Subjugados Todos Permaneceremos
Era por volta das 21:15 quando o último funcionário do escritório foi embora, sem se dar conta da hora Amber continuava focada em seu trabalho, justamente para esquecer dos problemas, os colegas de trabalho nunca deram muita atenção a ela, e por isso, mesmo com as notícias correndo a solta ninguém fez questão de chama-la avisando o fim do expediente. Só quando o relógio bateu às 22hrs que se deu conta de como o escritório estava vazio, apenas ela, e percebeu como nunca tinha realmente prestado atenção naquele lugar, as várias mesas alinhadas lado a lado, aquele monte de computadores brancos, muitos telefones, uma máquina de fax, uma copiadora velha, papeis espalhados por todos os lados, o chão de madeira bem enseirado que dava pra enxergar o próprio rosto, tudo aquilo tão calmo, sem pessoas falando, sem telefones tocando, só ela, envolta na imensidão de seus pensamentos.
Mesmo já tarde da noite e sozinha, conseguiu se manter sob controle, não entrou em pânico, apenas se preocupava com o percurso até o metrô, e mesmo assim não tinha sentimento negativo algum em relação aos que a deixaram para trás, o que lhe apertava o peito era a saudade de sua irmã mais nova, menina meiga, inocente, apaixonada pela vida, aventureira e com um senso de justiça muito grande. Amber sorria enquanto se lembrava de seus momentos juntas na fazenda do avô, entretanto a hora avançava cada vez mais, tinha que desligar as luzes, fechar a porta e ir embora. Já saindo do prédio olhou atentamente aos arredores, tudo calmo, um o outro carro passando, as ruas clareadas pelos postes de luz que cultuavam muitos cenários de morte na imaginação da jovem, a tensão era inevitável, apesar disso seguiu rapidamente para a estação e seu caminho para casa foi tranquilo. No meio da viagem escutou algumas pessoas comentando sobre a morte da menina na faculdade, mas era praticamente impossível um assunto tão macabro não repercutir nas grandes massas, não só Amber, mas todos estavam com medo.
Por volta das 00:25 Amber chega em seu prédio, vai subindo as escadas e quando chega no quarto andar se depara com sua vizinha.
– Menina isso é hora de estar chegando em casa, por acaso não assiste nenhum noticiário? Morreu uma moça toda desmembrada. – A vizinha faz um gesto se benzendo.
– Eu vi sim, na verdade vi bem demais.
– E mesmo sabendo disso ainda aparece tão tarde em casa?
– Acabei me enrolando no serviço. Por acaso a senhora estava me esperando?
– Não, eu nem sabia que você estava fora. Estou esperando meu filho que ainda não chegou, liguei no trabalho dele e pedi que ele voltasse mais cedo para casa, mas até agora nem sinal daquele teimoso.
– Entendi! Mas pensei que a senhora só tivesse filhos pequenos.
– Além dos meus dois caçulas eu tenho o mais velho, estuda e já trabalha para ajudar nas despesas, ele é o meu orgulho.
– Enfim, espero que ele volte logo, boa noite.
– Boa noite menina.
Amber subiu para seu andar, ao chegar analisou a porta, vê se alguém mexeu nela, não encontra nada, entra e a tranca, olhou em tudo, mas nada fora do lugar, nenhuma carta, absolutamente nada, sentiu-se aliviada. Ainda sem ter feito as compras do mês come o que acha na geladeira, desta vez só acha os ovos e aquela geleia de uva suspeita, decidiu não arriscar, comeu só os ovos.
Após o jantar, foi tomar banho, de baixo do chuveiro ela tentava fugir de qualquer pensamento que pudesse remeter ao assassinato, e logo lhe veio a mente a prova que não fez, a nota zero que tirou, contudo não se preocupava mais pois uma prova não necessariamente a reprovaria na matéria, e falando em matéria, o que aquele professor queria conversar com ela? Se perguntou, no entanto, era quase certo que seria sobre a realização da prova, ou a falta dela. Logo foi se deitar, sua manhã seguinte seria em casa descansando, nada de aula, por isso pretendia dormir até um pouco mais tarde e fazer suas compras, desligou o despertador e foi dormir.
