I
Fazia um tempo que eu queria escrever isso
Tem um leve angst, mas grande parte disso é apenas Taehyung amando Jungkook e Jungkook amando Taehyung de todas as maneiras mais doces possíveis
É só uma coisinha boba e leve para distrair nossos dias, mas espero que gostem
1.
O Centro de Adoção era sempre agitado. Híbridos chegando todos os dias, voluntários esperando na recepção para preencher fichas e as salas de empatia sem nenhum horário vago. Taehyung gostava de trabalhar nas salas em empatia, recebendo os voluntários inscritos para adoção e ajudando-os a testar o grau de empatia com os híbridos que escolhiam, não era um trabalho fácil, principalmente quando o grau de empatia era fraco e os híbridos voltavam para o instituto deprimidos. Sempre haveria outra chance para os voluntários escolherem outro híbrido com mais compatibilidade, mas para o híbrido voltar para o instituto era como ter falhado. Taehyung só podia agradecer ao voluntários pela tentativa e então guiar o híbrido de volta para o instituto de adoção com palavras amenas do tipo não perca as esperanças, é difícil mesmo encontrar um dono com um alto grau de empatia.
E, assim, havia híbridos que moravam no instituto há mais de cinco anos.
Às vezes, o grau de empatia acabava sendo afetado por algo que não tinha nada a ver com o teste em si. O híbrido em questão tinha algum defeito genético, ou uma anomalia na espécie, e a sensibilidade da máquina de teste captava a rejeição do voluntário; a porcentagem de empatia caia drasticamente. O coração de Taehyung se partia toda vez que isso acontecia, porque ele criava um vínculo com os híbridos que cuidava, muitos deles Taehyung inclusive recebera na emergência, machucados e abusados, e os vira recuperar e tornarem-se híbridos saudáveis.
Era a parte ruim de seu trabalho.
A boa era quando o teste de empatia corria bem e ele via mais um híbrido encontrando um lar de amor. Felizmente, ocorria com mais frequência.
Hoje estava sendo um dia particularmente cheio. Era verão e o calor tornava tudo um pouco estressante. Taehyung passara a manhã fazendo testes de empatia e planejava tirar uma hora de almoço antes de ir para a emergência, ele já estava no refeitório, marmita recém requentada à sua frente na mesa, quando Hoseok surgiu aflito.
"Tae, precisamos de você na emergência agora."
"Yoongi não está lá?"
Hoseok engoliu em seco e apertou o ombro de Taehyung.
"Ele não está conseguindo lidar com o híbrido, é complicado", Hoseok franziu a testa para as roupas informais de Taehyung, "Onde está seu jaleco?"
"Eu tirei para não sujar, você sabe, estou em horário de almoço."
"Tanto faz, apenas venha logo!"
Taehyung concordou, fechou sua marmita intocada e a enfiou de volta na mochila. Deixando-a de volta no guarda-volumes dos funcionários e decidindo não perder tempo buscando o jaleco na sala de empatia, seguiu Hoseok até a emergência. Yoongi já estava lá, expressão preocupada, e Taehyung entendeu o porquê assim que escutou os barulhos. Algo fazia uma bagunça na enfermaria, derrubando bandejas e utensílios. Yoongi encolhia os ombros com cada baque.
"É um híbrido de que, leão?", Taehyung indignou-se.
Hoseok e Yoongi entreolharam-se.
"Coelho", Hoseok disse. Taehyung riu, claramente achando a piada engraçada. Híbridos de coelhos eram um pouco raros, mas era de conhecimento geral o quão dóceis e frágeis podiam ser. Quando apareciam no Centro, eram rapidamente adotados por causa do temperamento amistoso e da compleição delicada.
No entanto, as caretas que Hoseok e Yoongi faziam sinalizaram que não estavam brincando.
"Tae, é um híbrido de coelho um pouco diferente", Yoongi explicou. Na enfermaria, o ruído de algo rasgando os fez estremecer. Taehyung perguntou se era possível que o híbrido estivesse comendo os lençóis da maca.
"Ele é impossível", Hoseok emendou, "Ou, pelo menos, está impossível agora. Não sabemos o que aconteceu com ele, mas... bom, é melhor você olhar."
Hesitante, Taehyung abriu a porta da enfermaria com cuidado e espiou. Estava uma bagunça. A mesa fora virada de cabeça para baixo e a cadeira estava tombada de lado. O híbrido estava abaixado no chão ao lado da maca, também derrubada, o lençol sendo repuxado conforme ele o roía e Taehyung perdeu o fôlego. Virando-se para Hoseok e Yoongi, ele murmurou, assombrado:
"Isso não pode ser um híbrido de coelho!"
"Mas é, você viu as orelhas?", Hoseok comentou.
"Ele é... grande", Taehyung achou que era necessário frisar o óbvio. Nunca em sua vida vira um híbrido de coelho grande assim; mesmo de costas, abaixado como estava, dava para ver que era um híbrido bem constituído, as roupas em trapos esticando por suas costas e ombros largos. Híbridos de coelhos não eram exatamente fracos, mas em geral a marca da espécie era: criaturas menores e de estrutura óssea suave. Por isso eram tão facilmente adotados, não era difícil vê-los como crianças crescidas.
Yoongi suspirou.
"Bom, foi por isso que chamamos você. Ele é forte e está agitado demais, não consegui acalmá-lo."
"Ele machucou você?", Taehyung alarmou-se.
"Não, não, ele não é agressivo, achamos que só está assustado. Namjoon está de folga hoje e não temos, bom, ninguém do tamanho dele para lidar com a situação. Hoseok tentou, mas o híbrido o jogou longe."
Os olhos de Taehyung arregalaram-se.
"Vocês acham que eu tenho tamanho para lidar com isso?"
Hoseok e Yoongi o encararam. Droga.
Taehyung limpou a garganta e estalou os dedos. Era só um híbrido de coelho afinal de contas, um híbrido de coelho grande, mais ainda apenas um coelho.
Ele entrou na enfermaria, decidindo se deixava a porta aberta ou fechada. Havia o risco do híbrido fugir, o que, em se tratando da situação atual, não era algo recomendável. Mas fechar a porta significava estar exposto ao risco do desconhecido sem a chance de escapar. Taehyung deixou a porta aberta e orou para que Hoseok e Yoongi estivessem prontos para lidar com uma fuga imprevista.
