PRESENTE

Tudo aconteceu de um modo que parecia mentira. Em um momento, ela estava em uma festa de debutante, observando deliciada as pessoas  dançando, pensando como aquelas crianças tinham crescido e  estranhando o fato de Jamal não estar ali, afinal. No outro, ela tinha se jogado no chão, as pessoas ao seu redor faziam o mesmo, outras fugiam, e gritavam, assustadas pelo som do tiro.
Maldita Freedrige.
Maldito bairro e seu amor bandido, traduzido nas homenagens às crianças e adolescentes, jovens demais para morrerem como consequência da violência entre gangues.
Olivia morta, Ruby ferido e César...
Espancado e expulso, traído pela própria  compaixão e expulso de casa pelo irmão.
César disse a ela que ficaria com Monse, mas ela duvidava que o senhor Finnie concordaria  com aquilo quando soubesse. Ela estava disposta a oferecer ao garoto a própria sala, já que só tinha um quarto, mas então, um pouco antes do Natal, Amália estava em casa, fazendo o planejamento das atividades a serem desenvolvidas com seus alunos, quando recebeu uma ligação de sua mãe, preocupada com Dolores.
De fato, quando Amália chegou na casa da mãe, sua abuela estava pálida, sentada, reclamando de uma dor aguda na região do braço, peito e costas. Sob reclamações da própria avó, Amália a levou ao hospital, onde foi diagnosticado um ataque cardíaco.
A boa notícia era que ela provavelmente não teria de operar, apenas ficar internada e tomar a medicação. A ruim era que seria necessário uma mudança na alimentação, reduzindo sal, açúcares e gorduras.
Amália estava brava.
— Eu sempre digo que você come muito mal, abuelita. — dizia ela ao lado da cama da avó, enquanto a alimentava.
— Sí, mas essa comida é terrível, niña.
— Coma para sair logo daqui, vovó.
— Perdemos o Natal, Amália — se lastimou a senhora Dolores.
Era véspera de Natal, e avó e neta estavam ali.
— Não perdemos, o importante é a senhora estar viva. Tem luzes festivas e decoração aqui no hospital e mamãe está feliz passando com a família do meu pai, não se preocupe.
— Eles não batem bem da cabeça, os Turner.
Amália riu. Depois que sua avó comeu, ela pediu licença para ir ao banheiro, mas a verdade é que foi ao lado de fora do hospital, e encostada em uma parede deixou as lágrimas caírem.
Ela quase havia perdido sua abuelita. Seu coração, como tantas vezes quando ela se encontrar em um momento difícil, pedia para que ela ligasse para Oscar. Mas ela se contentou com ler sua mensagem.
"Soube da sua abuela, sinto muito. Me mande notícias. Estou aqui para o que precisar".
Ela apertou o celular na mão. Não, ela não ligaria.