Quase dando 7hrs da manhã, a jovem desperta sozinha, ainda muito sonolenta decidiu ficar deitada um pouco mais, era cedo e os mercados ainda não estavam abertos. De repente alguém bate em sua porta, o coração de Amber acelera, suas mãos começam a suar, sente um nó na garganta, batem na porta novamente, contudo desta vez chamam pelo seu nome, ainda assustada, em voz baixa pergunta quem é, para a sua surpresa, era a polícia. Rapidamente o seu medo se transforma em dúvida, o que a polícia estaria fazendo no apartamento dela? E quase como uma luz que iluminou sua cabeça lembrou-se das cartas, mas como eles sabiam delas? Decidiu então esconder as duas cartas na roupa.
– Já vai!! – Gritou Amber.
Ao abrir a porta se deparou com dois policiais, o que estava na frente era um policial alto, mal-encarado, com a mão em sua arma como se fosse atirar a qualquer momento, atrás dele, um policial um pouco mais baixo, aparentemente simpático, em suas mãos carregava uma pasta.
– Pois não? Em que poderia ajudar os senhores? – Diz Amber com uma voz tremula.
– Bom dia moça, eu sou o policial Jackson, e este aqui é o detetive Adams.
– Em que posso lhes ser útil?
– Creio que saiba do assassinato que teve ontem correto? – Perguntou o detetive.
– Sim, eu sei.
– Pois bem, estamos investigando a morte da jovem estudante de jornalismo Jane Scarllett, e temos uma lista de nomes que possuíam uma ligação com a moça, alguns já foram interrogados ontem mesmo, entretanto ainda faltam outros, por isso estamos aqui, você era muito próxima dela senhorita, Amber, correto?
– Sim é Amber, mas desculpe senhor, eu não era próxima dela, na verdade nem a conhecia.
– Como assim, os dados fornecidos eram para ser apenas de conhecidos!
– Não sei o porquê do meu nome estar aí.
– De qualquer forma precisamos levá-la para depor, mas antes gostaríamos de revistar o seu apartamento.
– Claro.
Os policiais entram, olham ao redor, não encontram nada de suspeito, o detetive então a questionou:
– Amber, mora sozinha?
– Sim.
– A quanto tempo?
– Desde que me mudei para cá a dois anos.
– Aonde morava antes?
– Fredericksburg.
– Meio longe né, veio só para estudar? Morava com seus pais lá?
– Vim para estudar, meus planos após me formar são de voltar e exercer minha profissão lá onde morava. Eu vivia apenas com minha irmã e meu avô.
– De acordo com a minha ficha aqui você é estudante de arquitetura certo?
– Sim.
– Você trabalha ou recebe algum tipo de pensão?
– Eu trabalho.
– Complicado ter que trabalhar e estudar.
– Sim senhor, é meio difícil conciliar tudo.
– Por acaso durante o seu dia te sobra algum tempo, entre a faculdade e o trabalho, seja antes ou depois?
– Não, saio daqui para a faculdade, e de lá para o trabalho, e volto a noite para casa.
– Entendo! Bom, de qualquer forma você precisa vir conosco, há outros a serem interrogados. Vou pedir ao policial Jackson que leve uma carta avisando sobre sua ausência no trabalho hoje, iremos para a delegacia.
– Tudo bem, só vou me trocar antes de ir.
– Esperamos aqui fora.
– OK.
