Parte 1
A batida intensa na porta me tirou do meu sono profundo.
— Emily!
— Já vou! — Sentei-me na cama, esfregando meus olhos e amassando meu cabelo para me fazer minimamente apresentável.
Levantei da cama num pulo com a batida forte vinda da porta. Ele queria acordar todo mundo do bairro? A ressaca veio como um soco, cada batida como uma bomba explodindo ao meu redor. Eu não me lembrava de nada da noite anterior, e iria ficar o dia inteiro assim... Tenho que ir com calma na próxima.
— Já vou, que saco! — Gritei, mas minha voz mal saiu. Percebi a dor latente em minha garganta que não estava ali antes.
— Rápido!
Caminhei até a porta de entrada da minha casa; um lugar bem simples, um chão de madeira liso e pouquíssimos móveis, nada que entulhava um apartamento de poucos metros quadrados quanto o meu. Só o suficiente para viver, era o que eu precisava mesmo.
— Já não basta ontem, como você está aqui tão cedo? — Perguntei ao abrir a porta.
Um vento gelado subiu pela minha espinha. Meu namorado me abraçou forte, me senti fora desse mundo por um segundo. Quase o perdoei por ter acordado uma garota de ressaca daquela forma.
— O que você quer, hein? — Pergunto.
— Não seja chata, Emily. — Ele apertou minha bochecha, mas afastei sua mão. Não gostava de tanto toque logo a essa hora da manhã — Vim passar o dia com você, já que não consegui ficar no clube tanto tempo ontem. Pode ser?
— Não. — Falei rápido. — Eu tenho que escrever hoje. — E tinha mesmo, mas não queria a companhia dele de qualquer forma.
— Qual é, Emily. — Ele me soltou — Você ainda está...
— O que você acha?
— Quer alguma ajuda? Faço qualquer coisa — Ele piscou o olho direito, faceiro, idiota.
— Não, de verdade Brian. Eu só quero ficar sozinha.
— Me liga quando tiver escrito algo, então... Quero ser o primeiro a ler.
— Vai ser, pode deixar.
Fechei a porta antes que ele pudesse me enrolar ainda mais. Não queria ter sido tão fria... Suspirei, ouvindo seus passos em direção ao elevador. Brian era uma boa pessoa, eu não queria agir dessa forma, mas há meses. Meses! Eu não escrevo nada. E o prazo está acabando, essa nuvem espessa na minha cabeça não sai de forma alguma.
Por insistência de Carol, acabei saindo para uma noite de bebedeira, esperando que isso trouxesse alguma melhora. Mas foi em vão. A angústia só aumentou, e agora a dor de cabeça latejava incessantemente.
Engoli um remédio para dor, depois outro para o estômago revirado. Adicionei um para concentração e me agarrei ao café. Abri meu notebook, colocando-o na mesa de centro, e fiquei ali, encarando a página em branco.
Meus olhos fitaram a página em branco por um tempo infinito, até a tela se apagar, deixando só o meu reflexo estranho através da tela escura. Meu cabelo liso, cortado irregularmente nos ombros, as raízes castanhas contrastando com a tinta verde desbotada que eu aplicara semanas atrás. A franja, maltratada por surtos incontroláveis, exibia um corte desigual.
Minha camisa regata branca estava manchada de álcool e os ombros caídos. Eu me sentia esgotada, desgastada por dentro, um bagaço humano, incapaz de encontrar a energia ou inspiração para escapar desse ciclo de angústia e desespero.
Decidi me levantar, pois nada de bom surgiria dali naquele momento. Preparei uns ovos mexidos e tomei um banho, mas não me senti renovada. A dor de cabeça apenas abrandou um pouco. Ao me olhar novamente no espelho, deparei-me com o mesmo rosto cansado e embaçado, uma imagem duplicada como se eu estivesse observando uma pessoa que nunca mudava, não importasse o quanto eu tentasse me limpar. Era uma mancha que parecia jamais sair.
Um forte enjoo tomou conta de mim, e acabei vomitando tudo o que havia comido. Apoiei-me no vaso, girando a cabeça, tentando recuperar o controle. Após alguns minutos eu levantei, me assegurando de que não enjoaria novamente. Limpei a boca e observei meu delineado esmaecendo através do espelho. Sorri, por algum motivo isso era engraçado.
Precisei sair do banheiro, antes que outro surto se instalasse. Estendi-me no sofá de couro, o único luxo que permitia a mim mesma, comprado com o dinheiro do meu primeiro livro. Ninguém imaginaria, ao me ver assim, que eu havia escrito um livro de romance escolar na adolescência.
Me imaginei jovem de novo. Como eu conseguia escrever tanto? Vivia na casa dos meus pais, eles discutiam diariamente, então eu só colocava um fone de ouvido e ficava escrevendo minha vida escolar — de uma forma meio exagerada? Sim, mas o livro precisava de mais emoção do que a vida de uma nerd com poucos amigos e vivência escolar.
