Não conte nada ao seu namorado
—Lisa Manoban
O caminho para a casa do prefeito foi feito quase que automaticamente. Lisa se agachou entre os arbustos assim que chegou, esperando o porteiro se distrair. Não havia turnos na madrugada, então, no momento que ele saísse para ir ao banheiro ou buscar algo para comer, o caminho ficaria livre.
Dito e feito, o homem saiu da cabine, andando com a baguia aberta em direção a uma moita. Lisa correu, ainda abaixada, e passou por debaixo da portinhola da entrada dos carros.
A mansão não tinha muita segurança, estávamos em Huimang Hill, lembram? Onde nada de muito perigoso acontecia, e aquela era a casa do prefeito, o homem mais amado e idolatrado daquela cidade. Ninguém ousaria entrar na casa dele sem permissão — a não ser, Lisa.
O grande problema seria Kai, estava na casa dele, não encontrá-lo no meio da noite seria algo de muita sorte. Estava um pouco desconfiada da dose de sorte que estava recebendo naquele dia. Caminhou pela garagem, observando os carros do prefeito. Nada do monza vermelho, mas não podia cantar vitória antes da hora. Jennie estava no último lugar que queria pisar — no quarto dele.
Sem ser vista, Lisa andou o que pareceu uma eternidade até os fundos da mansão. A entrada de funcionários dava direto para a cozinha. Quando entrou, só pôde ouvir o som dos eletrodomésticos ligados, o ressonar dos pés no chão e a sua barriga roncando, lembrando-a que não tinha comido nada o dia todo.
— Foco, Lisa — sussurrou. — É fácil se perder por aqui.
E realmente, os cômodos eram grandes e repetitivos, muitas salas de estar com a mesma decoração, com a mesma estante de bebidas caras e mesas de madeira polidas. Suspeitava que nunca tinham sido usadas. O quarto de Kai ficava no segundo andar e tomava quase o andar inteiro, a suíte do prefeito e da primeira dama ocupava o terceiro andar. Era quase uma casa dentro de outra casa — e seria menor a chance de acordá-los.
Parou em frente ao quarto de Kai e colocou os tênis ao lado da porta. Deu dois toques na madeira, se auto xingando por se esquecer que não era bem vinda ali. Precisava entrar sem bater, estava fazendo isso a noite toda.
Girou a maçaneta, abrindo a porta devagar.
Jennie estava sentada na cama. Ela parecia ter acordado com o barulho. Lisa resumiu que as noites de sono dela não estavam melhores que as suas. Jennie sempre teve um sono saudável, para acordá-la era quase uma missão impossível, mas ali, ela tinha os olhos altivos e brilhantes. A luz do abajur ao lado da cama estava acesa, mas a escuridão do quarto era densa e a distância da cama até a porta também não ajudava.
Jennie parecia não conseguir ver quem estava no batente.
— Kai? — ela perguntou.
Lisa sorriu, quer dizer que ele não estava ali.
— Lisa — sussurrou. Os ombros de Jennie caíram, relaxados. — Kai saiu?
Entrou de fininho e fechou a porta atrás de si, espiando os lados. Não queria ter nenhuma surpresa desagradável.
— O que você está fazendo aqui? — Jennie coçou os olhos e se levantou da cama, vestia apenas uma blusa de algodão e calcinha. Parecia indecisa entre sentir raiva ou confusão por vê-la ali.— Lisa, você invadiu a casa?
— Acho que ainda não respondeu a minha pergunta — retrucou.
As duas ficaram se encarando no escuro por alguns minutos, numa batalha muda, até Jennie dar de ombros, vencida.
— Kai saiu à tarde, não chegou até agora. — Ela se virou para encarar o lado vazio da cama.
Logo após ouvir a afirmação que queria, Lisa acendeu a luz do cômodo. Jennie murmurou um palavrão com o desconforto repentino, fechando os olhos como um bebê manhoso.
Vê-la com quase nada de roupas, o rosto inchado pelo sono e um bico nos lábios, fez Lisa se esquecer do próprio nome, acontecia sempre. Jennie era sua antítese, o problema mais difícil de ser solucionado, cruzou o seu caminho da forma mais simples possível, como um furacão disfarçado de brisa. Era a resposta para todas as perguntas, a mulher que despertou o único sentimento que nunca teve antes: pertencimento. A casa de Lisa não era uma cidade, o trailer, um país, a sua casa estava ali, era a filha rebelde do pastor, noiva, acusada de assassinato, que talvez nunca mais fosse chamar de sua, mas estava ali, era o que importava.
