Prólogo
Meu nome é Taehyung, tenho dezenove anos e acho que ainda estou dormindo e sonhando.
Não sei como acordar desse sonho, e nem sei se é mesmo algo bom ou ruim. Na maior parte do tempo, é só um embolo de memórias e sensações reais demais, como abraçar um corpo quente depois de ficar embaixo da chuva fria.
Eu não sei onde esse sonho começa ou onde termina, a única coisa que eu sei é que Jeon Jeongguk está aqui. Ele sempre está.
Ele é a minha única certeza.
Talvez passar o verão numa ilha onde 80% dos dias são chuvosos e frios e cinzentos não seja o que maioria das pessoas chamaria de férias.
Mas eu e Jimin estamos acostumados. Quando nossos pais compraram esta casa de praia em Jeju, ainda eram recém-casados e acho que foi como se eles estivessem vivendo a vida daquele casal deslumbrado de Foi Apenas um Sonho. É claro que quando o corretor mostrou para eles o terreno e as instalações onde meus pais idealizariam as próximas férias de verão em família, fazia um dia ensolarado, desses de céu azul limpo em que a brisa é morna e o mar é verde.
O que o corretor não explicou é que a casa fica no fundo de um vale cercado de colinas, às margens de uma coleção de penhascos e bem sobre um recorte anguloso da ilha, o que significa que grande parte das nuvens carregadas que passam correndo por Jeju por causa dos ventos fortes ficam presas na região acima do nosso terreno.
Enquanto a ilha é quase inteira um paraíso turístico, nossa enseada isolada é um ponto escuro e sombrio, um universo paralelo.
Na época, nossos pais acharam que isso era bom - eu e Jimin teríamos um terreno praticamente particular para correr livre, sem a agitação dos carros e do burburinho da região central da ilha; e realmente foi assim.
Só que eu e Jimin não somos mais crianças. E correr e brincar pelo terreno se tornou uma lembrança distante da nossa infância.
São nove horas da noite e não há absolutamente nada para fazer aqui. Chegamos ontem e minhas malas ainda estão abertas em cima da cômoda, esperando para serem desfeitas e eu já estou desanimado pela perspectiva dos próximos trinta dias dessas férias.
O sinal de internet é ruim. Está chovendo, como sempre, e um raio caiu na fase que distribui energia elétrica para a nossa região, então estamos sem luz. Mamãe passou nos quartos uma hora atrás distribuindo velas, de modo que meu quarto está imerso numa luz bruxuleante e dourada enquanto observo a chuva jorrando contra os janelões. As sombras deslizam pelo chão como unhas arranhando o soalho e todo som que ouço são dos estalos da casa, como as juntas de um animal antigo afundando na terra.
O tédio é suficiente para me fazer pensar em coisas que não quero, como Yoongi. Como o fato de que sinto falta dele e sei que ele está em algum lugar desta ilha agora, provavelmente se divertindo enquanto estou enfrentando uma existência morna. E pensar que ainda restam trinta dias disso...
Não lembro quando eu e Yoongi começamos a ter alguma coisa. Parece que desde sempre e, ao mesmo tempo, não existe uma definição para isso, a não ser que tenham inventado um nome mais elegante para pegação casual. O que me irrita, porque o que sinto por ele não é nada casual. Até poderia ter sido, se em algum momento da nossa infância ele tivesse desaparecido e não tivéssemos dado o primeiro beijo e feito todas as outras coisas que, supostamente, adolescentes fazem quando se apaixonam.
Mas pensar em Yoongi é uma mistura esquisita de euforia com vontade de vomitar, porque existe Jimin e...
Meu celular vibra sobre o meu estômago, o que me espanta. É estranho que o sinal de chamada esteja pegando mesmo com a chuva, mas o nome no visor varre meus pensamentos.
"Taehyung", a voz de Yoongi é grave e taciturna do outro lado da linha quando atendo, se sobrepondo à música alta, "não custa realmente nada ser um pouco menos antissocial."
"Custa a minha preguiça", é uma desculpa patética e nem eu mesmo a engulo. Finjo não me sentir culpado por todas as mensagens que ele passou a noite me mandando e eu passei a noite as ignorando.
Da minha cama, olho mais uma vez para a chuva torrencial jorrando contra a janela escura.
"Ei, é sério isso?", Yoongi soa magoado. A música fica mais distante, como se ele estivesse se isolando em algum canto da casa para falar comigo. "Você e Jimin chegaram e nem ao menos nos vemos? O que está acontecendo?"
Com um suspiro profundo, sento na cama e olho para o chão. O quarto está quase totalmente escuro; a chamas das velas espalhadas pelos móveis dançam, dando a sensação de que há mais pessoas aqui dentro do que apenas eu.
Yoongi percebeu, é claro. Desde o verão passado, quando um clima estranho ficou nítido entre nós, que eu estou me afastando.
Não quero isso, devo dizer. Mas ele é meu melhor amigo e de Jimin também, e se não fosse o bastante o fato de que ter algo com Yoongi provavelmente arriscaria nossa amizade, ainda existe a suspeita de que meu irmão também goste dele. Jimin não fala comigo sobre essas coisas, mas nós três crescemos juntos, então eu meio que sei.
"Taehyung", ele murmura meu nome de um jeito íntimo demais e eu fecho os olhos.
"Não faça isso."