Amber entrou e rapidamente procurou um lugar para esconder as cartas, achou que seria um bom esconderijo colocar embaixo de sua geladeira, logo depois de escondê-las trocou de roupa e saiu, acompanhou os policiais e enquanto descia percebeu como todos os vizinhos estavam tão silenciosos, talvez a notícia de policiais no prédio os assustou de alguma forma ou os atiçaram a tentar escutar as conversas. De qualquer forma a jovem entrou no carro de polícia e se encaminhou para a delegacia, no caminho veio a notícia através do rádio no carro que os que seriam interrogados iriam todos para o mesmo local, essa seria uma mudança de planos pois a princípio todos permaneceriam em locais e horários diferentes. Amber não se atentou e perguntou:
– Ah, detetive Adams, não consigo me conter em perguntar, mas como a polícia teve acesso aos nomes de todos nós?
– Como eu havia dito, interrogamos alguns estudantes ontem mesmo no local do crime, acabamos chegando um pouco atrasados por um erro na comunicação, porém ainda conseguimos levar meia dúzia para depor na delegacia.
– Meu professor disse algo sobre a falta de comunicação entre a polícia.
– Sim, aliás, o corpo docente também será interrogado. Mas como ele sabia disso?
– Não sei senhor, ele apenas comentou comigo.
– E você não falou que esteve ontem na cena do crime!!
– Eu fui para a aula normalmente, quando cheguei lá eu vi aquilo, passei mal e o professor me amparou na hora.
– Gostaria do nome deste seu professor.
– O sobrenome dele é Scott, não sei o primeiro nome, ele dá aula de história da arquitetura.
– Vou anotar aqui, falaremos com ele depois.
Chegando na delegacia havia algumas poucas pessoas com placas protestando sobre a morte da estudante Jane, eles sabiam sobre o interrogatório dos possíveis suspeitos por isso se reuniram, dentro da delegacia logo na recepção, muito introvertidos estavam a mãe e o pai de Jane, não precisava perguntar quem eram, era visível a tristeza e o luto.
Amber foi levada para uma sala mais ao fundo da delegacia, lá estavam todos que iriam depor, vários alunos da faculdade, aproximadamente 18, e pelo menos uns 3 de sua sala contando com ela, se sentou junto a eles e esperou. Depois de alguns minutos o detetive Adams começou a chamar um por um para conversar, todos na sala pareciam tensos, todos pareciam esconder algo, mas de fato era impossível todos terem participado da morte da estudante, ou será que não? Contudo não podia descartar a ideia de que o assassino estaria ali junto dela no mesmo lugar, a mesma pessoa que além de ter matado uma aluna a sangue frio e de maneira absurdamente grotesca ainda lhe mandava cartas ameaçando e obrigando-a compactuar com tudo sem poder revelar nada, a jovem se vê presa e sufocada, queria poder falar tudo, entretanto estaria colocando a sua família em risco, o assassino poderia ter alguém que estaria esperando por um simples comando de eliminação para acabar com seu avô e sua irmã, ela não poderia arriscar a vida deles, não queria conviver com aquilo, naqueles dois anos morando na cidade grande já havia desenvolvido ansiedade, depressão, e se mais uma bomba dessas caísse em sua vida ela não aguentaria, por fim decidiu não revelar sobre as cartas. O jogo de gato e rato finalmente tinha começado, e quanto mais tempo esse jogo levasse mais pessoas poderiam morrer.
12 já haviam sido entrevistados num intervalo de 7 horas, Amber ainda esperava por sua vez, mas devido à demora já tinha pensado e repensado em tudo, observou todos que estavam na sala com ela, o único que não pôde de fato observar foi o primeiro a ser interrogado, ainda assim não se sentia confortável com a situação, a sua tensão continuava constante, mas não parecia o mesmo para um de seus colegas de classe, que entediado proferiu:
– Não sei por que estamos perdendo tanto tempo aqui, se eu pudesse escolher alguém que parece realmente suspeito seria a esquisitona da sala ali. – Falou apontando para Amber.
– O que você quer dizer com isso?
– Isso mesmo que escutou, apostaria que o assassino é você!
– Como pode falar uma coisa dessas, tem ideia da acusação que está me fazendo? É de uma pessoa morta que estamos falando!
– Sua euforia só mostra o quanto estou certo!
– Seu desgraçado, eu não duvido nada que poderia ser você. – Amber se levanta da cadeira chorando.
