21. Leão
Não demorou para o garoto retornar, subindo os degraus rapidamente para se jogar ao meu lado e estender na minha direção um saco maior - e mais caro - de M&M's de amendoim. Aceitei de bom grado e voltei a olhar para a tela do filme sem realmente vê-lo.
Era difícil me concentrar em alguma coisa quando tinha uma presença inusitada ao meu lado. Sem que eu desse permissão, Matheus envolveu meus ombros e continuou mirando a tela enquanto roubava um M&M do saco em minhas mãos.
Ergui uma sobrancelha e olhei em sua direção, esperando que seu olhar encontrasse o meu no escuro e assim ele o fez, com seu rosto iluminado parcialmente pela tela gigantesca que ocupava o cinema.
- O que foi? - Perguntou, um sorriso ladino sempre pintando seus lábios.
- Você é inacreditável. - Sussurrei. - Tira o seu bracinho daqui. - Peguei em sua mão, afastando-o dali.
Eu teria afastado sua mão da minha, se ele não tivesse entrelaçado seus dedos nos meus. Minha única reação foi revirar os olhos e rir da sua atitude.
- Reformulando: você é impossível. - Balancei a cabeça em negação. - Como eu vou comer agora?
Os olhos do garoto brilharam no escuro e seu sorriso se alargou.
- Eu posso te dar na boca. - Deu de ombros.
Pressionei os lábios para conter a risada que sairia alta demais.
- Tipo uma imperadora do império romano?
Matheus meneou a cabeça e voltou seu olhar para o meu quando assentiu.
- Tipo isso.
A Julia Virginiana jamais aceitaria sem uma fiscalização da limpeza das mãos do garoto. Acreditava que aquela Julia nem mesmo estaria aqui e se estivesse teria ido embora na primeira aparição do garoto. Mas eu era a Julia Leonina, que gostava da atenção, que gostava de ser tratada como uma verdadeira rainha, com zelo e dedicação.
Foi por isso que eu dei de ombros e assenti, aproximando o pacote dele e deixando que colocasse a primeira na minha boca para só então vê-lo colocar uma na sua própria boca.
Meus olhos me traíram e encontraram seus lábios em um movimento de mastigação que me fizera morder meus próprios lábios. Engoli em seco, balançando a cabeça em negação e olhando para o filme - agora fingindo prestar a atenção já que a distração ao meu lado impossibilitava que eu assistisse o filme como desejava.
Quando os M&M's acabaram, decidi que deveria me soltar dele já que nossas mãos estavam suadas e aceitei de bom grado o seu abraço junto da carícia despretensiosa em meu braço, passando boa parte do filme daquele jeito.
Ao final, me endireitei e passei a recolher meu lixo, só então endireitando minha postura e me levantando para ir embora. Sabia que em outros tempos - e talvez em outros signos - eu teria me virado para ele e tentado um beijo. Mas eu estava recém terminada com Thomás e a Julia Leonina precisava de mais do que alguns flertes para se dar por conquistada. E eu até teria continuado o meu caminho se Matheus não tivesse me chamado.
- Quer fazer alguma coisa? - Ele perguntou assim que me alcançou nas escadas do cinema.
Ergui uma sobrancelha e cruzei os braços.
- Tipo o quê?
Matheus deu de ombros e eu sabia que, pelo convite, ele sabia exatamente onde queria me levar.
- Soube que o Lucas está dando uma festa. A gente podia aparecer lá.
Pensei um pouco sobre aquela possibilidade. Se eu fosse embora para casa, provavelmente ficaria me perguntando porquê não fui e com certeza ficaria chateada vendo as fotos tiradas. Até mesmo meus irmãos deveriam estar lá. Me dei por vencida e assenti, digitando uma mensagem rápida para minha mãe avisando sobre meu paradeiro mais uma vez naquele dia.
A casa de Lucas era relativamente grande, mas parecia apertada demais com a quantidade de adolescentes que abrigava ali. A maioria ali era do ensino médio do colégio Veríssimo, mas podia ver alguns de colégios próximos e até mesmo universitários que estudaram com Lucas antes dele ser um repetente.
Com as pontas dos dedos unidas às de Matheus, eu adentrei na casa a procura de algo para beber. Minha busca foi interrompida por uma Carolina afobada que me agarrou pelos ombros.