"Não vou deixar que faça essa coisa, Taehyung, seja lá o que for. Não vai estragar o que finalmente está começando a dar certo entre a gente."
"Dar certo?", dou uma risada curta e amarga.
"Vou buscar você."
"O quê? Não pode dirigir, você bebeu."
"Eu bebi?", ele ri. "Acho que sim. Só um pouco."
Meu coração dispara.
"Yoongi, não venha..."
"Tarde demais, já estou no carro", e parece ser verdade, porque escuto o barulho abafado de uma porta sendo fechada e um motor sendo acordado.
Droga.
Eu me levanto depressa, procurando uma roupa na mala, qualquer uma, enquanto coloco o celular no viva-voz em cima da cama.
"É sério, Yoongi, eu vou, estou indo, vou com Jimin, só fique aí!"
"Jimin já está a caminho", Yoongi ri outra vez. Ele tem essa mania de rir demais quando está alto, uma antítese perfeita de sua versão sóbria. "Seu irmão é mais fácil de convencer que você."
"Ele já foi?", estranho. Jimin dificilmente faz alguma coisa sem me falar, ainda mais sendo uma festa envolvendo Yoongi. Compartilhamos o carro, então estou realmente sem carona.
"É, ele está vindo, e ele me pediu para convencer você a vir de qualquer jeito. Taehyung, então para com isso", ele dá uma pausa e, quando retoma, sua voz é profunda. "Eu sei o que está acontecendo."
Paro na frente da cômoda, a mão afundada entre as roupas em minha mala, o sangue gelando nas veias.
"Você está me evitando, mas temos que resolver isso. Eu estou indo buscar você, e então vamos conversar, nós três, e desfazer esse clima esquisito. Eu sinto sua falta, merda."
"Mas..."
"Sem mas, Tae. Eu conversei com o Jimin durante esses meses que estivemos afastados. Eu fiz a minha escolha, então você não precisa mais fugir de mim por causa do seu irmão."
Meus dedos se fecham em torno dos tecidos. Pego o celular e o pressiono na orelha novamente.
"Não é só isso, Yoongi, não era só por causa do Jimin. Nós fomos criados juntos, é difícil trocar uma amizade por... outra coisa."
"Não vamos trocar nada, só passar de nível", Yoongi graceja. Ele também não costuma fazer piadinhas. O estado natural de Yoongi é uma mescla taciturna entre serenidade e acidez. O álcool o desfigura e eu penso que pelo menos o trajeto que ele fará de carro até aqui é deserto, apesar da chuva.
"Diga que não está bebendo agora."
"Eu não estou. Não sou assim tão irresponsável, TaeTae."
"Tudo bem, então só fale comigo", peço, porque, de algum modo, mantê-lo na linha é uma forma de monitorá-lo. "Coloque no viva-voz e preste atenção na estrada."
"Está no viva-voz", ele murmura, e então não sei mais o que dizer. Meu coração está batendo depressa pela possibilidade de vê-lo, eu não esperava por isso tão cedo.
"Então, você conversou com Jimin?"
"Não é como se eu não soubesse o que ele sente por mim", a voz de Yoongi volta a ficar baixa e arrastada, um pouco melancólica. "Mas não somos mais crianças, as coisas precisam ser claras. Eu não posso correspondê-lo, Taehyung."
Fecho os olhos. Pontadas de dor em meu peito tiram meu ar. É por isso que nunca vai dar entre mim e Yoongi, nunca. Por mais que Yoongi me escolha, ainda haverá meu irmão sendo machucado e eu não posso, simplesmente não posso suportar isso.
"Você disse isso a ele?"
"Ainda não."
Solto o ar, aliviado.
"Yoongi, não podemos."
"Taehyung, só me espere chegar, não conclua nada agora, vamos conversar isso olhando um para o outro."
"Você não entende, Jimin e eu, não é como se eu pudesse me desligar disso, ele não é só meu irmão, ele..."
"Eu sei", Yoongi estala a língua audivelmente e eu sei que ele está contrariado. "Eu não entendo, mas eu sei. Mas até quando essa... ligação que vocês dois tem vai interferir na sua vida, Tae?"
"Não posso fazer isso com ele. Eu o amo, Yoongi."
"Porque isso soa tão estranho?", Yoongi ri asperamente. "Sabe, sempre que você ou ele falam disso, que se amam, não é como dois irmãos sendo fraternais. Caralho, é..."
"Eu só não posso machucá-lo", eu o corto antes que ele diga o que realmente pensa sobre mim e Jimin. É cansativo explicar isso para as pessoas, elas não entendem, especialmente Yoongi, especialmente quando o álcool em seu sangue o torna selvagem.
Ele bufa.
"Olha, só me espere, ok? Já estou chegando, estou passando pelo penhasco, preciso desligar porque está chovendo realmente forte ago... Merda!"
Um arquejo alto na linha, e então o som estridente de metal e vidro se contorcendo. Parece interminável.
"Yoongi?"
Chiados agudos e pancadas abafadas.
"Yoongi?!"
A linha fica cheia de ruídos insuportáveis e estridentes até cair num silêncio oco.
****
eu meio que postei essa fic no impulso e estou com muito medo da aceitação dela
já deu pra sentir o clima? vai ser dark/sombria
por favor, favoritem e comentem para eu saber se devo continuar ou sumir
bjs
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