Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Não conte nada ao seu passado

— Lisa Manoban





Antes dessa cidade maldita entrar no caminho de Lisa, antes de Kai ou Jennie, antes de Rosé e Jisoo e antes de ter sido extraviada por um assassinato, Lisa morou em uma casa de verdade. Nada de trailers, motéis, garagens... Ela teve uma cama onde se deitava durante a noite e, quando acordava pela manhã, estava no mesmo lugar que dormiu, a paisagem era a mesma: fixa, segura e familiar. Isso fez com que a pequena se apegasse à rotina, algo que nunca teve nos seus poucos anos de vida. Improvisar fora a primeira coisa que aprendeu antes mesmo de falar.

Enquanto as crianças corriam, chorando até suas mães depois de cair e machucar, Lisa se levantava e procurava por conta própria uma forma de estancar o ferimento. Nunca poderia contar com Lawan para aquele tipo de coisa ou qualquer outra coisa que não fosse estritamente necessária, e ela nunca culpou a mãe por isso, por não ser uma mulher "normal", casada e do lar.

As circunstâncias nunca foram as melhores, elas não tiveram o básico para que formassem uma família, para que vivessem dignamente. Eram duas mulheres pobres largadas à margem de todo lugar que pisavam.

Às vezes, as pessoas não nasciam com sorte.

Lawan estampava sombras do que um dia foi, um rosto muito parecido com o que Lisa via refletido no espelho, e o olhar enviesado que recebia da mãe quando o álcool subia era o resquício de rancor por ter perdido a juventude tão rápido, por Lisa ter tirado tudo dela, sua jovialidade e as chances de ser alguém diferente. Lawan era cercada de tormentos tão reais que os únicos que a ajudavam era o cigarro e o álcool, e ela chorava constantemente, ainda mais alto na companhia de um cliente. Os gemidos dos homens se misturavam ao choro dela e chegavam aos ouvidos de Lisa, no quarto ao lado.

Às vezes, se imaginava acabando com aquilo, tirando o corpo frágil da mãe debaixo deles, mas nada fazia a não ser chorar também, pois era uma via de mão dupla: Lawan se via no rosto jovial de Lisa e Lisa se imaginava com o mesmo rosto sofrido da velha prostituta com o passar dos anos. A tailandesa não teria um destino diferente, era a herança dolorosa que amaldiçoava todas as mulheres da sua família.

Porém, voltando ao começo do capítulo, aos dez anos de idade, com uma cama para se deitar em uma casa de verdade, Lisa ousou achar que fosse diferente, que no fim não nos tornamos uma versão dos nossos pais. Lawan começou a namorar um homem bom e benevolente, um pastor, sem dinheiro em troca, apenas o puro sentimento que homens e mulheres trocavam desde o começo dos tempos. O amor romântico que passava nos filmes.

Lisa, com os cabelos castanhos e bochechas infantis, achou que esse amor não existia, pois o único amor que recebeu na vida era o que fazia a mãe vender o corpo para dar-lhe o que comer. Era só o que importava. Mas aquele homem apareceu e as deu uma casa, um teto e rotina, escola e amigos, por tempo o suficiente para Lisa aprender a viver com crianças da sua idade, a deitar a cabeça no travesseiro sem se preocupar com o amanhã.

Assim que acordava pela manhã, pedia bênção ao homem. Ele se sentava na ponta da mesa e não permitia que comessem antes da oração: "De manhã ouves, Senhor, o meu clamor; de manhã te apresento a minha oração e aguardo com esperança" ele dizia, os olhos fechados e as mãos entrelaçadas. Lisa e a mãe repetiam o versículo. Os cabelos do homem eram brancos e ralos e ele vestia camisas de botão, calças sociais e sapatos de bico. Lawan engraxava todos com zelo.

Em algumas noites, Lisa ouvia os murmúrios da mãe se misturando à escuridão e, pela manhã, alguns hematomas roxos estampavam o rosto dela. O homem mudava seu pequeno lembrete nestas ocasiões e dizia: "Mulheres, sujeite-se cada uma a seu marido, como convém a quem está no Senhor" e Lisa e Lawan repetiam o versículo.

Ah, o amor bíblico! É algo edificante, certo? De qualquer modo, não durou muito tempo.

Poucos dias depois, Lawan acordou Lisa pela madrugada, cheia de sangue escorrendo pelo rosto. Ela encostou o indicador sujo nos lábios da filha, pedindo silêncio.

