Lost Island
Oi pompons <3
Obrigada pelos comentários, comentem sempre para me animar a postar :)
e votem em todos os capítulos por favor
Boa leitura!
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1.
Há uma profusão de mariposas adormecidas na cortina da janela do meu quarto. Elas se espalham pelo teto como poeira quando as afasto com um solavanco. O chiado no trilho assusta os corvos no parapeito e eles berram, riscando o ar com suas plumas negras e desaparecendo pela colina.
A última vez que olhei por essa janela e vi o mar, desejei que Yoongi estivesse comigo, dormindo na minha cama. E, logo em seguida, ele morreu. Não consigo pensar nisso, então deixo minha mala aberta ao pé da janela e desço para encontrar Jimin nos jardins. Ele colhe uma rosa branca com espinhos. O caule encaixa entre os dedos dele e as pétalas se abrem em sua palma, tão grandes e frondosas que parece uma pomba aninhada em sua mão.
"É um surto?", ele ri, apontando para as rosas que se alastram ao redor da casa como uma praga. "Você se lembra de termos plantado isso?"
"Não", e não pode ter sido nossa mãe, ela é alérgica a flores. É estranho, mas não interessante o bastante para encabeçar minha lista de prioridades. "Você está pronto? Que ir agora?"
Jimin olha por cima do meu ombro como se tentasse enxergar o cemitério, mas fica a quilômetros daqui, ao sul. Uma sombra encobre os olhos dele. Um relâmpago corta o céu e estremece o chão da ilha sob nossos pés, meu dedo mindinho se enrosca no de Jimin.
"Ainda não, vai cair uma tempestade e preciso comprar lenha para acender a lareira. Não temos o suficiente para a noite toda e a umidade estragou nosso estoque."
"Você vai pegar a estrada agora?"
Jimin já se afasta pela encosta em direção ao nosso carro.
"Sim!"
"Jimin, não é seguro!"
"Vou antes que a chuva desabe!", ele acena por cima da cabeça como se abanasse um pensamento ruim sondando sua mente.
Eu o assisto ir embora. É tudo tão parecido com aquele dia. A tempestade. A eletricidade no ar. O mar rugindo contra as rochas lá embaixo, o som da ambulância cortando o chiado da chuva enquanto eu tentava correr na direção do precipício, chamando por ele.
Yoongi. Yoongi.
Meu Yoongi.
Olho para meus pés, onde a rosa branca que Jimin colheu jaz abandonada. Há uma gota de sangue numa das pétalas alvas, onde Jimin provavelmente espetou o dedo num espinho. Sinto um gosto metálico no céu da boca, um nó no estômago. Outro trovão sacode a ilha. Abraço mais o casaco em volta do meu corpo e corro para dentro de casa. E então, a chuva desaba.
2.
A água bate no vidro da janela e desliza por ele formando veias translúcidas. O mundo lá fora é um dilúvio. Jimin ainda não voltou e meu coração está batendo pela metade, amputado.
Sempre chove desse lado da ilha e, agora que estou pensando sobre isso, me dou conta de que todas as minhas lembranças aqui são molhadas. A sensação da umidade entrando por dentro das minhas botas agora e enregelando meus pés é eterna aqui.
A casa está silenciosa. Tentei ligar os aquecedores, mas acho que a ilha está com queda de energia. De repente não sei como pudemos vir para cá por tantos verões seguidos, se nem ao menos parece que estamos nos divertindo. Acabou, para sempre, Yoongi levou tudo consigo, nosso triângulo perfeitamente equilibrado. Ele era a parte quente de um todo, pele cor de algodão e cabelos de trigo e o som de sua risada afiada. Olhos curvados e caídos, doces e penetrantes. Eu nunca tinha percebido como faz frio nesse lugar.
Meu coração quase sai pela boca quando algo escuro se choca com o vidro da janela com violência, bem na minha frente. Por um instante de puro horror eu penso que alguém tacou uma pedra, mas então vejo o sangue manchando a fissura em forma de teia que se abriu na superfície do vidro. Deve ter sido um pássaro. Eles ficam desnorteados na tempestade e eu devia estar acostumado. Dezenas deles quebram os pescoços contra as janelas das casas no meio do vendaval. Mamãe tinha que trocar as vidraças todo verão.
Bem, ninguém trocará esta. Sinto que estamos nos despedindo, eu e Jimin, não apenas de Yoongi, mas deste lugar.
O soalho atrás de mim range e eu me viro na poltrona, esperando encontrar Jimin, mas não há ninguém. A sala está deserta, escura e úmida. O ruído do vento passando pelas frestas das janelas do segundo andar lembra uma risada rouca e trovejante. Levanta os pelos da minha espinha e da minha nuca. Eu levanto, enrolado no suéter, e vou para a varanda externa da casa. O vento joga a chuva na minha cara e nos meus tornozelos, mas não me importo. Ainda é melhor do que ficar sozinho lá dentro.