— Ruby... — Se aproximou, relutante. Não sabia como começar a falar, era um assunto inimaginável há dias atrás. — Você se lembra quando me disse que, de vez em quando, não confiava em Kai?
— Olha, se tiver vindo aqui para me impedir...
— É muito maior que seu noivado — rebateu, e a postura de Jennie mudou, de cansaço para curiosidade. Elas ainda estavam distantes, como se não confiasse nos próprios instintos se aproximasse mais um pouco. — Eu só quero que se lembre de todas as vezes que desconfiou de Kai... que notou as mudanças de humor, o acesso de fúria e então... a quietude. Nunca se perguntou porque ele não ficou com raiva por ter descoberto sobre nós duas?
— O que? Onde quer chegar com isso? — Ela se sentou. Os olhos estavam inquietos, como se estivesse sendo bombardeada com vários pensamentos. Lisa se aproveitou da deixa para se sentar ao lado dela, numa distância segura. — Kai não se importou porque ele gosta de você.
— Mas você é a namorada dele, eu acabei de chegar, como é possível ele não ficar com raiva?
— Lisa, não faça isso. — Jennie se virou, o indicador estava em haste, mas era uma ameaça vazia, ela mais pedia do que mandava. — Não me coloque contra ele, eu conheço Kai a minha vida inteira.
— Isso não significa nada, são as pessoas que mais achamos conhecer que nos surpreende, você viveu com Kai, é inteligente, Ruby, você, alguma vez... alguma vezinha só, deve ter pensando haver algo de errado com o seu namorado, me diga, onde ele está agora?
— Como eu vou saber! — ela vociferou, estava com o rosto tão próximo do seu que teve vontade de agarrar a nuca dela, beijá-la, transar com em Jennie na cama do namorado dela, mas precisou se concentrar e não encarar os lábios furiosos dela. — Ele some, sempre foi assim...
— E onde ele vai? Você nunca se perguntou?
— Saí daqui, Lisa. Agora! — Ela apontou para a saída.
— Ele quase matou Jisoo na cabana, você se lembra?
— Lisa...
— Eu vi os olhos dele, ele sorria enquanto enforcava ela!
Jennie agarrou o rosto de Lisa e a empurrou na cama. O livro, as fotos e as notas caíram, espalhadas pelo chão. A respiração delas preenchia o quarto, rápidas e audíveis. Jennie tinha as mãos nos seus ombros, as testas se encostaram e ela começou a chorar, as lágrimas inundaram ambas.
Lisa levou as mãos até o quadril dela, adentrando a blusa e sentindo a pele quente por baixo.
— Você não quer se casar com ele, você não o ama, Ruby. Só está com Kai porque ele te faz lembrar da garota que você era antes. Amber morreu, seus pais te desertaram e você está sozinha, mas eu falo por experiência própria que às vezes, precisamos cortar laços com o passado, isso inclui ficar sozinha e não precisa ser algo ruim. Você não é obrigada a ficar com ele só porque se conhecem desde crianças, você não deve nada a Kai. Eu amava a garota que dirigia o carro do namorado escondido dos pais, que bebia vinho direto da garrafa, que não falava sobre o irmão porque achava que assim doeria menos e abraçou as corridas como uma segunda casa. Mas eu também amo essa nova garota, amo como ela é forte e já lidou com tantos problemas, sobreviveu e usa eles para se reerguer, amo esse cabelo também, combinou bastante com você, sabia?
Jennie se engasgou nas lágrimas.
— Não seja boba...
— Eu estou falando sério. — As duas riram. — Me lembra uma cantora que mamãe gostava nos anos 80, ela tinha uma voz linda e os cabelos bem curtinhos... você iria gostar.
O tempo não precisava ser cronometrado naquele instante, enquanto o mundo de Lisa aparecia pelas orbes castanhas de Jennie. As duas se encaixavam, era inexplicável.
— Me desculpe. — Jennie se sentou na cama novamente, limpando as lágrimas que insistiam em cair. — Por dizer todas aquelas coisas horríveis sobre você, por te humilhar na frente de todo mundo... Eu não sei o que me deu, estava possessa de ciúmes porque achei que me trocaria e eu não poderia suportar perder mais ninguém, entende? Entende porque estou com Kai? Por que não suporto mais perder nenhum dos dois?
— Você não vai perder o Kai, ele nunca foi seu. — Lisa pegou o livro jogado no chão, reunindo as fotos e as anotações antes de espalhá-las na cama. Pegou a anotação com o assunto mais delicado, o rascunho do mapa.
Jennie encarou o papel com a mesma cara de Lisa quando o viu pela primeira vez.
— O que significa isso? — perguntou ela.