Ficando perto da porta, mãos afundadas nos bolsos da calça, Taehyung forçou um sorriso simpático no rosto.
"Olá, como se chama?"
A vibração de sua voz chamou a atenção do híbrido. As orelhas longas e encardidas ergueram no ar, a parte rosada interna voltando na direção de Taehyung conforme ele virava a cabeça para olhá-lo. Uma onda de afeto percorreu Taehyung ao fitar os olhos grandes e escuros do híbrido, finalmente vendo nele algo que o tornasse legitimamente um híbrido de coelho. Havia vulnerabilidade neles, e um toque de curiosidade ardente no modo como estudavam Taehyung da cabeça aos pés.
Como se a presença de Taehyung enfim o relaxasse, o híbrido soltou o lençol que roía e, franzindo o nariz para farejá-lo, recuou até estar sentado contra os armários, braços fortes em torno dos joelhos machucados. As orelhas murcharam, despencando sobre os ombros e achatando para baixo. Taehyung podia dizer, pela condição do híbrido, que ele não tivera dias legais.
"Ei, garoto", Taehyung agachou-se devagar, ainda mantendo distância. Aos poucos o medo ia dando lugar à necessidade de passar confiança ao híbrido, de fazê-lo entender que estava seguro ali e ninguém ia desrespeitar seu espaço pessoal. "As pessoas não foram muito gentis com você, não é? Está tudo bem agora, somos seus amigos, certo? Você está com fome?", Taehyung apontou para o lençol roído e os olhos do híbrido arregalaram, bochechas corando no que Taehyung interpretou como um sinal adorável de desculpas. "O que acha de comer algo com um gosto bom? Aposto que sim, hm? Por que não me diz seu nome? Sou Kim Taehyung."
"Jun-Jungkook", a voz do híbrido estava fraca e quebrada, mas Taehyung a achou melodiosa e doce mesmo assim. Embora não tenha dito muito, a língua rosada de Jungkook lambeu o lábio inferior quando Taehyung mencionou a comida.
Ele parecia ser extremamente dócil, o que fazia muito mais sentido agora. Taehyung se perguntou o que em Yoongi e Hoseok deixara o híbrido tão assustado.
"Não fuja, bebê", Taehyung murmurou quando percebeu os olhos de Jungkook disparando para a porta. Não havia nada de bebê no híbrido que não fosse seu rostinho de ângulos macios e olhos grandes, mas isso era tudo que Taehyung precisava para se afeiçoar de cara pelo garoto. "Não vamos machucá-lo, tem minha palavra. Você sabe onde está?"
"Coleiras", Jungkook disse em tom de acusação, "Não quero coleiras, doem e sufocam."
"Ninguém vai usar coleiras em você, certo?', Taehyung engoliu em seco. Não era raro que híbridos chegassem em condições muito ruins na emergência, torturados, usados e feridos. Havia um número grande de cativeiros ilegais que capturavam híbridos para todo tipo de fim, desde experiências até escravidão sexual. Por isso, a regra número um do Centro ao receber um híbrido na emergência era dizer a eles onde estavam e porque estavam ali. "Esté é um Centro de Adoção, Jungkook. Iremos reabilitá-lo para encontrar um lar para você. Todos nós somos amigos aqui, e ficaremos felizes se aceitar ficar conosco, mas não vamos forçá-lo a nada, tudo bem?"
Jungkook não respondeu, embora os grandes olhos refletissem sua mente maquinando e tomando uma decisão. As orelhas ainda estavam para baixo, submissas, mas não mais achatadas, apenas descansando suavemente sobre os ombros do garoto. Ele estremeceu, lábios separando para falar e Taehyung animou-se, ávido por escutar mais da voz doce dele, mas então Jungkook soluçou, lágrimas brotando de repente e rolando pelas bochechas cheias.
"Ei, amigo, está tudo bem agora", Taehyung murmurou no tom mais carinhoso que podia, "Está tudo bem agora, eu prometo."
O coelho enterrou o rosto nos braços e chorou mais, orelhas deslizando para frente e caindo tristemente ao seu redor.
2.
O gatilho de Jungkook, eles descobriram assim que o levaram para o refeitório, eram os jalecos. Ele absolutamente não os suportava. Taehyung não usava um quando se apresentou, diferente de Yoongi e Hoseok, e por isso ele acreditou que o híbrido não ficou na defensiva consigo.
Eles observaram Jungkook comendo uma mistura de cenouras com aveia, Jimin, o enfermeiro escalado para o turno do dia, conversou com o híbrido e anotou tudo que podia antes de se afastar do garoto e ir se reunir com o grupo na mesa ao lado.
"Bom, o que temos até agora é o seguinte: ele não quer falar muito sobre de onde veio e o que fizeram com ele, mas sabe que tem dezoito anos e, além dos machucados nos joelhos, não sente nenhuma dor ou incômodo. Mesmo assim vou encaminhá-lo para os exames e procedimentos básicos, mas teremos que sedá-lo, ele perde o controle quando vê jalecos."
"Como ele chegou aqui?", Taehyung voltou-se para Yoongi e Hoseok. Yoongi adiantou-se.
"Foi um resgate. Ele foi achado devorando a horta de uma senhora no subúrbio da cidade, ela ligou para o Centro e fomos buscá-lo. Provavelmente fugiu de algum cativeiro."
"Não sei como vamos mantê-lo aqui se ver jalecos o irrita tanto", Jimin lamentou.
Taehyung olhou ao redor, dando razão a Jimin. Os jalecos brancos eram o uniforme do Centro de Adoção, fazia parte da norma usá-los. Ele, Yoongi, Hoseok e Jimin tiraram os deles para não deixar Jungkook desconfortável, mas logo receberiam advertências se continuassem desobedecendo as regras.
"Temos que levá-lo logo para o instituto", Hoseok disse.
Taehyung suspirou.
"Não vão adotá-lo. Olhem para ele, está completamente fora dos padrões da espécie. É triste dizer isso, mas sabemos o que vai acontecer com ele: vamos integrá-lo ao instituto, ele não se adaptará nem mesmo com os outros híbridos da espécie, voltará de todos os testes de empatia e ficará esquecido pela sociedade como todos os outros híbridos rejeitados."
