16. Câncer
Mais uma terça feira se iniciava e, junto dela, um novo ciclo, um novo signo e uma nova experiência.
Se o Universo estivesse brincando comigo como uma Virginiana organizada, eu estaria no signo de Câncer. Ao me lembrar daquele pequeno detalhe, senti minha espinha gelar e me sentei na cama de imediato, pegando o celular. Algumas mensagens pipocavam na tela e eu tratei de lê-las.
Carol: Já acordei ansiosa pra saber o estado astrológico da Julia.
Gui: Bom dia para você também, Carolina.
Logo depois Carolina mandou um ícone de expressão irritada e Lola um sorrindo ao lado de um coração.
Eu: Acho que estamos em Câncer.
A resposta de Carolina chegou sem demora.
Carol: É bom você ir pra escola hoje, projeto do Universo.
Revirei os olhos e não evitei sentir o coração apertado pela grosseria de Carolina.
Naquele momento passei a entender que aquela era uma reação do próprio signo dentro do meu corpo, já que eu estava acostumada com as grosserias da minha amiga e em outros tempos nunca teria uma outra reação a não ser ignorar a grosseria.
Resolvi me levantar, tomar meu banho e me vestir para ir à escola ou me atrasaria. Quando cheguei à mesa do café, faltava um integrante ali.
- Onde está o papai? - Quis saber, pegando o leite.
- Não está disposto hoje. - Foi minha mãe quem respondeu, checando o celular e parecendo mais abalada que o normal. - Vai ficar em casa.
- Vai faltar ao trabalho? - Franzi o cenho e a vi assentir.
- Mãe, o papai nunca falta no trabalho. - Davi pontuou e eu já começava sentir a ansiedade se apossando de mim, a vontade de chorar por algo pior estar acontecendo com meu pai.
Quando dona Alessandra levantou, eu pude ver as marcas roxas embaixo dos seus olhos mostrando que ela passara a noite acordada e que talvez tivesse chorado. Algo estava muito errado.
- Crianças, não se preocupem. Tudo vai se resolver. - Minha mãe deu um meio sorriso e se levantou. - Todos já terminaram? Estamos atrasados.
É claro que eu nem mesmo consegui colocar o leite no copo e não sentia mais fome. Não estávamos sequer atrasados. Mas eu só estava preocupada com a minha mãe, com o meu pai, com o que poderia estar acontecendo com eles. Não conseguia mais pensar em signo, em comer ou em namoro.
A música da rádio preencheu o silêncio do carro e só voltei a me pronunciar quando estava prostrada do lado de fora dos portões do colégio - que ainda estavam fechados, mostrando o claro transtorno pelo qual minha mãe passava ao achar que estávamos atrasados.
- O que acha que está acontecendo? - Senti um nó na minha garganta ao me dirigir ao meu irmão.
Davi mordeu o lábio inferior, balançou a cabeça em negação enquanto fitava seus pés.
- Acho que nossos pais estão se divorciando.
Sabia que ele estava sendo sincero, que não tinha intenções de me machucar, mas não consegui evitar que algumas lágrimas se derramassem. A primeira fungada atraiu o olhar assustado de Davi, que tocou meu rosto de imediato.
- Ju, meu Deus, o que foi? Me desculpa. Foi algo que eu disse? Calma, não sabemos se é isso mesmo. - Meu irmão tentava me acalmar dando um abraço apertado, mas era tarde demais.
A possibilidade de meus pais estarem se divorciando esmagava meu peito e fazia transbordar em lágrimas. Não era algo que eu podia controlar como uma torneira a ser fechada. É claro que eu não consegui responder uma palavra sequer, apenas abracei meu irmão e observei algumas pessoas a nossa volta assistindo à cena com curiosidade. Não me importava, naquele momento eu queria sentir a minha dor - por mais que aquilo soasse como um dramalhão.
- Vai ficar tudo bem. - Davi me afastou e limpou minhas lágrimas. - Você tinha que entrar no signo de Câncer bem agora, não é mesmo? - Meu irmão lamentou.
- Bem agora. - Concordei e limpei as lágrimas e funguei. - Bem agora que nossos pais estão se separando.
