Capítulo 1
Tudo o que eu mais queria depois de chegar da faculdade, era deitar na minha cama e dormir, por horas a fio. Contudo, a expectativa era bem distante da realidade naquele momento, pois ao entrar no apartamento que eu dividia com mais duas garotas, percebi que seria uma missão impossível, adormecer naquele lugar.
Sabrina e Jussara estavam sentadas no sofá, ao lado de mais duas garotas, e espalhados pela nossa sala, haviam diversos caras, fumando e bebendo. A música estava nas alturas, e por falar nisso, eu sabia que teríamos problemas com o síndico e os condôminos do prédio, mais uma vez em menos de um mês.
― Boa noite, Beatriz! ― Sabrina me cumprimentou com alegria, mostrando que já estava bêbada. ― Você chegou em ótima hora...
Eu olhei para os copos de bebida espalhados pela sala e pela cozinha, e percebi que muito pelo contrário, aquela era uma péssima hora.
― Oi, gatinha! ― um dos sujeitos disse, se aproximando de mim e pegando uma mecha dos meus cabelos cor de mel, em seus dedos nojentos. ― Por que não se junta a nós nessa festinha?
Eu tentei desviar da bagunça que estava espalhada pelo chão, e fugi logo para o corredor, que levava aos quartos. E de lá já era possível ouvir gemidos abafados, que vinham do quarto de Jussara.
― Ah, não! ― eu disse com desgosto. ― Eu preciso dormir, porque amanhã vou acordar cedo...
Todos começaram a rir, como se aquela fosse uma piada infame e muito engraçada.
― Dormir? ― Sabrina questionou com escárnio. ― Que desperdício!
― Não liga não, Vlad! ― Jussara disse, e então me olhou com desprezo e deboche. ― Essa daí só é bonitinha, pois por dentro é careta e bobinha, feito uma idosa.
Eu suspirei e dei de ombros, afinal a opinião daquelas pessoas, pouco me importava. Eu só morava ali, porque precisava, pois só conseguiria me manter em Belo Horizonte, se dividisse a casa com outras pessoas, então o jeito era engolir vários sapos por semana, até eu me formar, ou então, arrumar um emprego, que pagasse um pouco mais.
Me arrastei até o meu quarto, e o abri com a chave. Afinal, eu não podia confiar que a Jussara e a Sabrina, não iriam transformar o meu aposento em motel, bordel, ou sei lá mais o que, na minha ausência, então só me restava trancar a porta, quando eu saía.
Peguei uma muda de roupa, para poder tomar banho, mas ao chegar na porta do banheiro, vi que o lugar estava um lixo, cheio de porcaria para tudo quanto era lado.
Fiz ânsia de vômito, e então resolvi que de maneira alguma, eu poderia passar a noite ali. Coloquei a muda de roupa que eu havia pegado, dentro da minha mochila, e voltei a fechar o meu quarto à chave, decidindo que iria até a loja de conveniências da minha rua, que para a minha sorte, funcionava vinte e quatro horas por dia.
Desci as escadas do meu prédio, agradecendo por sair do ambiente tóxico, que a minha própria moradia representava naquele instante. E quando pisei na calçada, vi que a Avenida Augusto de Lima estava bastante movimentada, mas mesmo assim, eu não podia me arriscar a ficar perambulando por ali madrugada à fora, ou então seria facilmente assaltada.
Caminhei até a loja de conveniências, e comprei um biscoito para mim, e depois de cumprimentar Rute ― a senhora que era dona dali ―, me encaminhei para a rua e me sentei ali na frente da loja, observando os carros passarem, enquanto eu comia.
Suspirei de chateação, sabendo que eu não podia gastar o dinheiro que eu estava juntando, para dormir em um hotel, ― mesmo que fosse um bem baratinho ― afinal, se eu me esforçava economizando, era porque eu tinha propósitos muito importantes, para serem realizados no futuro.
Me distraí com os meus pensamentos e com o barulho das pessoas, que entravam e saíam do Edifício Maletta, prontas para aproveitarem a noite mineira, com muita diversão. Eu, no entanto, não estava animada para isso, e nem muito menos, tinha companhia para um “happy hour” de última hora.
Eu me aprofundei tanto no meu íntimo, que nem notei a hora passar, e nem muito menos percebi, que havia alguém me chamando.