— Não se preocupe querida, isso não é meu... só um pouco... Me desculpe, me desculpe... eu poderia aguentar todo o tipo de desgraça, menos essa... eu tentei, eu tentei... — Lawan murmurou, mais para si do que para Lisa, num monólogo curto e entrecortado enquanto saíam da casa do homem, correndo para a noite densa daquele bairro do subúrbio. — Não vale a pena... não vale a pena aguentar isso por alguém que amamos, não vale a pena, querida. Não vale, não vale...

Lawan repetia em um loop infinito. Lisa concordou com todos os lamúrias da mãe, puxando-a pelo braço para longe dali.

Naquela noite, guardou as palavras da mãe como uma verdade incontestável. Era mais uma regra que a vida perpassou para Lawan e ela passava para a filha.

Lisa aprendeu e nunca desobedeceu, nunca colocou em aposta os ensinamentos da mãe, até conhecer Jennie.


⟡ ⟡ ⟡



— "De manhã ouves, Senhor, o meu clamor; de manhã te apresento a minha oração e aguardo com esperança" — disse Lisa. O versículo ressurgiu depois de anos enterrado em memórias que achava estarem perdidas.

Os joelhos doloridos fixaram no chão de taco, mas ela não reclamou, não se mexeu e também não ergueu o olhar para o homem à frente dela. A sala era pequena, abarrotada de papéis amarelados e cheirava a mofo. Os móveis eram antigos, feitos de um mogno escuro. A janela de ladrilhos permitia ao sol trazer um pouco de iluminação ao local. O homem era tão parecido com o da sua infância que Lisa não confiava em seus instintos se o encarasse por mais tempo.

Não era o mesmo homem, ela sabia que não, mas não deixava de afetá-la. Tudo ali a afetava, desde a construção de concreto no meio de uma planície sem fim de céu cinza e clima ora quente, ora frio demais, desde a predominância de olhares severos, sem vida e repletos de xenofobia velada.

— Ora, ora, a garota é mesmo evangelizada! — O homem deu batidinhas na cabeça de Lisa.

Kai estava de pé na porta da sala, era a única pessoa que poderia confiar e torcia para que ele não fosse embora. Imaginar-se em uma sala pequena, abarrotada de laudos e poeira, somente com aquele homem, fazia o estômago de Lisa embrulhar.

— E quando podemos começar o trabalho? — perguntou Kai.

— Bem, o treinamento de vocês foi um sucesso. — O homem sorriu, alisando a barriga grande. — Eu acredito se tudo estiver nos conformes, que podem começar amanhã. Estamos entendidos?

Lisa respirou fundo, aliviada, mas ainda manteve os olhos fixos no chão.

Um silêncio estranho pairou na sala, Kai pigarreou.

— Estamos liberados, senhor?

— Sim, sim, podem ir, crianças! — O velho respondeu.

"Crianças", Lisa segurou um jato de vômito que romperia pela boca e se levantou com dificuldade. O joelho estalou e rangeu pelo longo tempo naquela posição recitando versículos, como se estivesse em uma prova oral em uma escola rígida. Ela ficou de frente ao homem, era mais alta que ele, o que era de se esperar. Lisa era mais alta que muitos homens, a mãe lhe ensinou a forçar os ombros para baixo caso um deles se incomodasse com esse fato.

— A benção, pastor Jung — pediu Kai, atrás de Lisa.

— A benção, pastor Jung — repetiu Lisa, se virando para acompanhar o garoto até a saída.

Antes que pudesse dar um passo em direção a porta, o homem enluvou a mão em seu braço, puxando-a até ele. Lisa precisou respirar fundo, pensar em Jennie, no plano e em tudo que poderia perder, para conseguir sorrir.

— Algum problema, pastor Jung?

— Nenhum, criança — Ele sorriu largo, a expressão parecida com o gato de Alice no País das Maravilhas. — Mas como sabe, e espero que saiba, já que leu o regulamento do Retiro, nós temos regras bastante severas que devem ser seguidas pelos internos e por nossos funcionários... — O homem pigarreou. — Em seu primeiro dia de trabalho, amanhã, volte a cor natural dos seus cabelos.

Kai apareceu novamente no batente da porta, com as sobrancelhas franzidas em desaprovação pela demora de Lisa, mas ela só conseguiu engolir um bolo de angústia e sair aos tropeços para fora da sala, ainda com as palavras do homem reverberando em sua cabeça.