Algo se move na praia lá embaixo, um vulto escuro em meio ao aguaceiro. Não sei quem é louco o bastante para caminhar na praia durante uma tempestade, talvez seja um turista. Eles não costumam vir para esse lado da ilha, não é uma parte animada, digamos assim, mas este pode estar perdido. A maré sobe rápido, trancando trilhas e as passagens entre as praias.
"Ei!", eu agito os braços energicamente. "EI!"
A pessoa segue pela praia, indiferente a mim.
Droga.
Lampejos iluminam o céu num clarão prateado, caindo tão, tão perto que é como se a terra estivesse se partindo ao meio. Sem pensar, sem refletir, corro pela encosta até a praia. Meu cabelo e meu suéter ficam encharcados em menos de um minuto. A calça gruda nas minhas coxas enquanto corro. É difícil até mesmo enxergar, a água penetra pelos meus olhos feito agulhas.
Chego na praia e cada passo se consome com uma distância interminável, até que...
"Ei! Saia daqui! É perigoso!"
Eu estico os dedos para alcançar as costas de seu moletom preto, e ele se torna real em minha mão, um sonho negro. Ele se vira para mim com os grandes olhos escuros assustados e eu congelo.
Seus cabelos ensopados pingam sobre os cílios embaraçados. Sua boca pequena está aberta e arroxeada de frio.
"Você viu aquilo?", ele aponta para o alto do precipício, a expressão alarmada, e então ele me reconhece. Nos reconhecemos. Não pode ser.
"O que...?", o vento leva minha pergunta embora. Eu grito: "O QUE ESTÁ FAZENDO AQUI?"
"ALGUÉM PULOU!", ele ainda está apontando para o penhasco, que é uma ponta cinzenta sobre o mar revolto, mas seus olhos estão nos meus, me penetrando. Ele arqueja depressa e não sei se é pelo susto do que ele diz ter visto ou pelo choque em me reencontrar.
"VOCÊ NÃO PODE FICAR AQUI!", pego o pulso dele sem pedir permissão. Sinto um desespero por estarmos ambos desprotegidos aqui. Por sorte ele está abalado o bastante para se deixar ser arrastado encosta acima, gritando o tempo todo sobre a guarda-costeira, um acidente, quer me soltar?
A quietude da casa é um choque quando fecho a porta atrás de nós dois, isolando o rugido da ventania lá fora. Jungkook está me olhando perplexo e imóvel. Seria uma cena engraçada, nós dois ensopados, poças se formando aos nossos pés, bocas abertas. Mas então lembro do que ele estava falando e não há nada para se rir.
"Quem pulou?"
"Eu não sei!", ele enfia a mão no bolso do moletom e apanha o celular. Encharcado. "Droga!"
"Espere, vou pegar o meu", corro escada acima até o meu quarto. É uma situação tão louca que ele esteja aqui. Nesta ilha. Na minha casa. Agarro meu celular em cima da cama e, quando desço, já estou digitando o número da guarda costeira. Passo meu celular para Jungkook, nossos dedos gelados se esbarram por um segundo e sinto choques de eletricidade disparando pelas minhas pernas.
Eu o observo andar em círculos pela sala, as Timberlands estalando pelo piso. Vejo sua pele através dos rasgos da calça jeans, os joelhos rosados de frio. É impossível que ele seja lindo até mesmo encharcado, despenteado e assustado, mas tenho que aprender a lidar com verdades.
"Foi muito rápido...", ele está explicando ao celular. "Sim, eu tenho certeza, era uma pessoa. Tudo bem. Ok. Boa tarde."
Jungkook desliga e fica encarando a tela do meu celular. A ligação foi encerrada, então sei que ele está olhando para meu papel de parede, a foto minha, de Jimin e Yoongi, tirada poucos meses atrás. Não consigo ler sua expressão, tenho a sensação de que vejo um lampejo de confusão nos olhos dele, como se tentasse encaixar uma peça solta de um quebra cabeça, mas é rápido demais. Ele estica o braço e deixa o celular cair no meu colo, bem entre as minhas coxas ensopadas.
"O que você está fazendo aqui?", o cabelo dele está partido de lado e encontro sem querer outra pinta em seu rosto, na testa. Fico uns segundos tentando entender o que há de errado nele quando me dou conta de que é sua boca. Está roxa.
"Esta é a minha casa", pontuo, e então levanto e vou até a lavanderia. Jungkook me segue pela casa, suas Timberlands fazendo um barulho molhado atrás de mim, como um pé afundando na lama. É um ruído que irrita a nós dois e ele as tira enquanto me segue, saltando num pé só.