― Planeta Terra chamando Beatriz! ― Eduardo disse, enquanto bagunçava meus cabelos dourados, e me acordava de meus devaneios. Olhei para ele, muito perdida e então ele questionou: ― o que está fazendo aqui sozinha, há uma hora dessas?
― Boa noite, Edu! ― eu falei com desânimo. ― Problemas de novo, com as moradoras do apê. Elas acham que a nossa casa é um puteiro, e eu não sou obrigada a dormir, com ninguém gemendo no meu ouvido!
Eduardo gargalhou bem alto, mas eu não me chateei, pois sabia que ele apenas achava o meu jeito engraçado, e não simplesmente estava zombando da minha desgraça.
― Eu já te falei que deveria ficar lá em casa, Bia... ― ele disse, com bom humor. ― Não gosto nada da ideia de você ter que ficar lidando com esses caras barra pesada, que as suas colegas levam para o apartamento. Aqui não é mais Itatiaia, onde todo mundo conhece todo mundo. Esses sujeitos podem ser bem perigosos...
― Você não teve medo, ao quebrar a cara de um deles, outro dia! ― eu disse em tom teatral, enquanto me erguia da calçada e dava um soco em seu braço. ― E eu não posso ir para a sua casa e tirar a sua privacidade, senão para onde você levaria as garotas que conhece toda semana, no Tinder? E como não tenho vocação para ouvinte de gemidos estridentes, eu acabaria na mesma situação de agora, estando no seu apartamento!
Eduardo fingiu estar chateado com o meu comentário, mas um sorrisinho malandro surgiu em seus lábios, indicando que ele sabia que não era exagero da minha parte, falar aquilo.
― Não é para tanto, Bia... E, aliás, eu vou parar de uma vez com essa vida de Tinder, pois isso não leva à nada! ― ele disse, se mostrando emburrado.
― Encontrou mais uma maluca? ― eu perguntei, enquanto não me aguentava, e soltava uma gargalhada. ― Bem que eu percebi mesmo, que meia noite é ainda muito cedo, para você já estar indo para casa, em plena sexta-feira.
― Engraçadinha você, hein?! ― ele respondeu, com falso mau humor. ― Digamos apenas, que a noite não foi como eu queria... mas como ela ainda não terminou, que tal irmos lá para casa, e assistir algum filme ou série? Afinal, eu não posso te deixar dormir aqui sozinha, em frente ao Empório da Tia Rute.
― Deixa a Rute ouvir você falando assim dela, para ver se não ganha um peteleco na orelha ― eu disse, enquanto abria um sorriso sincero no rosto. ― E tudo bem, mas só se você fizer aquele capuccino para a gente...
― Faço até dois! ― ele disse, enquanto me puxava em direção ao seu carro, que estava estacionado, não muito longe dali.
Enquanto seguíamos em direção à Savassi, ― que era onde o Eduardo morava ―, ele então me contou que esteve com uns amigos, no barzinho do Edifício Maletta.
Na realidade, o bairro onde ele morava, nem era tão distante ali do Centro, mas não era nada indicado para ninguém, ficar transitando à pé, àquela hora tardia, então Edu sempre ia de carro, àquele point visado pela galera. Afinal, apesar de ser uma cidade maravilhosa, e que eu aprendia cada dia mais a amar, Belo Horizonte também tinha a sua parcela de criminosos, assim como qualquer outra capital.
Não demorou muito, e chegamos ao prédio do Eduardo, que era muito mais luxuoso e seguro, do que qualquer outro que eu já houvesse colocado os pés, ali naquela cidade.
Subimos de elevador, até a cobertura, que era onde o Edu morava, desde que havia virado sócio de uma conceituada empresa, no ramo da Engenharia Civil. E apesar de ele já ter nascido em uma família de boas posses, o negócio do Eduardo com impermeabilizantes, só vinha crescendo, a cada dia mais.
Ao entrarmos no apartamento do meu amigo, eu logo me senti em paz, longe da companhia intoxicada, das minhas colegas de moradia.
― Posso tomar um banho? ― eu questionei com timidez, pois não gostava de incomodar ninguém. ― Eu tinha acabado de chegar da faculdade, quando encontrei aquela zona lá dentro de casa, então...