A desgraça é que essa porcaria de livro fez sucesso, e eu conquistei um contrato com a editora, mas... Não consigo mais escrever nada. Nada mesmo. Olho ao meu redor, vejo todas as coisas que alcancei com aquele livro, meu sonho de ser escritora realizado. O calor me deixa irritada, mas tudo aquilo é meu. Eu não preciso aguentar homofobias, machismos, engolir ofensas...
Deveria estar vivendo minha vida dos sonhos... Era meu sonho ser escritora, não era? Droga, era, não era?
Levanto novamente para buscar mais um remédio. Já vomitei o que tomava para concentração, e agora meus pensamentos estão dispersos. Também evitei tomar meu antidepressivo, mas já está na hora. Pego o celular e vejo mensagens de Brian me incentivando.
Sorrio. Pelo menos ele ainda me apoia.
Quando será que o perderei? Quando será...
Bato a caixa de remédios na minha testa. Chega de pensar besteiras! Vamos nos concentrar no romance. Preciso escrever!
— Vamos lá... — Sussurrei. — Aurora, Liam e Alex... E se eu começar pela cena do baile de formatura logo?
Levei as mãos ao rosto, encarando a pagina em branco. Aurora era tudo o que eu gostaria de ser, Liam era como Brian, e Alex iria ser a força de mudança que iria fazer o plot caminhar para frente. Vamos lá, eu já fiz isso antes... Eu já fiz isso quando tinha dezesseis, deveria ser mais fácil agora...
— Será que eu já faço os dois começarem como um casal?
— Será que eu coloco um plot twist e faço Liam e Alex se apaixonarem?
Fiquei resmungando, tudo parecia um fracasso. Nada...
Uma batida forte na porta me tirou do foco. Brian, de novo? Que saco. A raiva se apoderou de mim, estava prestes a xingá-lo.
Suspirei, não podia agir assim, lembre-se que você o ama... Lembre-se que você o ama...
— Não abra a porta! — Uma voz feminina estridente atravessou a minha porta de madeira. — Por favor, não abra!
— Espera... — Não entendi. — Espera, quem é?
— Emily, aconteça o que acontecer, não abra a porta. — Ela falou com uma seriedade que chegou a me arrepiar de onde estava.
A porta continuou a ser esmurrada, e eu já não entendia mais nada.
— Se não quer que eu abra, por que está batendo aí então? — Rebati, irritada.
— Não abra! — A voz insistia, parecendo desesperada.
— Eu vou chamar o síndico. Não sei quem é você, mas vai se dar mal se eu colocar minhas mãos em você.
Apesar das ameaças, a pessoa continuou batendo na porta com tanta força que parecia que ela seria arrancada dos trincos.
— Para, caralho! — Eu segurei firme a maçaneta, prestes a abrir a porta.
— Emily, se abrir a porta, você morre.
— O quê? — Fiquei paralisada, aquilo estava passando dos limites. — Chega, não me interessa.
Decidi não abrir, peguei o interfone e disquei para a portaria.
— Dá pra mandar a pessoa que está aí na frente se ferrar, por favor? — Falei, nervosa. — Olha, tem alguém fazendo uma brincadeirinha idiota na minha porta, e se você não tirá-la daqui, vou chamar a polícia.
— Senhorita Emily? — O porteiro respondeu confuso. — Por favor, me explique direito.
— Só ouve.
Apontei o interfone em direção à porta, que nesse momento parecia estar sendo arrombada com um bastão de tão alto e forte que eram as batidas.
— Tá ouvindo? Não é possível que vocês permitam uma coisa dessas.
— Senhorita, se acalme.
— Não vou me acalmar, porra! — gritei — Eu tô trabalhando e uma idiotice dessas acontece! Fala pra ela parar de bater na minha porta, faz alguma coisa.
— Senhorita, não há ninguém em seu corredor, eu não estou ouvindo barulho nenhum. — Ele suspirou pesadamente através do interfone — Tem câmeras no prédio, senhorita. Não está acontecendo nada. A senhorita quer que eu chame Brian?
— Como assim...?
— Estou vendo as câmeras, senhorita. — Ele me assegurou. — Não está acontecendo nada, eu juro pela minha mãezinha — Ele disse, rindo.
Não era engraçado, o barulho ensurdecedor da porta quase sendo arrancada de sua base... Coloquei o interfone de volta na parede. Certo, o que diabos estava acontecendo. Minha ressaca não me dava moleza.
— Ao menos! — Exclamei entre as batidas — Ao menos para de bater, eu não vou abrir a porta, mas para de bater...
Eu não sabia para quem estava falando isso, mas sentia que iria enlouquecer se esse filho da puta não parasse de bater naquele instante.
— O que você quer? — Perguntei, incerta.
— Emily, você tem que tirar a Aurora da história.
— Como você sabe disso...? — Eu não havia contado a ninguém o plot, só minha editora. — Meg que brincadeira é essa? É você? DÁ PRA PARAR DE BATER NA MINHA PORTA!?
— Emily, não deixa isso te dominar... — A voz parecia mais calma do que já estava antes. Não era a voz de Meg, minha editora, eu saberia se fosse. Mas então, quem era?