"Mas temos que tentar", Hoseok deu um sorriso animador, "Talvez alguém o queira."
Taehyung olhou para Jungkook e viu o modo como as pessoas no refeitório passavam reparando nele, claramente estranhando sua estética anormal para um híbrido de coelho. Ele conhecia os testes de empatia, sabia o quão sensíveis eram.
Ele sabia que Jungkook ficaria no instituto por muito, muito tempo...
3.
Taehyung estava certo sobre tudo.
Um mês depois de ir para o instituto, Jungkook fora rejeitado em todos os dezenove testes de empatia para o qual foi escolhido. Os voluntários gostavam da ficha dele: amável, saudavelmente curioso e quieto. Até mesmo achavam fofa sua foto 3x4 anexada na ficha. Um híbrido ótimo para se ter em apartamentos ou companheiro de crianças, mas então Jungkook era apresentado para eles, muitos centímetros maior que a expectativa, o peitoral largo marcando o moletom, e toda a animação dos voluntários virava surpresa e desgosto.
Um deles chegou a questionar Taehyung se ele tinha cometido um erro e o apresentado um híbrido de outra espécie, embora Taehyung não pudesse entender como as orelhas compridas e o pompom fofo nas nádegas de Jungkook o classificassem em qualquer outra espécie que não a de um coelho.
Não era muito diferente no dia a dia do instituto. Os outros híbridos de coelho tinham medo dele. Não se aproximavam, e o temperamento retraído e tímido de Jungkook não colaborava. Ele passava os dias sozinho e triste, olhando pela janela ou vagando pelo prédio, orelhas baixas.
As vezes, Taehyung o visitava. Jungkook sorria abertamente quando o via, olhos grandes brilhando e bochechas corando e Taehyung sentia um repuxamento cálido nas entranhas.
Eles sentavam nos bancos ensolarados do jardim, Jungkook corando em silêncio, e Taehyung percorria o olhar pelo híbrido, as orelhas muito brancas e macias agora limpas e felpudas contrastando com os cabelos fartos cor de piche. O rosto fofo em cada detalhe absorvia Taehyung, desde o nariz grande com a ponta redonda até a pintinha alojada embaixo da carne gorda do lábio inferior.
Só ele enxergava Jungkook assim? Tão fofo e doce, tão bonito. Por que só viam nele os defeitos quando, para Taehyung, Jungkook tinha muito mais qualidades?
Ele era um híbrido especial, tão especial.
Taehyung gostava de cuidar dos híbridos, mas Jungkook exercia uma influência nova para ele, o que levou Taehyung começar a pensar que talvez...
Talvez houvesse algo acontecendo ali.
4.
Era uma quarta feira quando Taehyung foi buscar Jungkook no instituto para mais um teste de empatia. O garoto estava sentado numa das mesas de estudo da biblioteca, curvado sobre um livro, orelhas suavemente caídas ao lado do rosto sereno.
"Oi, Jungkook", Taehyung o cumprimentou muito mais animado que o habitual, o que fez as orelhas de Jungkook contrariem em desconfiança.
"Oi, Tae. Está cedo para visitas hoje."
"Sim, mas não vim visitar você hoje, Jungkook", ele afagou as mechas macias no alto da cabeça do híbrido. As pálpebras de Jungkook pesaram e as orelhas esticaram para trás em submissão. Apesar de ser o coelho quem recebia carinho, era Taehyung quem queria ronronar com as reações de Jungkook ao seu toque. "Temos um teste de empatia hoje."
"Ah, isso é bom", Jungkook murmurou, os ombros murchando em desânimo. Taehyung passou o polegar pela bochecha aveludada do garoto, sobre a suave cicatriz que a atravessava.
"Este será diferente, eu prometo. Você confia em mim, bebê?"
Jungkook sorriu em resposta, nariz franzindo ao sol. Taehyung lutou contra a vontade de se aproximar e respirar o cheiro limpo de seu cabelo e orelhas.
Na sala de testes, Jungkook obedientemente sentou no banquinho diante do aparelho. Era uma máquina pequena, basicamente um capacete revestido com plasmas que captavam os padrões emocionais do voluntário provocados pela presença do híbrido. Abaixo dela, uma poltrona reclinável onde o voluntário deveria se sentar e, acima dela, voltada para o avaliador - Taehyung - um monitor que exibia em gráficos a porcentagem de empatia.
Jungkook olhou em volta, achando estranho que o voluntário ainda não estivesse na sala.
Percebendo a ansiedade do híbrido, Taehyung ajustou o monitor, virando-o na direção da poltrona. Então, olhando nos olhos cheios de expectativa de Jungkook, sentou-se na poltrona e puxou o capacete para acoplá-lo à própria cabeça.
Jungkook o encarou estarrecido, orelhas espetando o ar tão rápido que produziram um zum.
Taehyung sorriu docemente para ele e ligou a máquina. O teste era rápido, menos de cinco minutos, e muito preciso. Taehyung olhou para o híbrido diante de si, o rosto bonito e inocente. Como sempre acontecia desde a primeira vez em que pôs os olhos em Jungkook, seu coração acelerou e esquentou. Não foi nenhuma surpresa quando os gráficos no monitor saltaram e tremeluziram, acusando um grau de empatia de 87%.
Taehyung finalizou o teste, salvando o resultado nos registros por puro protocolo, então deslizou para frente, aproximando-se do híbrido o suficiente para ver em detalhes seus olhos grandes e expressivos. Pegou a mão do garoto na sua, dedos gelados em dedos quentes.
"Jungkook, o teste de empatia só mede os padrões emocionais do voluntário, porque se presume que o mais importante para um híbrido abandonado é ter um lar em que seja realmente amado. Mas eu quero perguntar a você, apesar do resultado: você quer vir para casa comigo?"
Jungkook ficou estático, como se sua mente não soubesse como processar aquela sensação nova de ser amado, de ser requisitado. Ele piscou, orelhas caindo lentamente ao lado do rosto.
"Taehyung, isso foi um teste de empatia com... você?"
"Sim", Taehyung respondeu pacientemente e moveu o monitor para que o híbrido pudesse olhá-lo. Jungkook fixou o monitor, ainda incrédulo, "E obtivemos um score bastante alto, veja, mais de oitenta por cento."