― Claro, Bia! Afinal, não quero dormir perto de um gambá! ― ele disse, em tom de brincadeira. ― Pode ficar à vontade. Na verdade, eu também vou tomar mais um banho, e tirar toda essa inhaca de festa, de cima de mim.
Nós dois rimos, e em seguida nos separamos; o Edu foi para o quarto dele, e eu entrei no aposento de hóspedes, que era onde eu sempre dormia, quando ia ali.
Eu tomei o meu banho tranquilamente, e vesti o conjunto de moletom, que eu havia colocado em minha mochila, quando então escutei a campainha tocar.
Saí do quarto, e vi que como o esperado, o Eduardo continuava cantando embaixo do chuveiro, e mesmo estranhando a presença de alguém ali ― sem que o porteiro tivesse anunciado ―, resolvi ir atender a porta.
Por burrice da minha parte, acabei não olhando no olho mágico, então assim que abri a porta, me vi sendo empurrada por um par de mãos furiosas, que me fizeram cair ao chão, e bater com a cabeça no piso.
― Então é por isso, que o Eduardo não quis me encontrar! ― a garota morena e alta gritou, enquanto me encarava com ódio. ― Arrumou uma novinha na rua, e trouxe para casa!
― Não é nada disso! ― eu respondi, enquanto me erguia do chão, desajeitadamente. ― Nós somos só amigos, moça.
― E você acha mesmo que eu vou acreditar, que ele estaria em casa em uma madrugada de sexta-feira, com alguma amiguinha pirralha dele? ― a moça questionou, enquanto apontava a sua enorme unha vermelha, para mim. ― Vocês deviam era estar transando, isso sim!
Eu sentia bastante raiva daquela mulher estridente, naquele instante, pois ela já havia chegado me agredindo, de graça, sem nem ouvir o que eu tinha para dizer, mas decidi que não valia a pena, gastar o meu tempo brigando com pessoa tão baixo nível, e nem muito menos, explicando o meu relacionamento com o Eduardo, pois ela parecia não querer raciocinar com coerência, sobre o assunto.
― Muito me espanta, ele trocar uma modelo gostosa como eu, por uma pirralha malvestida, que nem você ― a mulher continuou, enquanto me olhava de forma perniciosa. ― Quem vai a um encontro, vestida assim?
A moça desconhecida, apontou com deboche, para o meu confortável conjunto de moletom preto.
― É porque esse não é um encontro! ― eu falei, meio sem paciência, tentando explicar pela milésima vez, aquele detalhe.
Atraído pela gritaria da visitante, Eduardo surgiu na sala, ainda sem a camisa e com os cabelos molhados, do banho.
― O que você está fazendo aqui, Laila? ― Edu questionou, com uma expressão indignada na face.
― Foi para comer a novinha aí, que você saiu fugido de mim, lá do Maletta? ― ela questionou, apontando a sua garra carmesim, para o Eduardo.
― Deixa de ser louca! ― ele falou, cheio de raiva. ― Eu só não quis mais te ver, pois como eu te disse mais cedo, eu vi você se atracando com aquele cara, na quarta-feira... Então, nós não temos mais o que conversar!
Meu amigo então começou a empurrar a mulher irada, para fora do seu apartamento.
― Só por isso? ― ela perguntou, com desdém. ― Você também transa com outras pessoas!
A tal de Laila então olhou para mim, me fazendo ficar muito constrangida, no meio daquela discussão.
― Não olhe para mim, pois eu sou somente uma amiga! ― eu falei, e então joguei os braços para cima, indicando rendição.
― Eu estava saindo só com você, Laila, mas você é paranoica, e vê coisa aonde não tem ― Eduardo disse, cheio de mágoa ―, então, eu agora posso sair com quem eu quiser. Tchau! E não volte a aparecer aqui, ou então eu chamo a polícia para você!
Em seguida, ele bateu a porta na cara de Laila, e então se voltou para mim, com uma expressão muito chateada no rosto.
― Me desculpa por isso, Bia! ― ele pediu, enquanto me olhava com seus olhos cor de mel, e bagunçava os cabelos castanhos, por pura tensão. ― Eu não sabia que essa louca viria até aqui...