— Não sei, tudo estava em um livro, na estante de Rosé — respondeu Lisa.
— E como você teve acesso? — Jennie quis saber.
A tailandesa se embolou nas palavras.
— Eu usei alguns métod-
— Invadiu a casa dela — concluiu Jennie.
Lisa puxou a folha das mãos de Jennie.
— Falando assim soou rude.
— Lisa, eu preciso saber o que é isso, por que Rosé teria algo do meu irmão? Por que... — Jennie prendeu a respiração. — Algo que ela me disse na cabana não saí da minha cabeça, Rosé deu a entender que Kai sabia mais do que estava falando sobre a morte de Amber. Eu perguntei depois e ele desconversou. Não faz... não faz sentido nada disso.
— Eu sei, eu sei, tem muitos "porquês" aqui, mas o que eu quero que veja é isso. — Lisa abriu a folha em branco e mostrou a dedicatória de Kai. — É o motivo pelo qual eu estou aqui, conhece essa letra?
Não precisou de uma resposta verbal, o olhar que recebeu de Jennie foi interpretativo como aquele livro aberto.
— Eu estive aqui mais cedo... sabe que o porteiro me disse? Rosé e Kai eram amigos, ela sempre vinha aqui.
— Isso é...
— Impossível? — interrompeu Lisa.
— ...Possível — Jennie falou ao mesmo tempo.
Ela demorou a encará-la, como se estivesse reunindo as próprias provas.
— Eu lembro de vê-los juntos algumas vezes, quando éramos pequenos. Eu nunca gostei dessa aproximação, achei que Rosé pudesse usar Kai como fazia com Jisoo, então briguei com ela, na ocasião me achei muito adulta por ter "salvo" meu namoradinho. — Jennie riu, ressentida. — Depois disso nunca mais vi os dois juntos, mas... lembra a noite que encontramos Rosé e Jisoo e elas estavam sujas de barro?
— Não era qualquer barro, elas estavam no pântano, o fedor... eu nunca vou me esquecer — disse Lisa.
— Eu vim pra cá no dia seguinte e encontrei fios ruivos no pente de cabelo dele. Na época eu não disse nada porque estava traindo Kai com você e não me vi no direito de cobrar fidelidade. Eu não pensei na Rosé imediatamente, mas a taxa de rutilismo em Huimang Hill é quase zero.
Elas ficaram paradas encarando as provas em cima da cama.
— Também tem isso. — Lisa mostrou o panfleto da garota desaparecida.
— É... coisa demais. — As mãos de Jennie tremiam, mas ela pegou o papel da mão de Lisa.
— É sim. Mas eu sei de alguém que pode nos contar tudo. — Lisa reuniu novamente todas as provas dentro do livro. — Jisoo.
Se achava até um pouco tonta por não ter pensado nela antes. Teria que torcer para conseguir extrair alguma coisa de Jisoo, depois da discussão que tiveram no banheiro da mansão, durante a festa, ficou claro que ela sabia que estava sendo usada e não cairia tão fácil como da primeira vez. Mas havia algo ali, no meio daqueles papéis, que se interligava. Estava visível, na cara, mas não conseguia ver. Era uma coceira na ponta da língua, como se estivesse esquecido uma palavra importante. Era um quebra cabeça que, mesmo faltando peças, dava para saber qual imagem queria mostrar.
— Puta merda... — Lisa pôde ouvir o barulho do "clique" imaginário ecoando dentro da sua cabeça, com as mãos trêmulas, pegou o livro novamente.
"... A pequena Rosé, neste livro, procura uma princesa perdida, mas já deixo um spoiler: ela morre no final! Que coincidência, não é?"
Algumas perguntas que não faziam sentido ressurgiram, agora, respondidas. Primeiro, a mais recente, ressoando com a voz grave do investigador: "Lisa, você foi acusada pelo roubo da pulseira da vítima" e então, a mais antiga, dela própria, "E então, o que precisamos fazer com essa pulseira?" E a resposta de Jennie "Segundo ela, jogar no lago..." Não foi apenas uma forma de Rosé fazer Lisa visitar a cadeia por alguns dias. Kai pagou a fiança, ele decretou quando era a hora de sair. Ele estava o tempo todo escondendo essa amizade estranha com Rosé e então, ela morre.
A morte de Rosé parecia ter sido decidida antes também. A morte estava presente na dedicatória, a pulseira encontrada no corpo boiando no lago, no panfleto da garota desaparecida.. Pensando melhor, quando bateu a cabeça dela no chão, não teve certeza se ela havia morrido, era muito sangue, só.