"Você mora aqui? Em Jeju?"
Reviro os olhos, mesmo que ele não possa ver porque estou de costas.
"Não posso morar aqui", pego uma toalha seca enrolada nos armários da lavanderia e jogo para ele. Jungkook a aceita sem agradecer e a esfrega pelo rosto e pelos cabelos sem muito cuidado, sua pele muito clara fina rosada e brilhante e ele parece mais novo do que realmente é. "Casa de veraneio."
Jungkook me olha fixo antes de apoiar a toalha no meu ombro como se eu fosse um cabide, então abre o zíper do moletom preto e o tira. Eu pisco, perplexo, não pela arrogância dele, mas porque ele está só com uma camiseta de mangas compridas por baixo e ela está, logicamente, molhada. O tecido fino cola como papel de seda sobre cada pedaço do dorso dele, revelando músculos e linhas e sulcos que, sinceramente, são sensacionais. E, meu Deus, é totalmente transparente. Eu não devia reparar, mas consigo ver os círculos escuros de seus mamilos daqui.
"Poderia...?", Jungkook ergue as sobrancelhas para mim, as mãos começando a puxar a camisa para cima. Eu levo um segundo para voltar à realidade e entender que ele quer que eu me vire para que possa tirar a peça molhada. Como se a coisa toda pudesse ficar ainda mais constrangedora.
E deliciosa.
Finjo que não me importo e viro para pegar uma toalha seca para mim. Não é como se eu nunca tivesse visto um homem nu, por mais que meu baixo ventre esteja me dizendo com pontadas quentes nunca.como.este. Migro para a cozinha enquanto esfrego meus cabelos com a toalha. Tiro meu suéter molhado e envolvo meus ombros com a toalha.
"E você, o que está fazendo aqui nesse fim de mundo?"
"Na sua praia?", escuto a ironia ácida em sua voz. Decido ignorá-lo, e ele emenda: "Um projeto de verão. Lembra de John Waterhouse? Escolhi uma tela dele para reproduzir. O garoto no precipício."
"Que sugestivo", eu o alfineto. Jungkook se vinga e também me ignora.
"Essa região é famosa pelos penhascos. É um bom cenário para observação de natureza morta."
"Só falta o seu garoto."
Nós dois ficamos em silêncio. Silêncio demais. Eu me viro, e Jungkook está parado perto da mesa da cozinha, a toalha cobrindo os ombros e o peito. Suas mãos abraçam as laterais da toalha de um modo que o faz parecer um garoto recém-saído da piscina, mas seu olhar escuro no meu é sagaz e nem um pouco infantil.
"Pensei em contratar um modelo ou sei lá", ele dá de ombros.
"Então era por isso que estava na praia no meio da chuva? Para simples observação?"
"Não, eu estava em casa. E de repente vi alguém correndo pelo penhasco e... pulando."
Eu me aproximo das janelas sobre a pia e afasto as persianas. O terreno a nossa volta é praticamente deserto, exceto por uma antiga casa alugada encarrapitada a uns oitocentos metros daqui. É só um borrão amarelo à distância. Fora a nossa casa, essa outra é a única que tem vista para o penhasco.
"Você... alugou a casa alugada?", é incrível demais para ser verdade.
"O que?", Jungkook sorri. Eu não esperava ouvir a diversão em sua voz, então me viro e trocamos um daqueles longos olhares cheios de silêncios e tensões e sensações.
"Aquela casa", bato no vidro da janela, apontando para a casa amarela. "Você a alugou para a temporada?"
"Sim", ele parece não entender porque estou tão chocado e talvez não seja mesmo nada de outro mundo que o garoto que estou esbarrando sem parar desde o dia em que fui buscar Jimin no hospital psiquiátrico tenha se hospedado ao lado da minha casa durante essas férias, numa ilha isolada, na única casa da região, quase tão abandonada quanto a minha.
O que é o alinhamento dos planetas diante disto, não é mesmo?
Nós dois pulamos quando alguém bate na porta com força. Enquanto conversávamos a chuva deu uma trégua, diminuindo para algo como uma garoa, mas o céu ainda é escuro e faz com que a manhã pareça cinco horas da tarde. Abro a porta e o ar gelado lambe meu rosto e meus pés descalços. Diante da casa, espalhados pelo gramado ensopado, homens encasacados de laranja neon caminham pela região, esticando os pescoços para avistar a praia e o mar lá embaixo. O homem mais próximo de mim abaixa o capuz de vinil e me encara, sua cara está enrugada pelo esforço de se proteger da chuva.
"Você acionou a guarda costeira?"