– Ui, calma lá, não precisa me matar por isso beleza?
– Vocês dois, vamos parar com isso agora mesmo, entenderam!? – Disse o policial que estava vigiando-os.
Das outras 4 pessoas que esperavam pelo interrogatório, duas jovens olhavam para o rapaz que tinha causado o alvoroço e cochichavam, uma outra jovem continuava de cabeça baixa, no entanto um rapaz no canto olhava fixamente para Amber, ela logo percebeu e sentiu um enorme frio na espinha, poderia ser ele o autor de tudo aquilo? Na mesma hora o detetive Adams apareceu na porta e chamou Amber.
Ela esperava que seria a última a ser interrogada, como foi a última a chegar, mas logo se levantou e foi para a sala.
– Sente-se senhorita Amber, fique à vontade. Vamos conversar um pouco.
– Claro!
– Eu gostaria de reconstituir com a senhorita o que aconteceu algumas horas antes de acharem o corpo da Jane na escadaria da faculdade, tudo bem?
– Tudo bem.
– Então senhorita Amber, aonde estava por volta das 12hrs do dia 03/04?
– Bom, eu estava no escritório onde trabalho.
– Isso seria depois do horário da faculdade correto?
– Correto, eu saio de lá entre 11:40 e 12hrs, mas neste dia eu não consegui dormir bem na noite passada então sai mais cedo da faculdade e cheguei no escritório às 11hrs.
– No período da manhã no dia 03 em que esteve na faculdade, houve algum contato entre você e a vítima?
– Não senhor, como eu disse, nem mesmo a conhecia.
– Certo. Qual aula estava tendo naquele dia?
– Era prova de História da Arquitetura.
– Claro, daquele professor que havia mencionado.
– Ele mesmo.
– Durante seu tempo no escritório a tarde por acaso você saiu para fazer alguma coisa?
– Não senhor.
– Considerando que tenha chegado mais cedo no trabalho, suponho que tenha saído mais cedo!
– Saí, mais ou menos umas 18hrs, meu horário normal seria às 21hrs.
– Saindo mais cedo do trabalho o que a senhorita fez neste meio tempo?
– Nada senhor, saí mais cedo e fui direto para casa dormir, estava muito cansada.
– E chegou em casa por volta de que horas? 19hrs, 20hrs?
– Umas 19hrs.
– Então dormiu a noite toda né, e na manhã seguinte?
– Acordei umas 6hrs, e umas 6:30 já estava indo para o metrô.
– Esse seria o tempo crucial senhorita Amber. O corpo da estudante foi encontrado por volta das 8:05, a perícia afirmou que a morte foi causada mais ou menos 45 minutos antes, e de acordo com o seu depoimento a essas horas você se encontrava no metrô correto?
– Sim senhor. Cheguei na faculdade 8:30.
– Acho muito impressionante seu detalhe com os horários senhorita.
– Eu estou sempre atenta para nunca me atrasar.
– Hum, entendo. Mais uma última coisa, nos pertences de Jane foi encontrado uma carta e um desenho, sabe algo sobre isso?
Quando escutou falar da carta a jovem sentiu um aperto no peito, toda a tensão veio de uma vez, nesse momento sua visão foi ficando escura, começou a hiperventilar, e desmaiou. O detetive rapidamente a socorreu e a mandou para uma sala na delegacia para que pudesse se recuperar, os interrogatórios continuaram.
Amber acordou no início da noite por volta de umas 19hrs, os interrogatórios já tinham acabado, logo quando recobrou a consciência a primeira coisa que viu foi o policial Jackson sentado ao seu lado.
– Oi, o que aconteceu?
– Oi menina, você passou mal e desmaiou.
– Desmaiei?
– Sim, estava na sala sendo interrogada, ficou tonta e desmaiou.
– Me lembro do interrogatório, fora isso...
Nesse momento Amber se lembrou da pergunta, a carta em questão.
– Você está se sentindo melhor agora menina? – Perguntou o policial.