Exasperada, Lisa procurou a foto da garota desaparecida. Ali, graças à luz do quarto, conseguiu ler as letrinhas miúdas que antes não tinha acesso. O endereço, o telefone para contato e a informação que fez seu estômago embrulhar: cabelos ruivos, 1,64 de altura.
— Você sabe o que usaram para identificar o corpo da Rosé? — Ouviu a própria voz sair embebida de estranheza e incredulidade.
Jennie não estava entendendo onde Lisa queria chegar.
— Eu não sei. Aqui nem tem IML, o corpo teve que ir direto pro necrotério e...
— Ruby, pense! — Lisa insistiu.
— A pulseira! Aquela droga de pulseira de Jisoo e Rosé! — Jennie perdeu a paciência.
Lisa bufou incrédula.
— A mesma que me levou pra cadeia?
— Lisa...
— Num corpo que não precisou fazer reconhecimento a não ser a porra da cor dos cabelos?
— O que você está insinuando? — Jennie quis saber.
Lisa mal conseguia se manter estável, as palavras saiam à medida que as imaginava.
— Eu fui tão idiota! Kai conhecia bem demais o Retiro...
Jennie sacudiu os ombros de Lisa.
— Do que está falando...? Precisa me dizer!
— Eu não tenho certeza! — Lisa precisava estar errada, nunca quis estar tão errada em toda a sua vida. — Escuta, eu vou atrás de Jisoo agora, só ela pode me dizer toda a verdade. Eu não quero te assustar, mas eu preciso confirmar essa ideia maluca, enquanto isso você fica aqui. É importante que você não conte nada ao Kai sobre nada disso, ele não pode nem sonhar que eu estive aqui, você acha que consegue?
Jennie tinha os olhos inquietos, dava para perceber as milhares de perguntas que queria fazer, mas o tom alarmado de Lisa era tão intenso que a impossibilitava de fazer outra coisa a não ser confiar nela.
— E você acha que consegue tirar algo de Jisoo?
Lisa suspirou.
— Eu consegui da primeira vez, porque não conseguiria agora?
Jennie assentiu com a cabeça.
— Então é melhor ir, eu fico com o livro... e não me olhe com essa cara. Você está correndo riscos demais.
— Todas estamos — lembrou Lisa.
O alvo era um, a consequência eram as quatro.
✢
Lisa respirou fundo e fechou com cuidado a porta dos fundos da mansão. A noite era clara, o nascer do sol não demoraria tanto. De uma forma esquisita, seu coração estava mais aliviado do que deveria estar, só por ter conversado com Jennie, ter estado perto dela, tocado ela, por, talvez, não ser uma assassina. Isso bastou para que todos os seus medos não parecessem tão ruins assim.
A garagem não era coberta, mas grande o suficiente para caber mais de dez carros. A sorte que a acompanhou durante todo o dia, a deixou no momento em que viu o monza vermelho estacionado em uma das vagas.
Tudo aconteceu rápido demais. Não conseguiu se esconder.
No instante que viu o carro, a porta destravou e Kai saiu.
Os dois se encararam, parados, em uma distância de menos de dois carros. Kai ainda segurava a porta o monza, estampando uma expressão difícil de identificar graças ao escuro da noite. Eles permaneceram quietos por alguns segundos, como se fossem fantasmas no escuro. Se não mexessem talvez não existissem.
Mesmo na pouca luz, era visível marcas de unhas pelo rosto dele. Kai havia brigado com alguma garota. A característica pose amistosa dava lugar a uma furiosa e, algo no modo como os ombros estavam inflexíveis, deixava o clima mais tenso. Talvez ele estivesse ponderando se valia a pena continuar o personagem, mas no fim, pareceu de saco cheio de ter que fingir.
— Eu vim falar com Jennie, ela está aqui? — Lisa perguntou, olhando para os lados, como se não tivesse acabado de sair escondida da casa dele.
Kai demorou a responder e, quando falou, a voz estava rouca. Como se fosse a primeira vez que falava em muito tempo.
— Está, mas não é hora de visitar a casa dos outros. Volte amanhã. — Ele bateu a porta do carro, caminhando na direção de Lisa.
— Mas eu quero falar com ela agora, é importante — a tailandesa insistiu.
Poderia apenas ir embora, estava brincando com fogo. Kai deu uma chance para ela ir embora, mas encarando-o ali, era como se visse outra pessoa, como se existissem duas pessoas dentro do garoto que conhecia. Aquele rosto, apesar de ser igual, ao mesmo tempo não parecia com o do garoto que a acolheu. A expressão angelical e cretina, mudaram para cruéis em segundos.
— O que é tão importante para acordar a minha noiva, em plena madrugada? — Ele chegou a sorrir. Um arranhão cruzava a bochecha, era recente e prometia deixar uma marca profunda no dia seguinte.