Finalmente, conseguiram entrar no Retiro. Lisa precisou gastar todas as suas energias para convencer Jisoo a contar a localização e, depois de uma semana de "treinamento", recitando versículos da bíblia e fingindo ser uma garota submissa. Lisa era oficialmente uma funcionária do lugar.

As alas do Retiro eram deprimentes, com paredes descascando e comida insossa. Os homens e mulheres que rodavam por lá recebiam o carinhoso apelido de "cabeças raspadas". Eles estavam vivos, respirando, mas visivelmente mortos. Algo ali os sugou a energia, aquelas pessoas que um dia sorriram, um dia amaram alguém e foram amadas, cheias de manias, fotografias coladas na parede e comidas preferidas, se transformaram em massas de carne e osso, olhar vago e murmúrios incompreensíveis.

— Você acha que os militares ainda vem aqui? — perguntou Lisa, andando um passo atrás de Kai pelo corredor do primeiro prédio. — Se vierem, precisamos saber, isso pode ser um problema se quisermos tirar Jennie daqui hoje.

A esquerda, o pátio coberto por concreto parecia uma caldeira recebendo a luz do Sol, algumas cabeças raspadas vagavam como fantasmas. A direita, quartos com grades nas portas escondiam enfermos deitados em colchões velhos, sem capa ou lençol, com espuma vazando nas laterais.

— Fale mais baixo — aconselhou Kai.

— Então ande mais devagar — retrucou Lisa.

Os crocs faziam um barulho ritmado no chão de piso batido. Eles chegaram ao fim do corredor e nada de Jennie em nenhum lugar do primeiro prédio.

Algo mais que preocupação assolou o olhar que recebeu de Kai.

— Não acho que os militares vem aqui, não mais, a guerra das Coreias acabou há mais de trinta anos, Lisa.

— Isso não impede esse lugar de continuar torturando pessoas como se fossem presos políticos — respondeu ela.

— Mas agora é em nome de Deus, não do estado — relembrou Kai, como se fosse uma conclusão óbvia que Lisa ainda não havia chegado.

Ela desviou os olhos dos dele, voltando a observar as cabeças raspadas no pátio. O suor se formava debaixo do seu braço, já que o macacão sintético cinza parecia ser feito exclusivamente para acumular suor. Além do pátio, os muros altos com arames farpados rodeavam todos os três prédios do lugar.

O olhar de Kai também parou neles e nos seguranças escoltando a única saída. Ele extravasou o pensamento que assolava ambos em voz alta:

— Entrar foi fácil, agora precisamos pensar em uma saída.

— Primeiro, precisamos achar Jennie — corrigiu Lisa.

Jennie, em algum lugar naqueles prédios de concreto, — se ainda estiver em algum lugar ali —, sem os cabelos e com muitos quilos a menos, talvez machucada, com toda a certeza assustada, pagando por uma penitência que não era sequer uma. Lisa engoliu uma dose de angústia, desviando os olhos dos muros altos.

— Até quando podemos rondar os prédios sem chamar atenção de ninguém?

Kai maneou a cabeça, sem saber.

— Hoje é arriscado, podemos começar amanhã de manhã.

— Amanhã não, hoje. — As palavras saíram tão rápidas que se assustou com a urgência delas. Lisa não contaria a Kai sobre a imposição do pastor, achava-se tola por se importar com os cabelos quando algo maior estava acontecendo com Jennie. — Estamos correndo risco desde que chegamos aqui, deixar para amanhã não vai mudar nada, só vai fazer Jennie sofrer mais do que está sofrendo.

Kai concordou, o cenho estava franzido desde que pisaram naquele lugar, mas ali se afrouxou um pouco.

— Vamos nos separar, fique com o terceiro prédio e eu com o segundo. Tente se enturmar, mas não force nenhuma aproximação. É bom sabermos como esse lugar funciona.

Eles se encararam e Lisa bebeu da repentina dose de confiança que borbulhava nas orbes de Kai, segurando a vontade de abraçá-lo. Com medo de serem vistos, ela deu as costas a ele, rumando para o terceiro prédio.


⟡ ⟡ ⟡


Lisa descobriu, enquanto se esgueirava entre os corredores e se escondia nos banheiros do terceiro e último andar, que pacientes não eram permitidos no terceiro prédio. Apesar de ser uma conclusão óbvia, já que o seu pequeno quarto com uma cama de metal e uma cômoda caindo aos pedaços ficava ali. Os quartos dos funcionários eram fortemente vigiados e trancados com uma pesada porta de metal no início da noite. Era um aviso mudo de que homens e mulheres deveriam ficar separados em seus respectivos lugares.

