50 - Uma Banheira Velha
Mas Kim não o havia chamado para trabalhar. Dimitri chegou ao convés e uma roda de marujos havia se formado ao redor de um que se destacava por entre a multidão. Patrick Hall parecia ter um comunicado muito importante a dar.
— Homens! — Sua voz tomou conta do espaço. — Estamos a poucos dias de chegar na Ilha da Barracuda.
Os sentimentos da tripulação eram mistos quanto àquela informação. A temida Ilha da Barracuda estava próxima.
— Mas antes — continuou o capitão — precisaremos passar por um obstáculo que não estávamos contando. A Barreira de Corais.
Uma onda de murmurinhos curiosos espalhou-se rapidamente pelo convés. Hall sabia bem o que fazer naquelas horas.
— Poeta!
O moleque dos mapas deu um passo à frente, animado, e abriu seu caderninho.
— "A Barreira de Corais é uma estrutura que circunda toda a Ilha da Barracuda. É impenetrável e muito resistente. As espécies de peixes que a habitam podem ir desde baiacus até..."
— Impenetrável e muito resistente — interrompeu Hall, retomando a palavra. — Sabem o que isso significa?
O capitão baixou o chapéu e pôs-se a caminhar por entre seus subordinados. A cada passo que dava, sua respiração sincronizava mais com o barulho de suas botas pesadas no chão. Olhou cada um daqueles piratas nos olhos. Um por um.
— John Kirk tem um navio de guerra pronto para qualquer obstáculo. E o que nós temos?
— Uma banheira velha! — gritou Caspar, confiante.
Fedelho, bufou Hall, rangendo os dentes de raiva.
— Em outras circunstâncias eu o jogaria da prancha, marujo, mas sim. — Aumentou o tom de voz. — Uma banheira velha, homens. E é por isso que os chamei aqui hoje. Não vou deixar que os Chapéus Verdes e o Octopus estejam mais preparados que nós.
— É, isso aí! — alguém gritou. Provavelmente Caspar, tentando se redimir.
— Por isso, hoje tiraremos o dia para Poeta e Jacqueline darem aulas de mecânica básica para todos vocês.
Lars, o Atroz, resmungou em um canto:
— Todos têm que participar?
— Sim, Lars. Todos têm que participar — respondeu Hall, desgostoso. — E para motivá-los um pouquinho, haverá uma competição amistosa com prêmios para os vencedores.
— É! Uma rede nova. — Cesco, o almirante, pulou de alegria. — Mandou bem, senhorita Apa.
Apa arregalou os olhos.
— E quem disse algo sobre redes novas?
— Dividiremos a tripulação em dois grupos — continuou Hall, pendurando-se em um dos brandais. — Cada um deverá seguir as instruções de seus mentores corretamente. O grupo vencedor ganhará os privilégios de um capitão durante uma semana. Isto é — desembainhou a espada —: comida do melhor estoque, uma cabine pessoal e o principal...
Lançou a espada, fincando certeiramente a lâmina em um barril de rum.
— ...o poder sobre seus colegas de bordo.
A tripulação ficou estática. Caspar puxou um sorriso assustador.
— Tá, isso é muito melhor do que uma rede nova.
Hall pulou de volta para o convés, abrindo espaço por entre os marujos, e recuperou sua espada.
— Poeta, agora passo a palavra para você.
Retirou-se, voltando para sua cabine. O trabalho dele já tinha sido feito por ali. Poeta deu um passo à frente, para ficar no centro da roda de piratas, e subiu em um barril para ficar mais alto. Seus olhos brilhavam de felicidade quando limpou a garganta para falar:
— Senhoras e senhores — anunciou — e bichano...
Cook miou nos braços de Lars.
— Hoje...
Momento mistério.
— ...construiremos um relógio!
Mas só ele parecia irradiar aquela energia. Uma onda de vaias e interjeições negativas poluiu o ar, desmotivando os marujos. Poeta não desistiu nem tirou o sorriso do rosto. Procurou alguma coisa no bolso das calças e de lá tirou um pequeno relógio prateado que cabia perfeitamente na palma da sua mão.
— Vejam só. — Abriu-o.