Abro a boca, mas a voz de Jungkook atrás de mim me cala. Eu não me volto, mas a escuto próxima, tão próxima como se ele fosse minha sombra.
"Sim", o braço dele se estica pela minha lateral. Seu peito está quase colado nas minhas costas, nossas peles separadas apenas pela toalha. "Foi ali", ele aponta para o penhasco entre a minha casa e a que ele alugou.
"Desculpe, garoto, mas tenho que perguntar, não era um cavalo?"
Viro o rosto na direção de Jungkook e fico surpreso por ele ter voltado o dele para mim. Seus olhos são ainda mais escuros contra a pele cor de leite. Limpos, os cílios úmidos e minúsculos adornando-os. Trocamos um olhar que se esbarra em compreensões opostas e falamos ao mesmo tempo para o homem:
"Um cavalo?"
"O que isso importa?"
O homem pisca para nós, contrariado.
"Essa área é de pasto. É comum que cavalos se percam nessa região e caiam dos penhascos durante as tempestades, eles ficam cegos."
"Um cavalo?", Jungkook repete, e fico aliviado que pelo menos uma vez seu humor ácido não está direcionado para mim, "Eu sei diferenciar um cavalo de uma pessoa!"
"Na tempestade?", o homem o desafia. O arquejo de indignação de Jungkook roça meu ouvido.
Não sei por que tenho a ideia de tocá-lo, talvez na hora pareceu a coisa certa, não por educação, mas por conexão. Deslizo minha mão para trás e toco a dele, um sinal para que não insista. No mesmo segundo em que nossas peles se encontram, eu me arrependo, porque o mundo inteiro some da minha mente, só sinto a presença sólida de Jungkook atrás de mim, sua respiração quente no meu pescoço e seus dedos oscilando para dentro da palma da minha mão.
É só um toque.
Mas ecoa no fundo das minhas entranhas.
"São perguntas que tenho que fazer", o homem se desculpa. Meus pés aterrissam na terra outra vez e eu me lembro que ele ainda está aqui, nos encarando, esperando que lhe demos algo com o que trabalhar. "Vocês não fazem ideia de quantas vezes somos acionados em situações de emergência e é apenas um animal morto que escorregou daqui de cima."
"Isso também é uma situação de emergência", é minha vez de soar perplexo.
"Era uma pessoa."
O homem enfim desiste e não posso culpá-lo, ele está só começando a ter uma noção do lado teimoso de Jeon Jungkook. É cansativo, moço. Apenas aceite e faça seu trabalho - é o que meu olhar de pena diz para ele.
"Certo, crianças. Voltem para dentro, ainda está trovejando", ele abana a mão na nossa direção, nos dispensando, e pela segunda vez em menos de cinco minutos troco com Jungkook outro olhar cúmplice. É como se nossas arestas estivessem finalmente se encaixando - de um modo estabanado, mas mesmo assim.
"Ele nos chamou de crianças?", Jungkook murmura, seu nariz se franze quando ele sorri e os olhos faíscam.
Estou no meio do pensamento perturbador de que Jungkook pode chegar a parecer fofo sorrindo quando a voz de Jimin ecoa pelo declive:
"Taehyung!"
Minha cabeça vira em sua direção como um ímã e eu o vejo atravessando o gramado correndo. Ele olha para mim e para os homens encapuzados sem entender, os cabelos são uma bagunça, os piercings e argolas em sua orelha se agitam conforme ele se aproxima de mim, escaneando meu corpo e meu rosto com avidez. E o espaço inexistente entre Jungkook e eu.
"O que aconteceu?"
"Porque você demorou?"
Disparamos em sincronia. Ele segura meus ombros e me olha de perto. Seus olhos castanhos estão ejetados de preocupação.
"Porque a guarda costeira está aqui? Porque você está toda molhado?"
"Estou bem", aperto a toalha em volta dos meus ombros. É estranho que Jimin nem ao menos olhe na direção de Jungkook, embora sua presença seja bem mais intimidante que a minha. Jimin está fazendo questão de ignorá-lo. "Foi... parece que alguém pulou do penhasco..."
"Você está congelando", os dedos de Jimin traçam meus braços e ele começa a me guiar para dentro de casa. Antes que eu possa dizer qualquer coisa, Jimin fecha a porta, isolando a ventania, e eu corro até a janela. Jungkook já está descendo em direção à casa amarela, um vulto escuro e esguio cortando a névoa da chuva.
"Vou buscar a lenha no carro e acender as lareiras", Jimin avisa, saindo pela porta dos fundos da casa. "Tire essa roupa e se seque!"
Eu assinto automaticamente, mas meus olhos não deixam nem por um segundo o garoto que se afasta, até que a névoa o engula completamente.
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já começaram a criar as teorias?
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