– Sim, só queria um pouco de água se possível.
– Está bem, vou buscar água e chamar o detetive, fique aí deitada.
– Certo!
Não demorou muito para o detetive Adams aparecer na sala com um copo de água.
– Então Amber, já está melhor? Trouxe sua água.
– Me sinto melhor obrigado.
– Estava se sentindo mal antes do interrogatório?
– Ah, eu estive bem nervosa o tempo todo, fiquei bastante tempo esperando no lado de fora esperando a minha vez, talvez por isso...!
– Quanto a isso me desculpe, deveria ter pelo menos mais 2 detetives ajudando no interrogatório, alguns bons detetives foram para Seattle, sobrou tudo para mim, tenho feito tudo sozinho até o momento. Mas a nossa conversa me parecia ir tudo bem até eu comentar sobre a carta e o desenho!
– Não tem nada a ver com isso, só exaustão mesmo.
– Entendo, me parece que já está melhor, vamos terminar o interrogatório logo, já está tarde e todos queremos ir para casa certo!?
– Sim.
– Vamos conversar aqui mesmo. Sobre a carta e o desenho, o que estava desenhado era um Buda, ele estava igual a vítima, com a cabeça no colo...
Amber tentava esconder a ansiedade, e o nervosismo voltava aos poucos.
– ... e na carta estava escrito um tipo de mantra, você sabe o que é um mantra?
– Sim eu sei.
– Nele estava escrito: Nam Myo ho Renge Kyo. As palavras do mantra significam mais ou menos isso: Nam (consagrar a vida), Myo (místico), Ho (lei), Renge (flor de lótus), e Kyo (sutra). Faz algum sentido para você?
– Não, nenhum!
– Logo após esse mantra tem outra coisa escrita, mas não posso revelar, a questão é que este assassino se comunica através de cartas, então como avisei aos outros e devo lhe avisar, se receber qualquer carta deste tipo entre em contato o mais rápido possível com a polícia.
– Tudo bem senhor.
– Precisa de carona para a sua casa?
– Não, eu já estou bem melhor, obrigado.
– Devo pedir para que não saia da cidade e não deixe de nós contactar se ver ou por acaso se lembrar de alguma coisa, a investigação ainda não acabou, você está sobre jurisdição policial.
– Sem problemas.
– Então até mais.
A lua estava cheia, a noite linda, e mais uma vez lembrou-se de não ter feito suas compras. Seu apartamento já melancólico, angustiante, que representava uma de suas provações naquela cidade, além de tudo isso, finalmente havia se desprovido de qualquer coisa comestível, fato que fez a jovem dar um suspiro pesado e cheio de dor. A sequência de acontecimentos em sua vida afundava cada vez mais Amber no mar de desespero que era a sua mente, contudo seu pesadelo não havia se iniciado com as cartas ou o assassinato, seu medo, desespero, e depressão a acompanhavam bem antes de estar na capital, antes mesmo de ir morar com seu avô.
Em 1982, aos 10 anos de idade Amber morava em Fredericksburg com seus pais e sua irmã Nicole, que na época tinha 6 anos, a vida era pacata, nada de especial na família, as meninas frequentavam a escola, a mãe, Sandra Mitchel cuidava da casa, e o pai, Ben Mitchel, trabalhava como engenheiro, não eram ricos, entretanto viviam bem. A construtora onde Ben trabalhava era grande, os negócios iam maravilhosamente bem, até mesmo a cidade sentia o bom impacto desse desenvolvimento exponencial, o problema era que alguns cresciam os olhos neste crescimento, e quem fazia parte deste grupo de gananciosos era Ben, ele simplesmente não se contentava em ganhar apenas o seu salário vendo que a empresa se tornou tão lucrativa, e visando ter sua ganância saciada, o homem não mediria esforços.