Os portões se abriram naquele momento e nós tratamos de entrar. Eu decidi passar no banheiro para lavar o rosto e Davi indicou que iria até sua sala levar a mochila, mas logo estaria me esperando na minha própria sala para me consolar - sabia que em boa parte ele estaria ali para esperar Lola, mas o cuidado de meu irmão com meu novo signo era tocante.
Enquanto lavava o rosto, notei que Tati havia entrado banheiro. Não me dirigiu a palavra e eu não fazia questão de fazer o mesmo. O signo de Câncer não me deixava propensa a querer me meter nos assuntos amorosos dos meus amigos e Guilherme tinha que agradecer ao Universo por isso, porque se eu ainda estivesse em Gêmeos talvez eu e Tati estivéssemos tendo uma longa conversa naquele momento.
Abandonei o banheiro antes que ela saísse da cabine a qual havia entrado e me dirigi até a sala. Para a infelicidade - ou felicidade, não sei - do meu canal lacrimal, meus amigos já haviam chego e conversavam com Davi. Todos estavam ali, exceto Thomás. Onde ele poderia estar? Por que havia faltado?
- Ju... - Carol se aproximou de mim, abraçando meu corpo para si.
Não fiquei surpresa, sabia que Davi já devia ter dito tudo à eles. Lola se aproximou e acariciou minhas costas e Gui tratou de acariciar meus cabelos.
- Fique calma. - Carol se afastou e limpou algumas lágrimas que insistiam em se derramar. - Ainda não sabemos se eles estão se separando mesmo.
- É claro que estão, Carolina.
Meu tom debochado fez a postura da garota se alterar no mesmo momento.
- Carol, ela só está nervosa. - Meu irmão tocou no ombro da minha amiga.
Carol se desfez do toque e se afastou dois passos, os dentes rangendo.
- Câncer é mesmo o pior signo do zodíaco. Bem vindos ao meu inferno particular. - A garota ergueu os braços no ar apenas para voltar a baixá-los com força enquanto entrava na sala.
- Ela só estava tentando ajudar, Julia. - Davi deu um longo suspiro e beijou os lábios de Lola antes de se afastar.
Gui e Lola entraram na sala e eu fiquei parada lá fora, completamente sozinha. Senti mais outra enorme vontade de chorar e o fiz.
Sabia que não deveria ser grosseira com os meus amigos, eles só estavam tentando me ajudar, mas tinham que entender que eu passava por um momento difícil. Entrei na sala depois de terminar de limpar as lágrimas e me sentei cabisbaixa.
Não falei uma palavra sequer com meus amigos e eles também não me incomodaram. Thomás resolveu não aparecer e aquele foi um dia particularmente silencioso. Foi bom para que eu me atentasse às matérias e revisões. Percebi que estava ocupada demais nessa brincadeira do Universo e acabei me esquecendo de me dedicar à escola.
Quando o último sinal tocou indicando que já era hora de partir, me levantei de ímpeto e saí a passos largos até o portão. Por sorte avistei minha mãe entre os muitos carros estacionados em frente ao colégio e tratei de entrar no banco da frente.
- Como foi seu dia, Julia? - Ela perguntou enquanto eu colocava os fones no ouvido e procurava por uma música.
- Normal. - Murmurei, sem conseguir olhar para a minha mãe.
Sabendo que eu não era uma garota de muitas palavras, ela não voltou a falar até que meu irmão estivesse no carro, repetindo a pergunta e então se preocupando com a objetividade do mais novo.
- Você e a Julia brigaram? - Ela quis saber, olhando para meu irmão pelo retrovisor.
Naquele momento eu diminui o volume da música, fingindo que não estava ouvindo a conversa.
- Deixa a Ju pra lá, mãe. - Foi o que meu irmão respondeu. - É só uma fase.
- Isso é sobre o garotinho do restaurante?
Sabia que ela falava sobre Thomás, mas me contive para não responder com grosseria. Afinal eu estava ouvindo música.
- Não. Não tem nada a ver com ele. - Meu irmão fez uma pausa antes de suspirar. - Talvez você e o papai devessem compartilhar mais da vida de vocês. Não sabem como isso nos afeta.
Meu irmão estava irritado com toda a situação e não duvidaria que estava afetando até mesmo o Tuti que nem era tão ligado assim na família.
