— Caspar, joga para mim! — gritava Dimitri.

— Não, não joga! Dá a volta no porto! — gritava Kim.

O caos alastrava-se na Baía de Hombatomba e todos os homens da Guarda do Rei ziguezagueavam pelo Centro. Os cidadãos gritavam, fechando as janelas e recolhendo as mercadorias de suas bancas. Podia-se ouvir o barulho dos oficiais ao longe, correndo por entre a multidão com suas lanças de ferro. Não era para menos o alvoroço também, eles haviam sido informados que ladrões tinham roubado a biblioteca da família real e levado algo de imenso valor.

— Olha, são os Saqueadores da Barra! — Os cidadãos apontavam.

— Peguem-nos! Não os deixe escapar! — Gritavam os guardas.

Kim puxou Dimitri para trás de uma mureta de pedra em Porto Netuno. Abaixaram-se. Dali já conseguiam ver o Nadia Keane desancorando ao longe. Eles estavam muito, muito ferrados.

— Se dobrarmos na Travessa Minguante, talvez consigamos alcançar Caspar na esquina com a Avenida Central.

Dimitri fez uma careta. Ele não conhecia nenhum daqueles nomes.

— ...vou fingir que entendi e que isso é um ótimo plano.

— Ótimo.

— Ah! Socorro, galera!

Caspar disparava rua em frente, intercalando entre olhar para trás e despistar os oficiais da guarda, e gritar de desespero. Uma coisa inevitavelmente anulava a outra. Estava sendo perseguido por pelo menos uma dúzia de homens e mulheres em armaduras reluzentes, segurando suas armas mais reluzentes ainda. E estava prestes a ter um problema. Ele ia direto do Centro para o final do deque de madeira do cais.

— Eu vou matar esse moleque.

Kim resmungou e agarrou a mão de Dimitri em um impulso, os dois voltando a correr, cabeças baixas e corpos ágeis, em busca de um atalho. O garoto dos olhos azuis sentiu uma fisgada no pescoço, podendo jurar que conhecia aquela parte da cidade, como um vislumbre de sua vida passada ou algo parecido. De repente, aqueles lugares não eram tão estranhos assim. Puxou Kim para uma rua escura e estreita. Os dois jogaram as costas contra a parede de pedra branca e deixaram que um grupo de guardas os perdesse de vista.

O Nadia Keane estava preparando-se para zarpar. Sua única chance seria chegar a tempo de pular do deque com Caspar, sem esbarrar com os guardas reais. Dimitri sabia que uma chalupa os esperava no mar.

— Agarrem-no! — gritava o Comandante da Guarda.

Era um homem não muito alto, mas corpulento. Tinha em suas mãos a bandeira oficial de Hombatomba, com vibrantes tons de azul e detalhes em branco que desenhavam uma andorinha. Aquele era o brasão da família real.

Os garotos corriam como se suas vidas dependessem daquilo. E era mais ou menos o que estava acontecendo, afinal. Os dois desviavam-se dos cidadãos e dos vendedores ambulantes. Dimitri escorregou por baixo de um carrinho, ao passo que Kim pulou por cima. Suas lâminas cortaram o tampo de madeira sincronizadamente, fazendo as várias melancias e laranjas rolarem ladeira abaixo. Pelo menos assim ganhariam algum tempo.

— MINHA MERCADORIA!

— Nada pessoal, tio! — gritou Dimitri, voltando-se para Kim. — Belo salto.

— Bela esquiva — a ruiva respondeu.

Os dois riam, com as bochechas rosadas de cansaço.

— Posso me acostumar com essa vida — disse Dimitri.

Kim deu de ombros.

— O que dizer... somos os famosos Saqueadores da Barra. Temos que manter a reputação. — Voltou-se para frente, em alerta. — Prepare-se para pular.

Kim adentrou uma nova ruela, saindo da Travessa Minguante e chegando quase ao lado de onde Caspar estava, enlouquecidamente, correndo uma maratona. A contramestre e o criado de bordo foram ao seu encontro e a ruiva pulou no deque, levando Caspar consigo. Dimitri teria ido também, afinal seu corpo estava em uma velocidade e adrenalina tão altas que era quase impossível ele ter freado o passo. Mas conseguiu, no momento em que seus olhos foram de encontro com um cartaz amarelado pendurado no muro. Parecia estar ali há alguns meses. Lia-se a palavra "PROCURADO" em letras garrafais.

Dimitri chegou mais perto, piscando os olhos, como se tivesse enxergando algum erro absurdo, mas não existia mais dúvidas.

— O quê...

Era ele quem estava desenhado ali.