O horário do almoço já havia acabado, mas ela ficou tão focada em procurar Jennie e, antes disso, em terminar o treinamento idiota para ganhar a autorização do manda chuva para trabalhar no lugar, que não pensou em comer. Agora, seu estômago embrulhava, implorando algo. Lisa precisava manter as forças se quisesse continuar ali, então caminhou até o segundo prédio. O refeitório ficava lá, no primeiro andar, ao lado de uma escada que levava aos demais andares.

Os degraus estavam lotados de alguns cabeças raspadas comendo com a mão em um prato de plástico. Eram quatro mulheres e três homens que se espremiam em um só degrau, como galinhas no poleiro. Uma porta de metal ao lado deles abriu e uma funcionária saiu de lá. Os cabeças raspadas se espremeram ainda mais na direção oposta a da mulher.

— Comida pra garota na solitária! — gritou ela, para as outras funcionárias dentro do refeitório.

Lisa não soube o que a atacou naquele momento, mas correu o restante do caminho para chegar até lá.

— Eu levo! — gritou. A mulher pairou os olhos sobre ela e um leve desgosto estampou o rosto carrancudo. — Olá, sou nova aqui, Lisa Manoban, prazer!

Alguns cabeças raspadas começaram a repetir a fala de Lisa, como papagaios.

— Hyu — a mulher se limitou a dizer.

— Por favor, Hyu, me deixe levar! — Lisa tentou sorrir, amigável, pois era visível que a mulher não estava sendo receptiva. — É o meu primeiro dia e quero mostrar ao pastor Jung que posso ajudar.

Hyu a olhou de cima a baixo, não gostando do que via. Pessoas como Lisa eram raras por aquelas bandas. Lembrou-se do aviso de Kai para não forçar nenhuma amizade, e no próprio aviso que se propôs a seguir: não chamar atenção de ninguém, mas algo mais forte que ela a puxava para aquela solitária, precisava checar.

Por alguma empatia cristã, a mulher meneou a cabeça sutilmente.

— Vá pegar a comida dela, eu te espero aqui.

Lisa sorriu em resposta, adentrando o refeitório para conseguir mais uma mistura de feijão e farinha de mandioca para a garota na solitária.








Hyu cumpriu a promessa e a esperou pegar a comida, quando Lisa voltou a funcionária ainda segurava a pesada porta de metal para a tal solitária. Apertou o prato com força e adentrou a escuridão da sala, descobrindo tarde demais, já que se desequilibrou no primeiro degrau e quase caiu, que a sala era uma espécie de porão. O ritmo do seu coração se tornou uma batida difícil de ignorar, titubeava pelos seus ouvidos a cada degrau descido. A luz que vinha da porta segurada por Hyu parecia não chegar ali embaixo. Era como uma lanterna de chaveiro iluminando uma noite sem estrelas.

O cheiro do lugar acertou Lisa primeiro que o medo, parecia que alguém estava apodrecendo atrás de alguma das celas escuras que enchiam o corredor.

O medo que sentiu não era do escuro propriamente dito, era de que, assim que abrisse a porta indicada pela mulher, encontrasse Jennie em uma situação irremediável. Lisa apertou o prato com mais força até os nódulos dos dedos ficaram brancos, e com a mão livre, tateou os bolsos do uniforme até encontrar a chave.

Demorou o que pareceu ser um século para encaixar o pedaço de metal frio no ferrolho, suas mãos tremiam e a garganta estava seca, a barriga ainda roncava, mas fome não era algo que Lisa sentia. Estava longe de sentir qualquer coisa física, suas pernas pareciam anestesiadas. A porta de metal se abriu depois de um empurrão de ombros e o barulho das dobradiças causou um tremular generalizado pelo seu corpo.

A garota caída no meio do próprio vômito, fezes, urina e restos de comida era reconhecível, mesmo que estivesse encolhida em trapos e pesando menos que uma pluma. Através da pouca luz que vinha de cima, os ossos das costas se projetavam para fora como os de um esqueleto. Ela poderia estar morta, já que não se mexeu nem um centímetro com o barulho da porta sendo aberta, mas a respiração dela era audível, um ressoar dificultoso que parecia ecoar das paredes.

Era Jennie, sem sombra de dúvidas.

O prato que Lisa segurava caiu aos seus pés.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro