Capítulo 2
Tudo que Calipso mais queria naquele momento era um bom banho de cachoeira. Ela tinha passado a noite inteira pesquisando e lendo sobre o caso, tudo para não deixar nenhum detalhe passar despercebido. De onde vinha, banhar-se de cachoeira era visto como um banho medicinal. A avó de Calipso se segurava fortemente nas crenças da região e a neta carregava um pouco desse apego. Se comentasse sobre o curupira perto dela, com toda certeza Calipso daria um sorriso em agradecimento aos trabalhos feitos pelo protetor da flores
O transito caótico de São Paulo a fazia sentir saudade da sua cidade natal, onde poucos carros transitavam pelas ruas. A caminho do aeroporto, pensava em como conseguiria ter acesso as aeromoças, colegas de trabalho de Clarisse, já que, era bem provável que muitas estivesssem em algum voo trabalhando.
Como algo normal em um aeroporto, diversas pessoas transitavam de um lado para outro carregando muitas malas. Calipso caminhou até a área de embarque da aviação e quando chegou perto, descobriu que estava interditada com grandes faixas amarelas isolando o local. Diversos policiais conversavam com aeromoças que choravam convulsivamente e repórteres doidos para capturar alguma coisa interessante. Sem esperar que a resposta de toda aquela bagunça caísse do céu, correu para perto de uma das aeromoças.
—Bom dia, o que aconteceu por aqui?
— perguntou tocando o ombro da mulher, que se assustou com o toque.
—Uma das aeromoças foi assassinada. — comentou com a voz carregada de luto.
—Estou investigando o caso de Clarisse. — anunciou enquanto abria sua caderneta. Suor escorria por sua testa, o calor de São Paulo não a ajudava naquele momento. — Vocês eram muito próximas? Como era a postura de Clarisse no trabalho e no fim do expediente?
A aeromoça deu um longo suspiro tentando se acalmar e se apresentou: chamava-se Maria Clara. Segundo ela, trabalha no aeroporto a dois anos e Clarisse tinha entrado um ano antes dela. As expressões assustadas e frágeis daquela mulher mostrava o quanto era sensível. Os cabelos loiros tingidos estavam bagunçado em seu coque, provavelmente havia passado a mão ali em sinal de desespero.
—Clarisse é bem profissional quando está em voo, bem segura de si, sabe. Mas quando está no intervalo, é calada e quando se sente ameaçada, é bem debochada. — revelou coçando o braço freneticamente, como se ali tivesse algo que a incomodasse. — Ela se dá muito bem com as aeromoças, quase nunca usa palavras cruéis e interage bastante com quase todas.
—Quase todas?
—Sim, ela não se dava bem com uma das aeromoças, chegavam a se atacar.
— respondeu começando a chorar. — E essa aeromoça é justamente a que morreu hoje.
A revelação fez todos os pelos do corpo de Calipso se arrepiarem. Não era nenhuma coincidência a única rival de Clarisse morrer. Depois do que Eduardo tinha dito para ela, Calipso imaginava Clarisse envolvida em algo sórdido. Agradeceu a aeromoça e foi saindo, precisava conversar pessoalmente com Clarisse e tirar suas próprias conclusões.
Curiosa com uma pequena porta entreaberta atrás da faixa amarela, passou por debaixo da faixa e enquanto todos estavam distraídos, entrou no pequeno quartinho. O que presenciou quase a fez vomitar ali mesmo. Uma mulher morena, vestida de aeromoça estava deitada no chão. Seu pescoço carregava marcas de estrangulamento, umas de suas pernas carregava uma fratura exposta e o rosto era o que mais assustava. A face da mulher estava quase que completamente esmagada, provavelmente alguém usara algo duro para espanca-lo repetidamente com bastante força.
Calipso saiu dali o mais rápido possível e correu para o gol vermelho, quase tropeçando nos próprios pés. Abriu a porta com força e sentou no banco, tomando folego. Já tinha visto algumas cenas de mortes enquanto investigava alguns casos, mas aquele era o mais brutal de todos. Quem tinha feito aquilo carregava muito ódio.
***
Em frente ao portão da casa dos Morais, Calipso se deu ao luxo de hesitar. Aquela seria a primeira vez a ter um contato direto com a vítima e teve receio do que ia encontrar. Bateu no portão e logo em seguida, Eduardo o abriu, dando passagem para Calipso entrar. Ela observou que ele vestia uma camiseta polo azul, os óculos quadrados carregavam sujeira nas lentes e o cabelo castanho estava levemente bagunçado.
—A Clarisse está em casa? — perguntou seguindo Eduardo pela casa
—Sim, ela está lendo na mesa de jantar.
A casa deles era razoavelmente grande, com dois andares. Os moveis pareciam ser projetado especialmente para aquela casa. Assim que chegou na sala de jantar, encontrou Clarisse sentada em uma cadeira de madeira lendo um livro e um homem sentado em outra cadeira comendo algo.
—Esse é o meu primo Nathaniel, está ficando esse mês aqui em casa enquanto reforma a dele. — comentou sentando em uma cadeira.
—Prazer em te conhecer, Calipso. — Nathaniel disse antes de sair da sala, lançando uma piscadinha para a investigadora.
Clarisse tirou os olhos do livro e encarou Calipso. Nenhuma palavra saiu da boca das três pessoas presentes. Meio sem jeito, Eduardo convidou a investigadora para sentar em uma das cadeiras.
—Não nos conhecemos ainda, mas sou Calipso, investigadora do seu caso. — apresentou-se apertando a mão de Clarisse.
—Nem vou me apresentar, sei que é trabalho de investigadores saber tudo da vida das vítimas. — comentou lançando um sorriso sarcástico.
—O que você se lembra daquele dia? — perguntou tirando a caneta da mochila.
—Só de acordar de manhã e depois tudo é um lacuna enorme na minha cabeça.
Clarisse demonstrava pequenos sinais de inquietação, era evidente o desconforto dela ao tocar no assunto do desaparecimento. A investigadora teria que tocar no assunto da morte da aeromoça, mas só de lembrar da cena, sentia náuseas.
—Não sei como contar para você, mas uma colega sua morreu hoje. —anunciou esfregando as mãos freneticamente. — Ela foi assassinada no aeroporto. Fiquei sabendo que vocês não eram tão próximas, mas senti que deveria te avisar.
—A Catarina morreu?!— perguntou expressando incredulidade. — Meu Deus, isso não pode estar acontecendo.
Ninguém mais falou nada depois daquela revelação. Eduardo parecia abismado, parecia não encontrar palavras para expressar o choque. Clarisse passava as mãos pelos cabelos sem parar, como se precisasse aceitar a morte da colega de trabalho. A investigadora achou aquilo estranho. Como ela estaria chorando por uma pessoa que odiava com todas as suas forças? Isso significava fingimento ou remorso por algo. Com sua visão periférica, Calipso notou uma barra de ferro encostada no canto da parede. Ela se encontrava levemente amassada e filetes de sangue escoriam pela barra.
—Eu preciso ir embora, muito obrigada pela recepção.
Sem esperar que falassem algo, andou depressa até o portão e saiu daquela casa. Andando rápido, ela teve certeza que sua teoria estava certa. Clarisse estava envolvida em algo doentio. Ela imaginou aquela barra de ferro atingindo o rosto de Catarina e sentiu o bile subir pela garganta, a forçando a vomitar na calçada. A primeira impressão que teve de Clarisse foi a mesma que a descreveram, uma mulher sarcástica e indiferente. Agora que sabia do envolvimento de Clarisse naquele crime, faria de tudo para descobrir o motivo de seu desaparecimento e qual era a ligação com aquele assassinato. Calipso tinha certeza de uma coisa: iria dissecar cada detalhe daquele show de horrores.
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