"Quer dizer que...", Jungkook tinha dificuldade em aceitar o que acontecia, "Que você me quer? Você me... quer?"
Taehyung viu as pálpebras do híbrido estremecerem, e sabia que não estava fazendo um bom trabalho em esconder as emoções, porque estava corando e engolindo em seco para camuflar a vontade cada vez maior de tocar em Jungkook, abraçá-lo e senti-lo.
"Eu quero você", o coração de Taehyung deu um tranco com o som das próprias palavras e ele sorriu nervosamente. Elas eram somente a ponta do iceberg emocional que o híbrido despertara em si.
Jungkook suspirou fundo, peito inflando e lábios partindo. Taehyung previu o que viria a seguir quando o coelho soluçou, lágrimas frescas rolando pelas bochechas, o nariz ficando vermelho na ponta. Ele parecia muito, muito pequeno quando ficava vulnerável assim, todo seu tamanho sumindo diante dos olhos de Taehyung que só enxergava um garoto com um coração puro demais para este mundo.
"Não chore, bebê", afagou os joelhos do híbrido por cima das calças de algodão do instituto. "Diga, você quer isso?"
"Que-quero", Jungkook fungou.
"Então nós vamos para casa agora."
5.
Taehyung conseguiu o resto do dia de folga. Yoongi e Jimin o ajudaram a organizar os poucos pertences de Jungkook, que não parava quieto, tagarelando sobre como seria sua nova vida e como ele iria fazer Taehyung o dono mais feliz do mundo. Não havia muito o que enfiar na mochila de Jungkook a não ser um par de calças jeans, um moletom surrado e um par de pantufas. Todos doados. Taehyung fez uma anotação mental para comprar roupas novas para o híbrido assim que tivesse tempo.
Yoongi, Jimin e Hoseok se despediram de Jungkook, animados porque finalmente o híbrido teria um lar. Durante aquele tempo curto, eles tinham se afeiçoado ao coelho, vendo-o sozinho, mas sempre tão receptivo e carente.
"Não faça essa cara, Jungkook", Jimin disse quando seguiram Taehyung e o híbrido até o carro do funcionário. As orelhas de Jungkook estavam baixas e murchas, olhos grandes fixando os outros garotos, "Nós iremos visitá-lo na casa de Taehyung. Somos amigos agora, todos nós."
Jungkook recebeu abraços dos três e até mesmo fechou os olhos com a carícia de Hoseok em sua orelha felpuda, mas Yoongi deu a volta no carro e murmurou no ombro de Taehyung antes que partissem:
"Tae, o ciclo de Jungkook está desregulado, de acordo com os exames que fizemos. Sabemos que o cio dos coelhos é sensível a alterações emocionais e Jungkook passou por muitas e ainda está passando. Você precisa ficar atento."
"Eu sei. Ele estará seguro comigo, não se preocupe."
"Se precisar trazê-lo de volta, traga-o. Em qualquer situação."
Havia conforto nas palavras de Yoongi, mas também eram um pouco sombrias. Taehyung sabia que híbridos mudavam no cio, podendo ficar extremamente vulneráveis e dependentes ou agressivos e possessivos. Como um híbrido de coelho, Taehyung esperava de Jungkook a primeira opção, que não era menos problemática que a segunda. Ele trabalhava com híbridos, mas nunca tivera que servir um durante o cio, no Centro eles usavam medicamentos para controle de natalidade e eles atenuavam os sintomas do cio.
No entanto, por causa dos efeitos colaterais fortes, esses remédios eram controlados se o híbrido tinha um lar e um cuidador capaz de supri-lo, sendo usados apenas se o híbrido pedisse. Além disso, era lei que o híbrido deliberadamente permitisse ser acompanhado durante o cio, para evitar abusos sexuais. Híbridos que ficavam mais vulneráveis no cio frequentemente eram induzidos ao sexo por acompanhantes abusivos.
Era triste pensar que, mesmo com toda a burocracia e leis de proteção aos híbridos, os casos de violência contra eles só aumentavam.
"Obrigado, Yoon", Taehyung agradeceu sinceramente, esperando de todo coração não falhar como dono.
Jungkook parou no meio da pequena sala do apartamento de Taehyung, a mochila no ombro e as orelhas brancas tremendo sobre os ombros em surpresa. Olhou para o sofá de dois lugares encostado na parede, as almofadas divertidas com tema de vídeo-game, o tapete macio de pelúcia cinza, a minúscula cozinha americana tomada pelo sol da manhã que cintilava nos utensílios de inox sobre a bancada. O ar era limpo e quente, diferente da frieza hospitalar do Instituto e do Centro.
Jungkook corou até a ponta das orelhas. Este era o lar de Taehyung. Onde ele vivia, dormia, comia, era íntimo e estava cheio dele.
"Não é grande coisa", Taehyung desculpou-se. "Você tinha mais espaço no Instituto."
Jungkook piscou encarando Taehyung. A luz do dia o atingia por trás, tocando as arestas de seus ombros largos e aveludando a pele dourada do pescoço. Jungkook largou a mochila no chão e avançou sobre Taehyung, aninhando o rosto na curva quente da jugular dele, respirando o cheiro caracteristico de Taehyung.
"Obrigado. É perfeito."
Taehyung ficou duro no lugar, pego de surpresa. O cheiro de Jungkook era tão doce e suave, como lençóis limpos com um toque de baunilha. Roçou o nariz nos cabelos dele e pela maciez felpuda da orelha, cantarolando com o perfume do híbrido.
"Não tem de quê", murmurou nos cabelos escuros de Jungkook, dedos tocando com cuidado a curva de sua espinha dorsal. Eles ficaram assim, corações palpitando juntos, até que Taehyung o afastou alegando que era hora de preparar o jantar.
6.
Taehyung e Jungkook não demoraram para desenvolver uma rotina. Houve uma notável melhora no humor de Jungkook agora que ele tinha um lar e uma fonte de segurança, então não era difícil conviver com ele. O híbrido não falava alto, era calmo e de bom temperamento, e quase sempre olhava para Taehyung com deslumbre e gratidão. Ajudava-o a cozinhar em troca de um bom pedaço fresco de cenoura para roer, era asseado e gostava de ouvir música tanto quanto Taehyung.