— Ela precisa saber sobre você e Rosé.
As palavras saíram antes que pensasse sobre a consequência. Lisa se arrependeu assim que as disse, mas já era tarde demais para apagá-las.
O sorriso dele se foi no mesmo segundo. Era como ver, em câmera lenta, uma transformação irreversível. As mãos dele formaram punhos.
Lisa não estava preparada para lutar, mas Kai estava.
Ele cruzou o espaço que os separava e agarrou os cabelos dela.
— Você não vai contar nada a Jennie, sua piranha — rosnou. Uma mão puxava seus fios e a outra foi até o seu pescoço. — Sempre bisbilhotando onde não é chamada, não é?
Lisa rugiu e deu um soco na barriga dele, mas acertou o vácuo. Ele sorriu, como se tivesse achado engraçado. Não podia responder a altura porque as mãos deles eram fortes no seu pescoço, abraçando sua pele e apertando. Precisava de um golpe rápido quando ainda tinha ar nos pulmões, mas era difícil pensar racionalmente quando a morte parecia tão próxima. Kai era forte e fazia aquilo como se Lisa fosse um graveto insignificante. O rosto dele estava tão perto que podia notar o quanto ele se deliciava com aquela cena, o quão prazeroso era subjugar outra pessoa.
— Eu não queria te matar, Lisa, mas agora não vejo outra saída, está feliz? — A voz dele soou baixa e professoral, como se conversasse com uma criança. — Olhe onde essa curiosidade te levou...
O ar sumia, se tornava escasso, mas Lisa continuava a se debater. O peitoral de Kai parecia um muro impenetrável. Então, desistiu, desistiu de tentar socá-lo e desceu as mãos, sentindo os músculos na palma até chegar à cintura.
— Você gosta disso, é? — ele sorriu malicioso.
Lisa sorriu também, mas teve certeza que só parecia uma careta.
Agarrou o pau dele com as mãos e apertou, esmagando-o.
Kai soltou um chiado de dor com um bocado de palavrões. Lisa deu um chute com os joelhos bem no meio das pernas dele, o primeiro acertou exatamente onde queria, o segundo a barriga. Kai caiu no chão.
— Sabe, a primeira coisa que minha mãe me ensinou foi como esmagar um pau... eu tinha cinco anos, acredita? — Ela falou entre arfares, montou em cima dele e agarrou o colarinho da blusa. O rosto de Kai era pura dor. — Tem clientes que amam bater em prostituta, transam e depois não querem pagar... — Lisa deu um soco nele, um fio de sangue jorrou do nariz. — Não é você que gosta de bater em garotas? Por que não bate em uma que pode revidar? — Ouviu um murmúrio de dor logo após o segundo soco. O nariz perfeitinho não era mais tão perfeitinho assim. — Ein? Você gosta disso, é?
Quando se preparava para dar o terceiro soco, ouviu passos entre os carros. A luz de uma lanterna a cegou por alguns instantes e Kai aproveitou a oportunidade para empurrá-la. O baque mudo das suas costas batendo em um carro a incapacitou por alguns instantes, mas a iminência do momento se sobrepôs à dor. Lisa se levantou e, sem pensar duas vezes, começou a correr sem olhar para trás.
— LISA! VOLTA AQUI! — Kai gritou esganiçado e uma série de palavrões acompanhou o pedido.
Ela correu para a saída da garagem, ouvindo os guardas gritarem atrás de si. Correu como se sua vida dependesse disso, passou pela guarita pulando em cima dela e não diminuiu o passo mesmo que suas pernas doessem. O suor impregnava na nuca, a testa, debaixo do braço. Estava fraca, o ar não era suficiente, mas só se permitiu parar ao cruzar a rua de Jisoo.
Tudo estava deserto e calmo demais. Nada de gritos, palavrões, Kai, ou fachos de lanterna cegante. Respirou fundo, apoiando as mãos nos joelhos e rezando para que ele não suspeitasse de Jennie.
A casa de Jisoo estava escura, mas não esperava nada diferente disso. O sol ainda não havia aparecido, mesmo que o céu estivesse claro. A garagem estava vazia e a grama precisava ser cortada.
Passou pelo balanço de pneu velho e pelo caminho de pedras ornamentais até estacar em frente a porta principal, ainda controlando a respiração pesada, o suor excessivo e o medo.
Não precisou esperar para ser atendida. Jisoo a abriu a porta segundos depois.
— Veio saber toda a verdade? — ela perguntou, baixinho, como se tivesse passado a noite toda esperando aquele momento.
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