- Pelo amor de Deus, eu tenho que ter pelo menso uns vinte surtos com você nesse exato momento, Julia Silva. - Carol já estava com a fala enrolada pela bebida alcoólica ingerida.
Me fiz de desentendida e ri do seu exagero.
- O que aconteceu, Carol? - Olhei por cima do ombro e vi um Gui bebendo do seu copo enquanto procurava por algo sobre as cabeças ali presentes.
Davi e Lola deveriam estar se agarrando em algum lugar. Tuti deveria estar fazendo isso com alguma garota também apenas para provocar Laura, sua ex namorada.
Carol lançou um olhar para Matheus que varria tudo com os olhos em curiosidade.
- Escuta, será que a gente pode ter um particular? - Questionou para mim e puxou Guilherme. - Gui, faz companhia para o nosso amigo aqui.
Gui franziu o cenho na direção da garota e logo se virou para Matheus, estendendo a mão e se apresentando enquanto eu era arrastada para longe dali por Carolina, dando de ombros para o garoto que me olhava em confusão.
Quando atingimos a parte de trás da casa, estava tudo mais silencioso e então ali eu conseguiria ter uma conversa civilizada com Carol.
- Então Carolina, pode começar. - Cruzei os braços, esperando para ela falar.
- OK. Primeiro: eu vou ignorar o fato de que você foi ao cinema sem nós para assistir um filme que eu quero muito ver. Segundo: também vou ignorar que você veio aqui com um amigo gato do seu irmão mais novo. Terceiro: você enlouqueceu em trazer um garoto para a festa do Lucas alguns dias depois de terminar o que quer que você e Thomás tinham? - A cada novo número a sua voz aumentava e é claro que alguns olhares curiosos foram direcionados a nós.
- Não estou louca. - Dei de ombros. - Só estou mostrando que ele não é o único com opções.
- Julia Leonina, você enlouqueceu! - Carol segurou meu rosto entre suas mãos, o que me fez revirar os olhos e afastá-la.
- Para com isso, Carolina. Você acha que eu vou deixar alguém me desmerecer e fica por isso mesmo? Pode ser que a Julia Canceriana deixaria, mas a Julia Leonina não vai deixar ninguém pisar nela. - Endireitei minha postura, notando a expressão incrédula da minha amiga. - Agora se me der licença, eu vou aproveitar uma festa.
- Isso vai dar uma merda descomunal.
- Tomara. - Respondi à garota por cima do ombro.
Aquele realmente não era meu objetivo, mas depois que ela havia mencionado o nome de Thomás, fazia mesmo sentido. Ele tratava a situação como se eu fosse a única que tivesse perdido algo, como se não valesse a pena lutar por mim ou por algo que poderíamos ter. Mas eu podia mostrar-lhe que tinham pessoas dispostas a fazê-lo.
Depois de pegar algumas bebidas, nós passamos a dançar e nos divertir. Matheus logo se enturmou e Carol pareceu esquecer do grande empecilho que ela achava que era ter o garoto ali. Apesar de não conhecê-lo, deu para ver que ele se encaixava bem aos meus amigos e que conseguia se soltar com novas pessoas.
Meus amigos se afastaram para fazer o que mais gostavam em festas: andar pelas pessoas, fazendo amizades e beijando na boca de estranhos - ou não tão estranhos assim.
- Ju, vou pegar mais. - Ele chacoalhou o copo vazio na minha frente, me arrancando do transe momentâneo. - Quer também?
Olhei para o meu próprio copo, bebendo o restante do líquido e assentindo, entregando meu copo para ele.
- Vou querer uma cerveja. - Falei por cima da música.
O garoto assentiu e se afastou enquanto eu voltava a dançar ao som da música que tocava alto, curtindo minha própria companhia - o que eu fizera com frequência nos últimos dias. Sabia que em outros tempos eu teria ido com ele apenas para não ficar sozinha, mas a Julia Leonina se permitia fazer alguns pedidos e aproveitar seu momento sozinha.
Só não sabia que poderia durar tão pouco.
- Julia! - A voz enrolada de Thomás surgiu com um Lucas em seu encalço. - Achei que não viria.
- E ainda assim, aqui estou eu. - Dei de ombros, apontando para mim mesma.
- E aqui estou eu! - Ele ergueu o copo de cerveja e chocou com o de Lucas, os dois bebendo todo o conteúdo em seguida. - Um pouco bêbado. Mas é por você! - O garoto apontou na minha direção.