E Taehyung estava gostando de chegar em casa e ter alguém o esperando, e as reações de Jungkook a sua chegada eram adoráveis demais. Olhos arregalados e brilhantes, rabo tremendo e bochechas corando. Ele ficava falante e agitado por algum tempo enquanto Taehyung tirava os sapatos, lavava as mãos e o rosto e trocava de roupa, Jungkook o seguindo pela casa contando sobre todas as séries que vira naquele dia e sobre quais queria ver com Taehyung depois do jantar.
Apesar disso, ainda era difícil romper algumas barreiras com Jungkook, como os limites físicos, por exemplo. O híbrido demonstrava afeto com o olhar e palavras suaves, mas tirando o abraço que dera em Taehyung no dia da chegada, era desconfiado com muita aproximação física, especialmente que não fosse de Taehyung. Ele frequentemente se escondia embaixo da cama quando um entregador de delivery aparecia na porta, e definitivamente não reagia bem a visitas que não fossem de Yoongi, Jimin e Hoseok.
Taehyung teve que explicar isso aos pais quando eles foram visitá-lo e o híbrido se escondeu embaixo da cama, recusando-se a sair apesar dos apelos de Taehyung.
No primeiro fim de semana juntos, Taehyung o levou para comprar roupas novas. Eles escolheram as peças, moletons e blusas confortáveis, e Taehyung guiou Jungkook para os provadores, prometendo o esperar do lado de fora.
"Está com fome?", Taehyung perguntou quando saíram da loja cheios de sacolas, o olhar de Jungkook saltando pelas luzes e cores do shopping. Ele apontou para uma carroça de algodão-doce no meio de um espaço amplo, onde uma fila de crianças esperavam e assistiam empolgadas o palito girando em torno da nuvem açucarada.
"Tae, o que é aquilo?"
"É algodão-doce. Você quer? Venha, vamos experimentar um."
Taehyung entrou na fila e, alguns minutos depois, voltou com um gordo algodão-doce amarelo. Ele o ofereceu para Jungkook, mas então se deu conta de que Jungkook olhava fixamente para algo muito além deles. Seguiu o olhar do híbrido e viu um homem tão jovem quanto eles andando com uma híbrida de gato preso numa coleira. A híbrida usava roupas curtas, uma saia plissada colegial que podia ser julgada inadequadamente curta e um top de tela, meias de seda cor de rosa e sapatilhas. O pêlo amarelado da cauda e das orelhas era bem escovado e brilhava como veludo, um guizo cintilante sacudindo no tornozelo frágil; apesar das roupas de cores chamativas e da óbvia aparência bem cuidada, o rosto da híbrida era infeliz e sorumbático, voltado para baixo em submissão. Não era raro que alguns donos mantivessem seus híbridos em coleiras, embora fosse uma moda ultrapassada e criticada.
"Ei, está tudo bem. Não vou colocar uma dessas em você", Taehyung assegurou, afagando com cuidado o ombro de Jungkook, que deu um salto, saindo do transe.
"Tae, eu quero ir embora", o híbrido de coelho murmurou, as orelhas, que antes estavam um pouco curvadas acima dos cabelos macios num M alegre, achataram contra o crânio. Ele recuou, braços envolvendo Taehyung e o rosto franzido enterrando em seu pescoço. As compras e o algodão-doce caíram no chão quando Taehyung teve que soltá-las para amparar Jungkook.
"Shh, está tudo bem, Jungko..."
"Não, vamos para casa, por favor, vamos embora agora, Tae, não me sinto bem."
Taehyung sentiu o coração de Jungkook disparado no peito, a respiração abafada. Concordando, Taehyung recolheu as compras, jogou o doce desperdiçado no lixo e pegou a mão de Jungkook para irem em direção ao carro. Isso pareceu acalmar o híbrido, pelo menos ele parou de tremer e ofegar, por mais que não parecesse capaz de falar.
Quando chegaram em casa, Jungkook correu para o banheiro. Taehyung escutou o ruído do chuveiro sendo ligado, mas, quase vinte minutos depois, nada de Jungkook sair do banho.
"Jungkook, está tudo bem?"
Não houve resposta.
"Eu vou entrar, certo?"
Nada.
Taehyung abriu a porta e entrou. A cortina estava aberta. Jungkook abraçava os joelhos encolhido na banheira, que praticamente transbordava agora. As orelhas ensopadas do híbrido escorriam por suas costas, o pelo claro misturando-se às mechas negras de cabelo. Ele nem piscou quando Taehyung se aproximou e fechou a torneira. O único sinal de que Jungkook estava muito ciente da presença de Taehyung eram suas bochechas úmidas corando com toda força. No entanto, Taehyung não lançou nenhum olhar malicioso para as partes expostas do corpo de Jungkook, parcialmente submerso.
"Já passou o shampoo?"
Jungkook fez que não, esfregando um punho pelo rosto e o enxugando, o que fez Taehyung desconfiar que a umidade nas bochechas não eram só respingos de água. Pegou a embalagem de shampoo no suporte sobre a banheira, colocou um pouco na palma da mão e agachou-se no chão ao lado dela. Esfregou o shampoo nas palmas e, com cuidados, deslizou a ponta dos dedos pelos cabelos de Jungkoook, dando espaço para que o híbrido recusasse o contato, se não se sentisse confortável. Jungkook não o afastou. Devagar, Taehyung fez uma massagem no couro cabeludo do híbrido e, quando julgou ter lavado bem toda a cabeça, passou a esfregar gentilmente a extensão das orelhas. Jungkook era macio por toda parte, Taehyung estava encantado. O híbrido fechou os olhos e suspirou, relaxando sob o toque de Taehyung.
"Você pode falar comigo se quiser, bebê", Tae murmurou, agora fazendo carinho na orelha de Jungkook - a humana, não a de coelho. Ele afastou algumas mechas compridas do rosto de Jungkook, revelando a beleza suave do híbrido, o nariz grande e arredondado na ponta, as bochechas cheias e os lábios rosados. "Alguma coisa assustou você naquele homem, no shopping? Ou foi a coleira?"
Jungkook levou algum tempo organizando os pensamentos, sentindo-se mais seguro com o carinho e a presença de Taehyung.