Entre uma ou duas vezes no mês o dono da empresa permitia que os funcionários levassem a família, a proposta era consolidar o interesse pela indústria, almejar novos funcionários, mentes novas que poderiam ser de grande ajuda na parte criativa da empresa, tudo mentira, a intenção do dono nunca foi de fato abrir um espaço onde as crianças se interessassem, Jonas Bernard, um empresário de sucesso e dono da construtora, tinha fetiche em crianças, na sua infância quando era coroinha, tinha sido abusado inúmeras vezes por um padre, por causa disso desenvolveu esse desejo desprezível, porém nunca tinha encostado em nenhuma criança, até então.
Almejando ter acesso a contas e documentos da empresa, Ben buscava de todas as formas se tornar íntimo do dono, sem sucesso, Jonas Bernard era um homem fechado e centrado em seus negócios, nunca abria sorrisos desnecessários a ninguém, muito menos a funcionários. Frustrado, Ben se enfurecia, a vida calma e pacata da família estava em risco, o desejo descabido do pai afetava a todos, principalmente a mãe que começou a sofrer violência, e através de uma discussão com o marido também soube que estava sendo traída a anos, a visão de felicidade que possuía desmoronou, Sandra se viu diante de um empasse, por mais que tivesse passado a odiar o marido, para onde iria, o que faria sem ele? Ben sabendo que sua esposa não o largaria aproveitou para desabafar um último segredo, ele teve um filho com esta outra mulher, o menino já tinha a mesma idade de sua mais velha, Amber. Tanto a mulher quanto o filho também moravam em Fredericksburg, mas por ameaças de Ben eles nunca puderam se aproximar, nem mesmo pensão lhes era pago.
O tempo passava, Ben não alcançava seu objetivo, Sandra e as crianças sofriam, e então chegou aquele dia no mês onde as famílias visitam a empresa, Ben exigiu postura de todos, queria continuar mostrando que sua família era perfeita. No meio da visita a empresa Ben sai à procura de Jonas, tendo quase como certeza foi direto a sala de reunião da empresa, com a mão na maçaneta para abrir a porta sua filha Nicole o surpreende por trás.
– O que está fazendo aqui filha?
– Me perdi da mamãe e da Amber. Vi o senhor e fui atrás de você.
– Não era para você se separar delas, agora está me atrapalhando.
– Desculpa papai.
Nesse instante Jonas abre a porta e vê os dois parados na frente da sala.
– Pois não, o que deseja?
– Me desculpe senhor Bernard, vim para conversar com o senhor, mas minha filha me seguiu até aqui.
– Entendo, bom, entre e traga ela também.
– Sim, com sua licença. – Entraram e se sentaram.
– Neste último mês eu tenho incomodado bastante o senhor, mas novamente gostaria de me oferecer a trabalhar diretamente com você, venho estudando bastante sobre algumas estruturas e se me desse a oportunidade de te apresentar e acompanhar juntamente ao senhor eu me provaria de grande ajuda e claro, lealdade.
– Sim sim, continue.
Enquanto Ben falava, Jonas não tirava os olhos de Nicole, sua atenção estava toda nela. Ben acabou percebendo o interesse do homem em sua filha.
– Ah, esqueci de apresentá-la, esta é minha filha mais nova, Nicole. Fala com o tio Nicole.
– Oi.
– Que menina meiga e linda você tem, quantos anos?
– Ela tem 6.
– Que maravilha, tão jovem. Você quer chocolate? O titio tem um montão aqui na gaveta.
– Quero sim tio.
– Que menina adorável.
– Sim ela é, um doce de criança. Por acaso o senhor tem filhos?
– Não, nenhum.
– Se o senhor desejar eu posso trazer a Nicole para ficar com o senhor aqui mais vezes, pelo jeito ela gostou do senhor.
– Sério, e o que você ganha em troca disso senhor Ben?
– Só quero a oportunidade de mostrar do que sou capaz e mostrar minhas habilidades na engenharia.
– Muito tentador rapaz, se é que estamos falando de negócios aqui!?
– Não tenha dúvidas.