Por dentro, podia-se ver detalhes desenhados à mão por trás dos ponteiros bem entalhados e pontiagudos. Mexiam-se a cada minuto, a cada segundo, na verdade. Os piratas mais curiosos aproximaram-se para ver aquela maravilha de perto. Estavam acostumados a calcular as horas a partir da posição solar, apesar de terem um grande relógio no convés. A verdade é que a maioria deles não sabia ler a posição dos ponteiros.
— Esse daqui eu construí com apenas nove anos de idade. Guardo todo dia do lado da minha cabeceira de lembrança. — Suspirou. — Bons tempos...
Jack empurrou-o para o lado ao querer subir no barril também. Os dois baixinhos disputando por espaço, que hilário.
— O que ele quis dizer é que qualquer cabeça de bagre consegue montar um desses — ela explicou e abriu a mão no ar para contar algo nos dedos. — Um relógio leva apenas cinco engrenagens e é o básico para a compreensão de mecânica que vocês precisam.
Poeta retomou a palavra.
— Antes da competição começar, Jack e eu instalaremos mesas para as aulas. Em uma delas, vamos ensinar a fabricar as engrenagens e o resto dos materiais. — Indicou-as nas laterais do navio.
Os marujos começavam a se animar.
— Quando estiverem prontos, passem para a minha mesa, onde darei a explicação teórica e os princípios básicos de como montar um mecanismo desses — continuou o cartógrafo.
Por fim, olhou para Jack, que tinha os braços cruzados e uma expressão assustadora no rosto. Ela parecia esperar por aquele momento.
— Agora vem a parte legal. Vamos dividir os times.
— Ah, certo — concordou Poeta.
— Eu começo.
Jack levou uma das mãos até o rosto e coçou o queixo. Olhou para todos os presentes do convés. Tantas opções, tantas... havia aqueles que eram inteligentes, aqueles que eram fortes e aqueles que eram ágeis. Do que ela precisava no momento para ganhar? Varreu o deque principal, até seus olhos pousarem no marujo perfeito. Inteligência e força médias, mas a alta agilidade compensava perfeitamente. Além de ser de alta confiança.
— Cesco — chamou.
— É para já — gritou o almirante, saltando do alto.
Foi para trás de onde Jack estava. Agora era a vez de Poeta escolher. Ao contrário de Jack, para ele, a única coisa que importava naquele dia era o intelecto. Artistas e cientistas não precisavam ser fortes fisicamente, muito menos rápidos no que faziam. Afinal, a pressa é inimiga da perfeição. E ele tinha a pessoa perfeita para aquele trabalho.
— Kim — chamou.
Logo, logo, o convés tornou-se um campo de convocação de soldados para uma guerra iminente. Cada membro que Poeta escolhia parecia frustrar Jack, apesar de ela ter certeza de que estava montando o time perfeito para levá-la à vitória.
— King — chamou Jack.
— Ted — chamou Poeta.
— Apa — chamou Jack.
— Dimitri — chamou Poeta.
— Caspar — chamou Jack.
— Dante — chamou Poeta.
Normalmente, essa não seria uma escolha óbvia. Na verdade, nem mesmo seria uma escolha. Poeta não conseguia nem pensar em trabalhar no mesmo ambiente que Dante, mas Jack já tinha escolhido King e Apa sabiamente. E Caspar por falta de opção. Os últimos dois marujos que faltavam eram Jonas e Lars, o Atroz. Os líderes de equipe trocaram um olhar rápido em tom de desafio. Jack estava determinada.
— Jonas — chamou.
Ótimo, Poeta engoliu em seco. Seu pior pesadelo tinha se concretizado.
— ...Lars — chamou, de cabeça baixa.
O velho marujo rosnou por entre a barba malfeita ao passar por Poeta, que estremeceu. Os times terminaram de se separar e lá estavam:
Time Poeta: Kimberly, Tedesco, Dimitri, Dante e Lars.
Time Jack: Cesco, Apa, B. J. King, Caspar e Jonas.
Os concorrentes trocaram ameaças em silêncio e King não deixou de soltar uma risada.
— Isso vai ser interessante.
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