"Aquela híbrida, hyung... ela... as roupas que ela usava, ela não parecia feliz, assim como eu... eu não gostava quando me obrigavam a usar aquelas coisas."
O coração de Taehyung gelou. Ele ficou totalmente imóvel por um instante, então se ajeitou e voltou a dar banho em Jungkook, com medo que o híbrido percebesse a tensão e ficasse mais assustado ainda. Com o chuveirinho, tirou a espuma do cabelo e das orelhas de Jungkook, evitando o máximo possível deixar a água cair nos tímpanos.
"Eles obrigavam você a usar o que, Jungkookie?"
"Coisas que eu não queria, que me faziam sentir muito nu e... e elas me olhavam como se eu fosse delas, como se eu não fosse alguém e sim uma coisa. E então... elas...", os ombros de Jungkook tremeram. Taehyung regulou a água, deixando-a mais morna, embora ele soubesse que o híbrido não estava tremendo apenas por causa do frio. "Elas filmavam."
A garganta de Taehyung fechou num nó. Ele abriu a boca e puxou o ar com força, a raiva percorrendo suas entranhas e se tornando algo real. Então foi isso que fizeram com Jungkook antes dele ser resgatado. Deep Web. Pornografia imunda e ilegal com híbridos. Não era de estranhar que Jungkook tivesse chegado no Centro de Adoção tão arisco e confuso.
"Elas filmavam por tanto tempo e eu ficava tão cansado e com fome e sede. Mas elas me elogiavam, e eu não sei porque, Tae, mas me dava vontade de chorar. Eu não devia sentir vontade de chorar, certo? Elas me elogiavam e diziam que eu era bonito, um coelho muito grande e bonito, e me faziam virar em ângulos diferentes para a câmera, com aquelas roupas tão curtas, como a da gata no shopping."
Deus. Custou todas as forças de Taehyung não socar a parede, apenas escutar o relato de Jungkook e seguir lavando-o com muito cuidado. Ele quase esmagou a garrafa de condicionador ao espremê-la.
"Elas me acariciavam e tentavam ganhar minha confiança, apenas porque queriam me induzir ao cio. No início, quando me transformei, achei que eram realmente donas generosas, sempre me tocando e falando o quanto eu era bonito. Mas então outros híbridos como eu apareceram, e elas os induziram ao cio e os faziam implorar por coisas pervertidas enquanto elas filmavam e se divertiam vendo-os chorar e implorarem para serem cuidados", Jungkook fez uma pausa e fechou os olhos, cílios longos e úmidos tocando as bochechas. "Ainda bem que não entrei no cio com elas. Sei que um dia vai acontecer, mas quando penso nisso sinto vergonha e culpa, não quero entrar no cio, Taetae, não quero me sentir usado e humilhado como os outros híbridos se sentiam."
Mas tinha algo incomodando Taehyung e que ainda não tinha uma explicação.
"Você ficou assustado quando chegou no Centro e viu os funcionários de jaleco. Jimin descobriu que os jalecos são um gatilho pra você, quer me contar a razão disso? Você não precisa, se não quiser, certo?"
Jungkook assentiu minimamente, agora mais calmo sob o contato protetor e gentil das mãos grandes de Taehyung.
"Elas usavam jalecos brancos quando entravam no quarto. Era como... um uniforme. Mas eu não sei porquê elas usavam."
"Jungkook, o que fizeram foi errado", Tae explicou com a voz macia, espalhando o condicionador com cheiro de melão nas mechas de Jungkook, "É normal que você sentisse vontade de chorar, porque estavam fazendo coisas muito erradas. Você pode dizer isso à polícia, meu amor, e essas pessoas serão procuradas, e elas nunca mais vão maltratar híbridos como você. O que me diz? Quer ir comigo contar para a polícia sobre essas pessoas ruins?"
Jungkook assentiu, o olhar vago. Taehyung tinha ódio dessas pessoas, mas tinha mais ódio ainda de quem consumia esse tipo de coisa, porque se havia um produto, é porque existia um público para consumi-lo. Era hediondo e grotesco que criaturas indefesas, tão doces e inocentes como seu Jungkookie sofressem abusos tão horríveis.
Mas, quando Taehyung terminou de lavar o cabelo do híbrido e deixou um beijo terno em sua cabeça agora perfumada, o que sentiu foi gratidão. Agora, Jungkook estava seguro. Todo o mal havia passado. Para cada dia sombrio que Jungkook vivera um dia, ele teria o dobro de carinho e amor de Taehyung. Isso era uma promessa.
7.
Após o incidente no shopping, Jungkook passou a se mostrar muito mais ligado a Taehyung. Ele ficava ansioso pela manhã, observando Taehyung se vestir para ir para o Centro e, num dia em que Taehyung pegou trânsito e chegou quase uma hora mais tarde, encontrou Jungkook chorando encolhido num canto da sala. O alívio do híbrido ao ver Taehyung voltando para casa foi de partir o coração, e Jungkook confessou com o nariz vermelho e olhos inchados que acreditou ter sido abandonado.
Depois disso, Taehyung comprou um celular para Jungkook e o instruiu a usá-lo quando precisasse se comunicar. Eles trocavam mensagens o dia inteiro, grande parte delas eram de Jungkook perguntando a que horas Taehyung ia voltar para casa, mesmo que fizesse apenas quinze minutos que ele tinha saído. Era adorável, contudo, Jungkook era sempre fofo e fazia o dia de Taehyung melhorar cem por cento com o ruído do sino de notificações apitando de cinco em cinco minutos em seu bolso. Era um lembrete bem vindo de que Jungkook existia, de que pensava nele e queria estar com ele de novo.
Mas, para diminuir a ansiedade do híbrido e mantê-lo distraído enquanto estivesse fora, Taehyung pediu emprestado para Jimin o console de seu PS4 e, no fim de semana, Jimin, Yoongi e Hoseok apareceram na casa de Taehyung prontos para jogar Resident Evil. Eles pediram pizza e refrigerante e se espalharam em volta do sofá de dois lugares de Taehyung. Hoseok recebeu a comida e as bebidas e, só então, eles chamaram Jungkook para a sala, prometendo que ninguém mais ia aparecer. O híbrido estava animado e curioso, olhando para os gráficos na televisão e erguendo as orelhas no ar em excitação.