Ben começou a levar Nicole ao trabalho, Sandra já com a malícia do que estava acontecendo não se esforçou em impedir, havia desistido daquela mentira de família feliz, só queria seguir em frente vivendo afinal seu marido não a espancava mais, e as condições financeiras da casa só melhoravam, já Amber começou a perceber o comportamento estranho de sua irmã, que tinha se tornado mais tímida, não deixava que ninguém encostasse nela, passava muito tempo sozinha, e não queria mais ir para a escola. Ben subiu de cargo, começou a ganhar dinheiro como nunca tinha ganhado, além do reconhecimento e aumento de salário, ele ainda desviava dinheiro da construtora, se tornando cada vez mais rico. Um dia Amber chegou da escola e viu seu pai em casa, ele a esperava, mandou a menina tomar um banho e se arrumar pois eles estavam de saída, Amber logo sentiu a falta de Nicole.
– Cadê a Nicole pai? Ela sempre está aqui quando chego da escola!
– Hoje é um dia especial filha, sua irmã está te esperando, vou te levar até onde ela está.
– Que lugar pai?
– Vá logo se arrumar, já disse que vou te levar até ele.
Após tomar banho e se trocar Amber entra no carro com seu pai, eles seguem até o outro lado da cidade, e de longe a menina avista uma enorme mansão cercada por um enorme muro e várias árvores. Eles passam pelo portão e na porta da mansão tem um mordomo esperando, os dois descem do carro, Ben manda Amber seguir o mordomo que ele a levaria até Nicole.
– Vai com o moço filha, ele te leva até a Nicole.
– Mas e o senhor pai, não vem?
– Papai precisa voltar ao trabalho. Tchau.
Ben se afasta da menina e entra novamente no carro, Amber assustada segue o mordomo até um quarto, lá ela escuta um choro familiar, ao abrir a porta Amber se depara com uma cena que a deixa traumatizada, não entendia o que estava acontecendo mas mesmo assim a angústia tomou conta de seu corpo, o mordomo rapidamente empurrou a menina para o quarto e fechou a porta. As horas que se seguiram naquele recinto foram torturantes, as meninas vivenciaram o mais baixo que os seres humanos podem alcançar, uma marca que jamais pôde ser apagada.
A tarde Ben veio buscá-las, as meninas traziam o semblante do sofrimento, nem mesmo uma palavra em todo o trajeto, quando finalmente chegaram em casa foram recebidos pelo olhar vazio da mãe. No dia seguinte a caminho da escola Amber era levada por sua mãe, no meio de todo o silêncio que reinava entre elas Amber bolava um plano para tirá-las daquela situação, na hora do intervalo a menina sorrateiramente foi até a sala da diretora e vasculhou em vários papeis e agendas até achar, o número da polícia, usando o telefone da diretora ligou dali mesmo.
A repercussão foi grande, a polícia seguiu até a casa da família Mitchel, a mãe das meninas foi presa acusada de acobertar os abusos que as filhas sofriam, o pai tentou fugir mas durante a perseguição foi morto a tiros, Jonas Bernard foi preso, mas foi encontrado morto 3 dias depois de sua prisão. Amber e Nicole ficou sob guarda de seu avô, a criação foi dura, entretanto com muito carinho, as duas meninas passaram alguns anos de suas vidas sob tratamento psicológico, embora as melhoras tenham sido muito grandes alguns resquícios sobraram.
O desdobramento de Amber foi maior, ela era a mais velha e buscou superar tudo o mais rápido possível, em 1992 aos 19 anos seu avô lhe deu uma quantia em dinheiro e insistiu que a jovem fosse atrás de sua formação acadêmica, a princípio ela não sabia o que cursar mas por conta de sua facilidade em desenhar e sua inteligência visual-espacial decidiu investir na arquitetura. Com a promessa de retornar, Amber deixou sua irmã e seu avô em Fredericksburg e foi para Manhattan.
Sem ter feito as compras, e por já ser tarde, próximo a delegacia Amber avista uma barraquinha e decide comprar 2 hot dogs para jantar.
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