― Está tudo bem, Edu, mas por que não disse para ela, que somos só amigos? ― eu quis saber. ― Essa Laila é tão doida, quanto os amigos da Sabrina e da Jussara, e eu não quero essa maluca atrás de mim, por causa de nada.
― Porque eu não devo satisfações, para aquela ali! ― ele disse, mostrando que estava com o ego ferido. ― Mas fica tranquila, que a Laila é cão que ladra e não morde. Ela não fará nada contigo, até porque eu não deixaria.
― Não pareceu ― eu disse, enquanto acariciava o meu crânio dolorido, depois do tombo. ― Você conheceu ela no Tinder também? Só eu que acho uma loucura, marcar encontro com um desconhecido?
― Não ― ele respondeu, já se encaminhando para a cozinha, a fim de fazer o nosso capuccino. ― Foi o Kenedy quem me apresentou à ela. E é uma loucura mesmo, tanto que não quero saber mais desses aplicativos de relacionamento, pois só tenho arrumado encrenca.
E eu já não sabia mais, quem tinha o dedo mais podre: o Edu, ou o sócio dele, Kenedy, que também estava sempre metido em confusão, com alguma garota.
― Deus me livre ter a sorte que vocês têm, para o romance! ― eu disse e então ri, mas logo levei um cutucão de Eduardo.
― Zomba da minha desgraça mesmo, viu? ― ele falou, enquanto preparava os ingredientes do capuccino.
― Uma hora você vai achar uma garota legal, e que não coloque a sua vida em risco ― eu falei, ainda em tom de deboche. ― Mas por falar nisso, por que o porteiro deixou ela subir, sem avisar?
― Deve ter achado que ela era esperada por mim, mas irei avisar que não é, pois a Laila não é mais bem-vinda aqui ― ele disse de forma enigmática, mostrando que já esteve com ela ali, no seu apartamento. ― Agora que tal você escolher o filme, enquanto eu termino isso aqui?
― Está bem ― eu disse, ao perceber que ele estava desconfortável, e que queria encerrar aquele assunto. ― Vou escolher algo bem distante do romance, para você não pensar mais na sua má sorte!
Eduardo soltou uma gargalhada espontânea, e então me olhou com seus olhos cor de âmbar, que agora já estavam bem mais calmos.
― Combinado! Pode arrumar tudo lá no meu quarto então... e sem romance! ― Edu disse, me surpreendendo ao notar, que ele não pretendia ver o filme na sala.
Não questionei, pois o Eduardo só deveria estar tão exausto quanto eu estava, e por isso, deveria preferir assistir o filme deitado.
Escolhi uma trama de ação e suspense, e logo nós estávamos tomando os nossos cappuccinos, e vendo o filme, que por sinal, era muito bom. No entanto, como eu estava muito cansada da minha rotina puxada, acabei adormecendo, em algum momento, no meio daquela trama.
Quando acordei, meio zonza e perdida sobre onde eu deveria estar, percebi que ainda estava na cama de Eduardo, que dormia tranquilamente, ao meu lado.
Senti o meu coração disparar, ao ver que ainda estava ali, e então apenas me arrastei para fora da cama, tentando fazer o mínimo de barulho possível. Contudo, quando eu já me retirava sorrateiramente do quarto, notei os olhos dourados de Eduardo, me observando na penumbra.
― Você dormiu, e eu não achei justo te acordar... ― ele justificou, ao perceber que eu estava incomodada com aquela situação.
― Obrigada ― eu disse com sinceridade. ― Agora eu vou ir para onde eu deveria estar, já há algumas horas.
― A cama deve estar gelada, mas boa sorte! ― ele disse, em tom de zombaria.
― Até de manhã, Edu! ― eu disse, me despedindo dele.
― Até lá, Bia! ― ele disse, soltando a cabeça de forma largada no travesseiro, logo em seguida.
Caminhei rapidamente para o quarto de hóspedes, e para a minha tristeza, a cama estava mesmo gelada, e menos convidativa do que a do Eduardo, mas aquele era o certo a se fazer, para não gerar especulações falsas, como as da Laila, então apenas me deitei, em silêncio.
Me cobri com as cobertas, e antes que eu pudesse pensar em mais alguma coisa, a exaustão me venceu, e eu então adormeci.
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