"Jungkook, veja, aqui você seleciona", Taehyung o ensinou com o controle. "Aqui você muda a perspectiva e aqui você troca de arma. Aqui você atira. Nessa primeira partida, você vai jogar contra mim, certo?"
Jungkook assimilou tudo depressa, então eles dividiram as duplas em turnos para que todos jogassem e iniciaram a missão. Os olhos do híbrido arregalaram de prazer ao ver o cenário surgir e a história introdutória dos personagens começar a ser contada. Ele sentou na beirada do sofá e Taehyung quis rir com a empolgação do híbrido, cujo rabo em forma de pompom não parava de torcer. Então, o jogo começou.
E terminou dez segundos depois, quando Jungkoook começou a andar pelo cenário e foi atacado. Ele gritou, atirando o controle para cima e pulando para trás do sofá. Os garotos se entreolharam, surpresos. Jimin se inclinou pela borda do sofá e fitou um Jungkook deitado no chão protegendo a cabeça, orelhas espremidas contra os cabelos.
"Hm, ei, Gukie, não tenha medo, não é real, é só um jogo."
"É feio, hyung, e muito barulhento!", Jungkook choramingou mais alto com os ruídos de tiro quando Taehyung começou a descarregar a arma contra os inimigos que saltavam na tela, mas então suspirou e pausou o jogo depressa.
"Acho melhor tentarmos Mario Kart", Yoongi sugeriu. Todos concordaram.
8.
Jungkook já não sabia mais o que inventar para passar o tempo enquanto Taehyung estava trabalhando no Centro, então o vídeo-game emprestado de Jimin foi realmente bem vindo. As horas passavam mais rápido enquanto ele disputava corridas com os personagens coloridos que soltavam ruídos engraçados quando escorregavam em bananas na pista ou eram esmagados pelos cascos. Mas, depois de tantos dias seguidos, tantas horas, Jungkook finalmente zerou todas as fases e cenários e estava novamente entediado. Ainda havia os jogos de tiro com criaturas feias em cima do console, mas Jungkook tinha muito medo de jogá-los, especialmente estando sozinho.
Então, ele ia para a janela e ficava olhando para o parque lá embaixo, as pessoas andando e as folhas mudando de cor na estação, de verde para dourado e amarelo. Ele gostava do lugar onde Taehyung morava. Era calmo e de tarde o sol passava através das folhagens das árvores e pintava uma malha cintilante no chão. Os pássaros estavam sempre cantando e Jungkook sentia-se confortável e protegido ali.
Ele ainda tinha pesadelos com elas. As garotas perversas de jaleco. E ele ainda evitava a todo custo entrar no cio, com medo do que poderia acontecer. A perspectiva de estar tão vulnerável e exposto para outra pessoa fazer o que quisesse com ele era assustadora, principalmente quando ele sequer sabia como era o sexo. O primeiro cio de um híbrido, pelo pouco que ele sabia, acontecia por volta do primeiro ano após a transformação. Pelos cálculos de Jungkook, estava próximo.
Confiava em Taehyung o suficiente para acreditar que ele faria o possível para que não fosse traumático ou doloroso demais, provavelmente o internaria numa clínica especializada, com os remédios e profissionais necessários, mas mesmo assim era assustador. Jungkook nunca esqueceria dos gritos e choros dos híbridos em cativeiro junto com ele, como o cio parecia uma experiência extremamente dolorosa, vergonhosa e frustrante.
Mas, apesar do quanto Jungkook se esforçava, ele sentia que estava chegando. Sua temperatura corporal aumentava um pouco a cada dia. Ele já não conseguia mais ficar com os moletons quentinhos pela casa, trocara-os por bermudas leves e regatas. Ele constantemente se excitava com as menores coisas, como um vislumbre da nuca de Taehyung, ou as veias em seus antebraços e pescoço, e até mesmo quis chorar de vergonha ao se pegar encarando o volume no espaço entre as pernas dele num domingo em que sentaram no parque para tomar um sorvete.
Eram momentos constrangedores em que Jungkook não podia se impedir de sonhar com o caleidoscópio de imagens sensuais dançando em sua mente, como Taehyung era bonito e másculo, como sua voz era quase erótica quando ele falava baixo e devagar e como seu cheiro era forte e inebriante quando ele suava.
Quando percebia, era tarde demais, seu ânus e seu pênis pulsavam, sua auto lubrificação ensopava sua roupa de baixo e ele tinha que se refugiar no banheiro mais próximo para se limpar e esperar a tontura febril passar, rezando para que Taehyung não notasse.
Era hormonal. Claro que era. Jungkook podia ser uma aberração na espécie, grande e forte e nada delicado, mas ele não era diferente de nenhum outro híbrido de coelho, carente e tão fraco por afeto.
Ele passou a procurar contato físico com Taehyung com mais frequência. Quando Taehyung chegava em casa, Jungkook não o deixava nem tirar os sapatos; puxava-o para o sofá, o fazia sentar e subia em seu colo. Era bom esfregar o nariz e a boca pelo pescoço quente de Taehyung, ele sempre cheirava tão bem, mesmo depois de horas na rua. Era um cheiro só dele e Jungkook desejava cada dia mais prová-lo. Nas primeiras vezes, Taehyung não soube bem como reagir. Ele só deixou que Jungkook pegasse dele o que precisasse. Mas, depois de alguns dias, começou a retribuir, afagando as costas do híbrido e murmurando palavras gentis em sua orelha humana.
"Como foi seu dia, bebê? O que você fez? Você está se sentindo bem? Tem algo que queira me falar? Está com fome? O que você quer comer hoje? Quer ver um filme?"
Jungkook derretia com cada palavra carinhosa, coração e rabo tremendo de satisfação. O colo de Taehyung era gostoso, um lugar seguro que ele estava adorando fazer seu. Ele tinha a crescente necessidade de possuir Taehyung, marcá-lo e ser marcado por ele. Mas não podia, então passava o rosto pelo pescoço macio e corava de excitação e vergonha.
9.
Uma noite, Jungkook acordou suando. O aperto em seu peito e ventre contraiam, pedindo para ser extravasado. Um nó de tensão repuxava em suas entranhas, ainda leve demais para ser algo além de um desconforto.