Pude ver minha mãe apertando o volante com força antes de responder.
- Vocês saberão quando for a hora. - Dona Alessandra umedeceu os lábios antes de continuar. - Não queremos alarmá-los enquanto ainda não for necessário.
Passei boa parte do meu dia me empaturrando com alguns doces e salgadinhos, não sentindo fome a noite. Também aproveitei para colocar a matéria em dia. Não voltei a mexer no celular, mas podia vê-lo se acender vez ou outra com alguma mensagem nova.
Se fosse para meus amigos fazerem pouco dos meus problemas, então era melhor que eu não falasse deles de modo algum. Também não vi nenhuma notificação de Thomás, assim como não voltei a receber nenhuma mensagem de Lucas - o que era um grande alívio.
A mesa do café no dia seguinte estava completa, mas silenciosa. Ninguém voltou a se pronunciar e eu não tive coragem de olhar nos olhos dos integrantes da minha família.
Quando chegamos ao colégio, Davi me abordou.
- O clima está muito estranho lá em casa. - Ele começou a falar enquanto tentava acompanhar meu ritmo. - Acho que vou na passar a tarde na casa da Lola hoje.
- Que bom pra você. - Murmurei.
A verdade é que eu estava brava com Davi por ele não ter sequer ido ver como eu estava no meu quarto. Quer dizer, quando sua irmã emocionalmente abalada passa o dia todo trancada dentro do próprio quarto é motivo o bastante para você ir visitá-la.
- O que foi, Julia? - Davi se colocou em minha frente, impedindo que eu continuasse meu caminho até a sala de aula.
Revirei os olhos, bufando e desviando meu olhar do dele.
- Nada. Esquece. Deixa pra lá. Vai passar.
Dito isso, passei por ele e caminhei a passos largos, deixando-o para trás.
Todos os dias eu ficava na porta da sala para aguardar meus amigos e até a aula se iniciar, mas naquele dia em particular eu resolvi me sentar e mexer um pouco no meu celular. Algumas mensagens se acumulavam ali, mas nenhuma delas era de Thomás. Quando eu estava prestes a mandar um texto dramático, ele apareceu no meu campo de visão.
- Bom dia, Julia.
Ergui meus olhos a tempo de ver a expressão de um garoto levemente adoentado, como se estivesse saindo de uma gripe. Por que ele havia me chamado de Julia e não apenas de Ju?
- Bom dia, Thomás. - Murmurei, deixando meu celular de lado. - Por que não me mandou mensagem?
Me virei para o garoto já sentado em sua própria mesa e o vi dar um meio sorriso. Nem se eu quisesse conseguiria ficar brava com ele.
- Peguei uma gripe. - Deu de ombros. - Você não respondeu meu Feliz Páscoa.
- Aconteceram uns problemas em casa. - Foi só o que eu respondi, balançando uma caneta entre o indicador e o médio. - Ficou sozinho o dia todo? - Olhei-o por baixo dos cílios.
Thomás franziu o cenho e deu uma risada baixa.
- É claro. Não tinha nem condições de levantar da cama, que dirá de conversar com alguém. - Ele umedeceu os lábios e alcançou minha mão inquieta, me fazendo erguer a cabeça para olhá-lo corretamente. - Minha mãe chegou com uns comprimidos e disse que hoje eu estaria melhor. Ainda estou com coriza, mas me sinto melhor. Talvez não queira me beijar hoje e eu vou entender se não quiser.
Revirei os olhos e dei um meio sorriso. Me debrucei sobre a mesa e segurei seu rosto com as duas mãos, selando nossos lábios.
- Não seja bobo. - Semicerrei os olhos na sua direção. - Eu sempre vou querer te beijar.
O sorriso genuíno no rosto adoentado do garoto era uma coisa fofa de se ver. Na porta eu podia ver meus amigos segurando suas mochilas enquanto falavam com um Davi um pouco atordoado.
Talvez eu devesse conversar com o meu irmão já que passávamos pelo menos naquele momento em relação à família. Meus irmãos sempre me davam suporte. Muito mais Davi do que Tuti e aquele era mais um motivo para eu engolir o orgulho e ir atrás dele.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro