51 - As Leis da Pirataria
Que comecem os jogos.
As equipes dividiram-se e foram para as mesas de trabalho. Poeta tinha escolhido o grupo muito bem, em sua humilde opinião. Dimitri tinha o raciocínio rápido, apesar de ser um cabeça quente. E Kim, apesar de não parecer muito interessada, não ficava para trás.
Havia esquemas, desenhos de modelos e peças de todo o tipo espalhados pelo tampo da mesa. Poeta tinha trazido algumas das suas mais ilustres geringonças também e, em frente aos olhos dos garotos, havia um relógio aberto e uma lupa. Dimitri aumentava seus olhos por trás da lente, enquanto Poeta mexia nas engrenagens.
— Consegue ver? — girou uma delas. — Cada uma dessas peças tem uma função e juntas trabalham para movimentar os ponteiros.
— E como fazer para que elas sejam precisas? — perguntou Kim.
— Para isso, temos a roda de escape.
Poeta apontou para uma engrenagem distinta das outras e tocou de leve.
— Ela serve como um freio do movimento. Por isso tem um formato diferente das outras.
E o ponteiro se mexeu. O grupo foi tomado por "ahs" e "ohs" de surpresa, enquanto Poeta se vangloriava de seu pequeno feito. Ele estava adorando tanta atenção. Lars foi o único a cuspir uma risada.
— Grande perda de tempo.
Não muito longe dali, o Time Jack se encontrava. A líder e professora do grupo havia juntado várias peças de madeira e materiais de construção em cima da mesa, de uma maneira um pouco desorganizada.
— Tudo bem, galera. Não é difícil.
Mas ela mesma parecia um tanto perdida. Jack tentava ensinar ao grupo como mexer nas ferramentas e fabricar suas próprias engrenagens, mas poucos pareciam estar entendendo.
— Só precisamos calcular o exato número de dentes que cada uma delas deve ter para que o movimento seja perfeito.
Caspar levantou a mão.
— Sim? — perguntou Jack, feliz pelo amigo estar interessado.
O rapaz da pólvora coçou a nuca e apontou para a mesa.
— Por que estamos mexendo com peças de madeira?
Jack fechou a cara.
— Porque vocês madames não têm noção nenhuma de ferraria. Continuando...
Caspar levantou a mão. De novo. Jack sentiu a sobrancelha tremer de inquietação.
— Argh, o que foi?
— Posso ir ao banheiro?
— Vai — bufou.
Poeta havia posto todos os seus pupilos para trabalhar. Dante, Lars e Ted tinham folhas de papiro em sua frente e desenhavam a imagem de engrenagens, acrescentando ao seu lado as medidas exatas de cada uma das partes. Não que estivesse ficando bom, mas, pelo menos, estavam se esforçando.
Até Cook pisou na tinta e deixou sua marca no trabalho.
Dimitri dava tudo de si, mas seus rabiscos não passavam disso. Rabiscos. Uma criança desenha melhor que isso, pensou, desanimando-se. Olhou para a esquerda e Kim havia feito uma boa imitação da verdadeira engrenagem em seu papiro. Droga. Olhou para a direita... bem. Poeta tinha praticamente criado uma nova engrenagem em seu desenho. Mas aparentemente já havia acabado, pois parecia entretido ajustando algo em seus óculos.
— Por que você usa isso?
— Hã?! — perguntou Poeta.
— Não é como se você precisasse enxergar melhor.
Na verdade, Poeta tinha sim leves problemas de visão, mas isso não o impediu de abrir um sorriso confiante.
— Dimitri, meu caro. Isto é um mecanismo que eu mesmo inventei. Chama-se Cabuse.
— Cabuse? — perguntou Dimi.
— É só um apelido.
Seria mais fácil mostrar do que falar. Poeta alcançou Cabuse nas mãos de Dimitri, que prontamente o vestiu. O que viu em seguida era fantástico. O mundo em sua frente foi tomado por várias e várias linhas azuis, modelando todas as imagens que surgiam em suas lentes.
— Essa belezinha serve para tudo o que você pode imaginar. Pode ser um binóculo de longo alcance, uma calculadora extremamente rápida e até mesmo imagens ele pode captar.
— Tipo aquelas fotografias?
— Exatamente como fotografias.
Poeta puxou uma alavanca ao lado que fez com que as lentes fechassem por um milissegundo, captando o momento. Dimitri levou um susto momentâneo, mas logo voltou a se fascinar. Informações diversas apareciam em frente aos seus olhos, de acordo com a vista que ele escolhia. Havia símbolos que ele desconhecia também, mas de fato, Cabuse dava a sensação de poder ao seu usuário. De ter controle sobre todo o mundo.
— Wow...
— Na verdade, eu enxergo meio mal. Por isso tenho óculos normais para isso. — Bateu na lateral de sua bolsa. — Mas não uso, porque... bem, depois que você conhece o mundo dessa maneira, não há nada que se iguale.
Dimitri suspirou maravilhado uma última vez e retirou as lentes, voltando a enxergar como um mero humano. Devolveu os óculos a Poeta.
— Como você fez isso?
Poeta recolocou-os ao redor do pescoço, com orgulho.
— Projetei com o senhor Donvar em Pedreira. Ele entendia do assunto. Tinha uma sala cheia de máquinas inventadas por ele. Até protótipos de máquinas voadoras.
E era óbvio que Caspar tinha que voltar do banheiro justamente nesse momento.
— Esse papo de novo?
O intrometido abriu espaço e apoiou-se na mesa, logo ao lado de Kim.
— E aí?
Kim revirou os olhos e saiu de perto no mesmo momento. Caspar, sem graça, voltou a falar com os garotos, que eram quem lhe restava.
— Qual foi, galera?
— Me orgulho muito do meu trabalho. Já desenvolvi tantas peças para a tripulação que já perdi a conta.
— Foi você que projetou o cinto da Jack também? — perguntou curioso.
Poeta suspirou, incomodado.
— Nem me fale nessa desgraça. A Gema era uma das minhas mais ilustres invenções...
— Gema?
— Gancho de Escalada Manual e Automático — explicou. — Ela a destruiu. Depois de Pedreira nunca mais voltou a funcionar.
De repente, logo voltou a se alegrar.
— E agora com os pedidos do capitão Hall, estou trabalhando nas minhas microinvenções.
Poeta pôs a mão dentro do cinto e de lá retirou várias miniaturas. Jogou-as em cima da mesa e voltou a procurar algo, que parecia com um controle remoto.
— Você pode guardar elas no bolso e aumentá-las de tamanho com um simples botão.
Caspar, que estava entretido brincando com uma delas, levou um susto e caiu para trás quando Poeta apertou o controle. O que antes era um brinquedo do tamanho da palma da mão de uma criança agora era um objeto grande e estranho que lembrava um tocador de discos, por conta de um pedaço de tuba posicionado em cima, que parecia muito com os canos de comunicação instalados no navio.
— E esse daí é o Kevin.
Caspar levantou e analisou Kevin de perto, confuso e revoltado.
— Me diz. Para que serve esse trambolho?
— Se conectar a ponta com a sua orelha e encontrar a frequência certa, consegue ouvir qualquer coisa em um raio de cinco quilômetros — demonstrou Poeta, mexendo em alguns botões giratórios.
Caspar tentou, sem muito sucesso. Dimitri voltou para seu desenho. Algo em sua cabeça não fazia muito sentido.
— Eu não entendo o Hall. Tudo isso por causa de um tesouro?
— Tá brincando?
Caspar deu um salto de indignação.
— Hall teve seu tesouro roubado. ROUBADO! Por outro capitão. Isso não tem espaço nenhum nas leis da pirataria.
Dimitri levantou uma sobrancelha, desacreditado.
— E desde quando piratas têm leis?
— É claro que temos leis, não somos bárbaros.
— Tenho algumas objeções quanto a isso.
Caspar bufou.
— As leis sempre existiram, mas foram oficializadas por Zachary Bones há quase meio século — explicou Caspar. — E essa é a lei número dois do código pirata, seu ignorante. "Não roubar de outros piratas."
Dimitri fez uma careta.
— Aparentemente, então, ninguém segue a lei.
— Lei número um: todos os piratas devem seguir as leis da pirataria, cabeção. — Kim passou e deu um cascudo no moleque.
— Ouch — reclamou o novato. — Mas piratas não são conhecidos justamente por roubar, cabeção?
Caspar levou os dedos à testa, acalmando-se.
— Aff, eu tenho que explicar tudo, não é?! Pois bem, é considerada uma enorme covardia roubar assim de outro capitão.
— E piratas odeiam ser tachados de covardes — acrescentou Poeta. — É mais honroso batalhar por um tesouro do que simplesmente roubá-lo na surdina.
— Situações assim deveriam ser resolvidas em um mano a mano justo em terra firme — continuou Caspar.
Dimitri cuspiu uma risada e juntou as sobrancelhas.
— Terra firme?
— Lei número seis! — Caspar irritou-se. —Aff... Poeta!
De prontidão, Poeta retirou seu fiel escudeiro do bolso e limpou a garganta.
— "Durante situações de alto risco, disputas devem ser resolvidas em terra firme, com um duelo entre lâminas ou armas da sua escolha."