"Taehyung", Jungkook choramingou, esfregando os olhos sonolentos. Não lembrava o que tinha sonhado, mas acordou com saudades de Taehyung, de trocá-lo e senti-lo como se não se vissem a eras.
Piscando com sono, Jungkook desceu da cama, calçou as pantufas e saiu do quarto de hóspedes em direção ao de Taehyung. A porta estava apenas encostada, e Jungkook entrou arrastando os pés. Largou as pantufas ao lado do lar que já estava ali e deitou na cama, puxando o edredom para se embolar contra o corpo quente e macio de Taehyung.
"Gukie?", Taehyung murmurou, confuso e grogue. Ele olhou o híbrido se aconchegando em seu peito, pernas deslizando nas suas, e não soube bem o que fazer. "Você teve um pesadelo, bebê?"
"Não, só quero... você."
"Estou aqui", Taehyung se acomodou de lado nos travesseiros, aninhando Jungkook da melhor forma que podia em seus braços. Suspirou em contentamento, intimamente feliz por sentir Jungkook tão perto.
Aproximando o rosto, deslizou o nariz pelas mechas da franja do híbrido, respirando o cheirinho doce. Sem se conter, passou os lábios entreabertos pela testa dele, depois pelas pálpebras cerradas. Jungkook gemeu baixinho, à beira do sono. Taehyung pressionou beijos lentos e preguiçosos na bochecha de Jungkook, os dedos traçando círculos na lombar dele. Sorriu ao nivelar o nariz com o de Jungkook, puxar o ar e perceber que até o hálito do híbrido era doce, como se ele tivesse acabado de chupar uma balinha de leite.
Taehyung fechou os olhos e só os abriu oito horas depois, a mente confusa por um instante ao ver outra pessoa dormindo em sua cama. Depois de anos sozinho, estava se habituando aos poucos com a presença de Jungkook, mas nada foi tão estranho quanto acordar e ver o rostinho do híbrido em sua frente. O coração de Taehyung parou uma batida e acelerou com uma onda morna de afeição.
Ele não tinha fechado as cortinas completamente na noite anterior, uma faixa de luz matinal vazava entre elas, caindo sobre os braços e pescoço nus de Jungkook. Metade de uma orelha branca cintilava ao sol, a outra descansava por cima do travesseiro numa posição fofa. Taehyung olhou para o garoto, pensando que parecia um sonho. A pele clara dos braços de Jungkook era lisa na claridade, os músculos alongados e macios por baixo dos tendões nos antebraços. Ele respirava tranquilamente, peito expandindo e descendo devagar, a imagem perfeita da paz.
Os dedos de Taehyung tocaram o frescor macio da bochecha de Jungkook. Depois deslizaram pelo ombro quadrado até a mão sobre o colchão. Ele era quentinho e suave em todos os lugares que Taehyung encostava. Seu peito pesou com a realização de que Jungkook era a criatura mais bonita e rara que ele já conhecera, tudo no híbrido o fascinava e o fazia querer cobri-lo de carinho e proteção.
Então, Taehyung franziu a testa, interrompendo o afago que fazia no pulso de Jungkook. Não tinha a menor ideia do que o híbrido sentia. Gratidão, certamente, por Taehyung tê-lo acolhido, mas provavelmente não era o suficiente para querê-lo como algo além de um dono. Era possível que, por causa de seu passado com donos abusivos, Jungkook jamais desenvolvesse confiança por alguém novamente.
Taehyung afastou a mão, sentindo-se triste, não porque Jungkook jamais iria o querer como ele o queria, mas por seu coração tão purinho ter sido machucado de forma tão cruel.
"Hyung", Jungkook murmurou baixinho, despertando. Taehyung sorriu para a imagem descabelada e manhosa do híbrido. "Estava me olhando? Quanto tempo faz que está acordado?"
"Não muito. Só acordei e fiquei olhando para você", Taehyung roçou o polegar pelo queixo de Jungkook, em seguida acariciou a ponta peluda da orelha entre os dedos. Jungkook corou, olhos ainda brilhando de sono.
"Mas por quê?"
"Porque você é lindo, Jungkook. Apenas isso."
O nariz de Jungkook tremeu quando ele riu, os dentes da frente surgindo no sorriso brincalhão. Então, num movimento inesperado, ele avançou sobre Taehyung, lábios quentes estalando pelas bochechas do humano.
Taehyung gargalhou, o rosto inteiro ardendo e o peito vibrando de satisfação porque o peso de Jungkook o apertava sobre a cama. O cheiro do híbrido, leite e roupas limpas, estava por todos os lados e Taehyung nunca pensou que poderia morrer de amor, mas era isso.
Ele segurou a cintura de Jungkook para equilibrá-lo sobre si, tamanha era a excitação do híbrido, que ria e beijava Taehyung onde quer que sua boca atingisse.
Taehyung começou a recuar, receoso que, na empolgação, um beijo acabasse caindo no lugar errado, mas foi tarde demais, os lábios de Jungkook adejaram a ponta do nariz de Taehyung e desceram, pressionando os do humano depressa. Uma, duas vezes, três. O híbrido arregalou os olhos e ergueu as orelhas em sobressalto, sem conseguir parar. Elas entrelaçaram no ar, esticando conforme Jungkook ficava mais e mais vermelho ao selar os lábios de Taehyung incontidamente.
"Ah, Deus", ele guinchou ao enfim se obrigar a parar. Ambos se encararam, respirando rápido e surpresos pelo que acontecera. Jungkook se ergueu nos braços, o peso ainda descansando confortavelmente sobre Taehyung, que sentia o próprio sangue pulsar nos ouvidos. "Taetae, eu sinto muito. Fiquei tão feliz por ter dormido com você, e porque você disse que sou bonito, eu não queria, eu não tive a intenção..."
Taehyung sentiu todo o deslumbre dos últimos minutos evaporar. Limpou a garganta e gentilmente empurrou Jungkook de volta para o colchão, afastando-se.
"Está tudo bem, bebê. Não foi nada. Vou fazer o café da manhã e então vamos sair e tomar sorvete, o que acha?"
Jungkook assentiu, disperso. Taehyung afagou uma de suas orelhas para confortá-lo antes de ir para o banheiro fazer a higiene matinal, frustrado e desiludido.
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