— Chega, vou abrir essa merda.
— Emily, você vai morrer se me deixar entrar.
— Isso eu quero ver.
A porta continuava a ser esmurrada, iriam me matar mesmo? Mas o porteiro não viu ninguém pelas câmeras...
— Tá na hora de admitir que você está ficando maluca... — Disse a mim mesma, rindo.
Abri a porta.
O mundo ao meu redor mergulhou na escuridão, não consegui ver o corredor que deveria estar ali. Subitamente, dois homens me seguraram pelos braços, puxando-me com tanta força como se quisessem me despedaçar. A mulher com quem eu estava falando surgiu diante de mim.
— Emily, eu disse que você morreria se abrisse... — Sua voz ecoava, e eu mal conseguia discernir seus detalhes. Ela era do mesmo tamanho que eu, com uma voz doce, e os homens que me seguravam me puxavam com tanta brutalidade... Eu estava vendada?
— O que você quer... — Minha voz falhou, meu corpo parecia se recusar a entender a gravidade do perigo.
Aquilo parecia um sonho, tinha que ser um sonho. Eu ia morrer dessa forma ridícula? Sem ter feito nada?
— Só tenha uma ideia melhor na próxima... — Ela se aproximou, seu rosto deformado pela escuridão. Não conseguia ver seus olhos, nariz ou bochechas, apenas seus lábios vermelhos se destacavam de forma sinistra.
— Do que você tá falando...?
Meu corpo foi puxado com tanta violência que meus braços pareciam dilacerados. Gritei, gritos tão intensos que minhas cordas vocais se romperam no processo. A mulher sem olhos me observava, consumida pela escuridão enquanto minha visão retrocedia... e retrocedia...
Meus braços haviam desaparecido, e eu sangrava tanto! Sujando minha camisa regata branca com litros de sangue vermelho. A dor era insuportável... Eu vou morrer... Eu vou morrer!
— Não! — Não! Não! — Não! Não! Não!!!
Então, de repente, Brian me abraçou.
— Emily!
— Não! Me solta! Me solta! — Me debati, convulsionando ao seu lado, meu corpo fora de controle. Queria me bater para aliviar a dor, me machucar e parar de sangrar.
— Emily... — Ele me forçou contra seu corpo, segurando minhas mãos com firmeza, impedindo-me de me arranhar com força. — Por favor, acorda!
Abri os olhos... Estava de volta à minha cama. Brian estava ali, um pouco suado, me abraçando com força. Eu gritava, sentia minha garganta cerrar, incapaz de entender o que estava acontecendo. O que está acontecendo? O que está acontecendo?
— O que está acontecendo...? — Perguntei, depois de parar de tremer tanto e finalmente recuperar o fôlego.
— Ainda bem que eu tenho a chave do teu apê — Ele disse me abraçando — Você tava gritando tanto, tava tendo um pesadelo eu acho.
Me soltei dele e me levantei, estendendo os braços e bocejando, sentindo a dor de cabeça lancinante voltar com tudo. Meus braços estavam intactos, eu não sangrava mais, nem doía. Que pesadelo esquisito... Pareceu tão real. Droga, precisava escrever.
— Olha, obrigada por ter vindo me ver, como você fez antes, mas...
— Como eu fiz antes?
— É, mas agora eu preciso que você vá embora, ok?
— Ainda está travada no livro? — Ele se levantou, perguntou segurando minhas mãos da forma fofa que ele sempre fazia quando estava preocupado.
— Sim... O que... O que você acha? — Balbuciei... Lembrei-me do meu sonho. Eu havia dito aquelas mesmas palavras... — Na verdade, você... Pode ficar um pouco?
Abaixei a cabeça, esperando que ele não ficasse, mas desejando tanto que ele estivesse ali...
— Claro, amor. — Ele bagunçou meus cabelos. Sorri, talvez com ele ali algumas palavras saiam da minha mente direto pro papel.
— Obrigada... — Tremi um pouco, ainda sentindo a dor latente do meu braço arrancado em meu pesadelo. Não podia acreditar que eu sonhei com algo tão violento.
— Vai me fazer aquele ovo mexido, vai? — Ele perguntou, com olhos de cachorrinho abandonado. Eu ri do rosto idiota dele.
— Vou, seu bobo.
Me espreguicei de novo, indo em direção à cozinha. Abri meu notebook, deixei a folha em branco me esperando enquanto eu cozinhava. A ressaca ainda estava aqui, a dor de cabeça terrível ia e vinha. Tomei meus remédios, afastando a imagem de eu os vomitando no meu pesadelo... Foi tão real...
Tão real...
Então, alguém bateu na porta com força.
— Emily, não abra a porta! — A voz feminina dos meus sonhos surgiu de repente, enquanto as batidas continuavam com a mesma intensidade.
— Ei, linda. — Brian me abraçou por trás enquanto eu cozinhava, beijando meu pescoço delicadamente.
— Não abra a porta, Emily! — A voz falou ainda mais alto, ecoando nas batidas violentas.
Droga...
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