— E nas melhores vezes... — Caspar arregalou os olhos e segurou o pescoço. — Termina com uma cabeça sangrenta pendendo do mastro.
Apesar de achar metade daquilo uma baboseira só, Dimitri estava particularmente intrigado com aquela história. Resolveu sondar.
— E o que é esse tesouro, afinal? Moedas de ouro? Diamantes?
Caspar ficou um momento em silêncio, pensativo. Então coçou a cabeleira, dando de ombros.
— Ah, sei lá, cara. Hall nunca nos deixou ver. Imagino que seja algo valioso. Ele e Zuca roubaram do reino de Nova Baggi faz um tempo. Esconderam nas cavernas, mas um dia, quando voltaram, não estava mais lá. John Kirk havia roubado.
— Vocês estão indo atrás de um tesouro que não fazem ideia do que é?
Dimitri enrijeceu a expressão, mas logo a aliviou. Tinha alguém ali muito mais fácil de se tirar informações confidenciais.
— E você, Poeta? Sabe alguma coisa sobre o tesouro?
De repente, Poeta pareceu nervoso. Quer dizer, mais do que o normal.
O que Hall quer com um Castiçal?, lembrou das palavras de Jack no outro dia e lançou-lhe um olhar discreto. Naquele mesmo caderninho em suas mãos, havia toda a sua pesquisa. Escondeu-o rapidamente, começando a suar.
— Eu não... não sei nada sobre tesouros, por que eu saberia?
Apesar de perceber que algo estava suspeito, Dimitri não era como Jack. Não. Ele era mais do tipo observador passivo. Deu de ombros.
— É que você é o capataz do capitão, então...
— E o que VOCÊ continua fazendo aqui, pirralho?
Kim reapareceu impaciente e cruzou os braços em frente a Caspar. E ele, claro, não podia perder a oportunidade.
— Vim iluminar o seu dia, raio de sol.
— Se manda.
— Sim, senhora.
Com o rabo entre as pernas, Caspar retirou-se de medo, logo após receber um beliscão no braço. Voltou para perto do Time Jack, esfregando o machucado e reclamando baixinho. Mal imaginava que quando chegasse mais perto, Jack estaria à beira de um ataque nervoso. Era claramente visível que ela estava se segurando para não chutar aquela mesa longe.
— Droga — xingava.
Parecia um pouco mais perdida do que quando Caspar havia saído para ir ao banheiro. As peças estavam todas espalhadas, várias feitas pela metade ou do jeito errado. A equipe estava tensa por não conseguir replicar o trabalho e Jack simplesmente não tinha paciência para ser didática.
— Era só prender a droga do pedaço de madeira na droga do parafuso que ninguém teria perdido um dedo.
— O QUÊ?
Caspar demorou cinco minutos no banheiro. Muita coisa pode acontecer em cinco minutos. A questão era:
— Quem perdeu um dedo?!
— Ninguém — respondeu King, com o polegar enfaixado e uma expressão de dor.
— Tá, nós vamos perder.
— Não, não vamos — respondeu Jack, convicta.
Caspar suspirou e tocou a mão no ombro da amiga.
— Eu sei, eu também quero ganhar. Mas já olhou para aqueles caras?! — Apontou para a mesa inimiga. — Eles têm muitos gênios em um time só.
— Quem você está chamando de gênio ali?
— Dã... Dimitri e Poeta?! Kim é uma gata, mas não faz ideia do que está fazendo. Ficou perambulando, na volta, enquanto os dois faziam todo o trabalho.
Jack cuspiu, incrédula.
— Você só pode estar brincando. Aquela princesa, um gênio?!
Caspar franziu a testa.
— Por que você está agindo assim? Sempre foi grossa, mas isso é demais até para você. Pensei que tivesse se entendido com o Dimi.
Parou um instante para pensar.
— Espera. Isso não tem a ver com o incidente das sirenas, tem?!
Caspar conhecia Jack muito bem e, no exato momento em que ela descaradamente desviou o olhar para o céu, ele teve certeza.
Não acredito.
Chegava até a ser engraçado.
— Ah, meus deuses... — O loiro soltou uma risada. —Você quer mesmo continuar com essa briga só por causa de um beijinho?
— Cala a boca!
Jack gritou, mas logo percebeu o alvoroço que podia causar e baixou o volume da voz, envergonhada. Puxou Caspar para um canto.
— Eu não vou deixar que aquele palhaço me faça de idiota de novo. Não na frente de toda a tripulação.
Caspar abriu um sorriso provocante. Ele sabia do que aquilo se tratava.
— Sei... você não sabe mesmo perder, não é?!
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