção de alguns professores. Três pares de olhos me observam sem entender nada.
─Não tenho que dar satisfação para vocês, cobras, mas eu fui atropelada ontem e acabei caindo da minha moto, Joseph foi um amor e me levou no hospital, estávamos saindo quando te encontramos lá, -Melina sabe que estou falando com ela. ─Aliás, o que estava fazendo no hospital àquela hora? –Pergunto curiosa. Não tinha pensado nisso até agora.
─Não é da sua conta. –A garota responde simplesmente e sai pisando fundo. Alex fica para trás e me observa atentamente.
─Perdeu alguma coisa aqui? –Pergunto nervosa. Sua presença me tira do sério.
─Espero que não tenha se machucado. –Diz simplesmente e sai na direção oposta de Melina que o observa com ainda mais raiva.
─Você viu isso? –Pergunto e Amanda me olha ainda com os olhos arregalados. Isso está muito estranho.
─Como assim você foi atropelada e não me contou nada, Margo? Você se machucou? Está tudo bem? –Me lança uma enxurrada de perguntas e a arrasto para um canto mais reservado.
Explico tudo o que aconteceu e ela respira fundo quando conto que fiquei quase o dia inteiro fora de casa e que quando cheguei fui direto para a cama. Sequer tive tempo de pensar em ligar para ela e comentar o ocorrido. O dia de ontem foi um dos mais estranhos da minha vida, mas o mais estranho foi o comportamento de Alex a minutos atrás.
Adorei ver a cara de surpresa de Melina ao descobrir que provavelmente toda a fofoca que ela contou para o namorado era mentira.
Depois de alguns minutos conversando, uma professora chama nossa atenção e somos obrigadas a ir para nossa sala.
Quando a aula finalmente termina e temos que ir até a quadra para treinar, sequer mudo de roupa pois sei que não vou fazer nada hoje.
Entrego o atestado e Rogers me olha preocupado.
─Tem certeza que foi isso que aconteceu, Evans? –Pergunta desconfiado.
─O que mais poderia ter acontecido, treinador? –Respondo ofendida.
─Não sei...
─Por acaso acha que estou me metendo em alguma gangue de novo? Sussurro e ele suspira sabendo que peguei a sua indireta.
─Olha Margo, eu sei que você não faz mais parte do submundo, mas eu me preocupo com você...
─Eu sei treinador, e posso garantir que realmente fui atropelada, se quiser posso dizer a Joseph que venha confirmar a história...
─Quem é Joseph? –Pergunta curioso.
─O senhor que me atropelou, ele me levou no hospital e pagou tudo. –Levanto os ombros e ele respira aliviado ao constatar que estou falando a verdade, sou péssima para mentir.
─Bom, tudo bem, fique na arquibancada e observe os movimentos novos que vamos fazer ok? Quando estiver melhor, te ajudarei a aprendê-los.
─O senhor que manda. –Brinco e vou até a arquibancada, me sentando e dando graças aos céus por isso já que minha perna estava doendo bastante.
As meninas aprendem os passes rapidamente e caio na risada com algumas quedas das mais desastradas. É muito divertido ver o treino sem estar realmente nele.
Os gritos, os passes, os pontos feitos e comemorados... tudo isso me traz calma, por incrível que pareça.
Meia hora se passa e anoto tudo o que vejo em minha caderneta, com desenhos e posições, até que sinto uma presença do meu lado.
─O que quer agora? –Pergunto sem nem mesmo mover minha cabeça. Sei que é Alex, só pelo arrepio no meu corpo. Quão estranho isso pode ser?
─Eu...vim me desculpar pelo que disse mais cedo, Melina me disse coisas totalmente diferentes e...
─E desde quando se importa com isso, Alex? –O corto seca. Esse garoto deve ter fumado algo hoje.
─Na verdade não me importo, mas não gosto de mentiras. E fui sincero quando disse que esperava que não tenha se machucado.
Isso me pega de surpresa novamente, tanto que viro meu rosto tão rápido para olhá-lo que acabo ficando com um pouco de tontura.
Ficamos nos encarando assim por alguns minutos e percebo que seus olhos castanhos têm pequenas manchinhas verdes nas laterais, algo que nunca tinha visto. Ele também fica meio perdido e hipnotizado pelo meu olhar, não há como negar.
O que está acontecendo? Porque me sinto tão estranha com essa proximidade? Não gosto disso.
Um grito acaba chamando nossa atenção e ele se levanta rapidamente.
─Bom é isso, já fiz o que tinha que fazer. Aproveite enquanto ainda pode usar a quadra. –Diz e sai quase correndo do lugar. O pequeno momento de loucura passou e Alex voltou a ser Alex.
─Droga. –Suspiro e me levanto. Estou com a boca seca e preciso ir no banheiro.
Bebo quase dois litros de água e depois faço xixi. Volto para a quadra e para minha surpresa não consigo me concentrar em nada. Alex ronda meus pensamentos com suas atitudes totalmente fora do comum, e me pego imaginando se ele realmente quis dizer aquilo ou só falou aquelas coisas para me provocar.
Preciso de um remédiopara a dor, obviamente isso está nublando minha sanidade.
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