Me deixava triste ver que eu realmente não havia conhecido Thomás e que ele era mesmo como Lucas e todos os garotos que o acompanhava. Talvez ele tivesse encenado um papel aquele tempo todo e eu não tomei o cuidado necessário, deixando que ele mergulhasse na minha vida daquele jeito e em um momento tão delicado.
- Julia? - A voz de Matheus surgiu ao meu lado, um copo sendo entregue enquanto eu lhe sorria em agradecimento. - Não vai me apresentar seus amigos?
Thomás fechou a expressão e olhou na direção de Lucas que tinha a expressão confusa direcionada ao amigo.
- Claro. Thomás, Lucas esse aqui é o Matheus. Ele estuda com Davi. - Sorri abertamente. - Ele foi quem me convenceu a vir.
- Então você é o dono da festa. - Apontou para Lucas.
- Eu mesmo, seja bem vindo. - Bateu a mão na de Matheus em um cumprimento informal.
Esperei que Thomás tivesse alguma atitude parecida em seu nível de euforia, mas ele pareceu sóbrio demais enquanto fechava a expressão em uma carranca direcionada especialmente à mim. Ergui as sobrancelhas em um desafio mudo, esperando por alguma cena que ele pudesse começar a fazer ali mesmo. Eu tinha alguns bons argumentos para lhe dar.
- Vamos, Lucas. Estamos sobrando por aqui. - Thomás puxou Lucas pelo braço e logo eles estavam longe dali.
Eu tentei não me afetar por aquilo, tentei não me preocupar com seus sentimentos, mas a verdade é que a vitória tinha um gosto amargo. Então depois de algumas músicas e a finalização daquele copo, eu anunciei a Matheus que iria embora e ele se ofereceu de bom grado a me acompanhar, já que estava tarde e seria perigoso caminhar pelas ruas de São Paulo sozinha.
Tentei encontrar meus amigos para avisá-los de que iria embora, mas cansei de procurá-los e não estava tentada em topar com Thomás e Lucas mais uma vez. Por isso saímos dali, apenas os dois, dentro de um Uber - que não era o meu pai - em direção a minha casa. Não me incomodei em deitar a cabeça em seu ombro e aceitar seu abraço durante o caminho. Agradeci internamente por termos feito o caminho em silêncio, com apenas a música da rádio ao fundo.
Quando chegamos em frente ao meu apartamento, dei um sorriso na direção do garoto e saquei algumas notas para dividir a corrida as quais ele aceitou de bom grado. Murmurei uma despedida e saí do carro, pronta para entrar no condomínio se não tivesse ouvido a voz de Matheus me chamar. Ao me virar, vi o garoto correr na minha direção e envolver minha cintura, tomando meus lábios para os seus.
Eu poderia culpar a bebida pela minha falta de reação, mas talvez eu esperasse por aquilo de algum jeito e poderia ter me decepcionado se tivesse dormido sem aquele gesto.
Foi por isso que embrenhei meus dedos em seus cabelos lisos e louros, sentindo-o colar seu corpo ao meu a medida que me beijava com devoção, com desejo, com adoração. Eu gostava daquilo, gostava de me sentir desejada. Nossos lábios não precisavam de reconhecimento, apenas da conexão que havíamos tido desde o momento em que colocamos os olhos no outro um dia antes.
Parecia uma eternidade.
Descolamos nossos lábios rápidos demais e então ele se foi, entrando no carro que ainda o esperava. Entrei em casa ainda um pouco atordoada e tocando os lábios que desejavam ter sido beijados por mais tempo.
Passei boa parte do tempo na cama, repassando o quanto Matheus parecia lidar bem comigo e como seria lidar com toda essa atenção em signos distintos. Talvez eu devesse freá-lo, mas mudei de ideia assim que recebi seu boa noite pelo aplicativo de mensagem.
Eu: Como conseguiu meu número?
Meus lábios estavam pressionados, tentando conter meu sorriso.
Matheus: Tenho meus contatos. Aliás, caso eu não tenha dito isso, você estava linda hoje.
Tapei a boca, tentando desfazer o sorriso e deixei o celular de lado, me virando na cama para tentar dormir. O que eu fiz sem demora, tendo um sonho perturbado pela imagem de um Thomás triste como havia se mostrado na festa quando me vira com Matheus.
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