Track 4 • If you could see me now
• Track 4 •
If you could see me now
(Sarah Vaughan)
"If you could see me now, you'd know how blue I've been.
One look is all you'd need to see the mood I'm in.
Perhaps then you'd realize I'm still in love with you."
— Estamos muito felizes que você voltou a estudar, minha filha. — minha mãe me abraçou apertado de uma forma que me fez sentir desconfortável. Mesmo que não dissesse, havia ali uma cobrança adjacente para que eu terminasse logo a faculdade e, ainda que ela tivesse se referido a eles no plural, não vi meu pai esboçar nenhuma reação que demonstrasse qualquer empolgação.
— Chunnie está numa fase ótima. — meu irmão disse por minhas costas e notei o sorriso que seu comentário fez surgir no rosto da minha mãe, enquanto meu pai seguia com a mesma expressão pesada que se arrastara por todo o almoço.
Finalmente, me foi permitido acenar em despedida e, quando a porta se fechou, um alívio tomou conta de mim. Parecia que havia retirado, em partes, o peso que sentia sobre os ombros. Esse peso poderia ser o tal "peso da existência" sentida pelos recentes 26 anos completados no dia de hoje, mas eu sabia que não era só sobre isso.
Ela está exausta e não é sobre o aniversário, a bagunça que ficara do almoço, o TCC por concluir, ou talvez fosse tudo isso junto que convertera o alívio momentâneo em um vazio inominável que tomou conta da sala e de si quando a porta se fechou.
Como esperado, ela sou eu, esgotada sem sequer conseguir esconder dos demais. Deixei meu corpo descansar no sofá e Chaeri sentou-se ao meu lado trazendo consigo duas taças do vinho que sobrara do tradicional almoço em família dos domingos com o plus de ser meu aniversário. Ela estendeu uma das taças em minha direção e me vi compelida a aceitar, beber mais um pouco não faria mal. Brindamos em silêncio para que ela o rompesse em seguida ao perguntar se eu estava bem e apenas dei de ombros, não sabendo o que poderia dizer sem soar muito fingida.
Se o incômodo que eu sentia não era visível, era evidente para todos que a minha relação com os meus pais não era a mesma e a complexidade dos afetos que nos unia parecia ter sido substituída integralmente por preocupação e cobrança. A primeira protagonizada por minha mãe e a segunda por meu pai. Certamente, havia carinho e muito amor, mas esses estavam ocultos por detrás de uma avalanche de perguntas. Não por outra razão, o tema destrancamento da minha matrícula ocupou o primeiro lugar disparado dentre os assuntos que preencheram nosso almoço que, em tese, deveria ser uma celebração à minha vida e não ao projeto do meu TCC. Aparentemente, não fazia muito diferença para os meus pais.
— Chung já passou por sabatinas piores... não é? — SeokJin se aproximou fazendo um carinho em meu ombro querendo dizer, da nossa forma, que tudo ficaria bem de alguma jeito, em algum momento.
Eu quis concordar com a sua fala e, mesmo que eu apenas tenha dado de ombros, no fundo, havia em mim um desejo de conseguir enxergar o mundo com o mesmo otimismo que SeokJin. Sabíamos, porém, do que e de quem falávamos, e o poder mágico dessas menções em nebular meu humor, mesmo que não fosse exatamente a intenção do meu irmão.
Quase como se o gole no vinho tivesse sido um mergulho em mim, fui dragada para onde não deveria, para outros tempos em que essa mesma sala já fora mais festiva e barulhenta, quando os sons não se resumiam ao aos hashis de metal se chocando com as vasilhas, quando havia interesse e não apenas olhares incômodos e perguntas de respostas de simples. Se um dia meus pais avaliaram com uma cautela que escondia certa excitação o primeiro namorado da filha caçula, hoje eles só queriam saber quando eu finalmente terminaria a faculdade e passaria a prover meu próprio sustento.
Encostei a cabeça no sofá e logo me perdi na conversa que o casal ao meu lado travava em paralelo. Era quase como se conseguisse vê-lo sentado à mesa, sua postura ereta, a camisa de seda passada com um cuidado atípico, os cabelos lisos divididos ao meio, os gestos excessivamente educados por, justamente, ser aquela a vez em que apresentei-o aos meus pais.
— Taehyung, estuda o que? — meu pai emendou a pergunta na sua sequência de comentários sobre o meu desempenho acadêmico e meus olhos seguem aqueles à mesa até fitar rapidamente o homem ao meu lado. Tive muita vontade de tocar discretamente seu joelho e dizer que não precisava responder. O nervosismo de estar com os meus pais se tornava quase insustentável quando meu pai dirigia a palavra a Taehyung.
— Bem, eu tenho um curso técnico em teoria musical, mas hoje me dedico integralmente ao grupo de jazz, Sr. Kim. — Taehyung apoia os hashis na pequena tigela à sua frente.
— Ah, sim, então você não faz faculdade. — apertei discretamente os olhos, ansiosa para que alguém mudasse o rumo da conversa. — E não pretende?
— No momento, não, Sr. Kim. — seus olhos se fecharam em um sorriso discreto e ele voltou a se concentrar na comida.
— O grupo deve tomar muito tempo, imagino que vocês ensaiem bastante para tocar tão bem. — minha mãe, já mais simpática, tentou em um primeiro momento desviar o foco da conversa, e eu comemorei internamente.
— Entendo... — meu pai afirmou, mesmo que eu tivesse certeza de que ele não entendia. Caminhos não convencionais para uma família que sempre seguiu a "cartilha da vida acadêmica" eram, no mínimo, vistos com desconfiança. E por mais que meu pai adorasse jazz, não era por isso que ele queria que o namorado da sua filha fosse um musicista, mesmo que não tivesse verbalizado naquele dia e não precisava. A sequência de perguntas sobre a vida profissional de Taehyung, seguida de confirmações silenciosas, assentindo lentamente com a cabeça, diziam melhor do que qualquer afirmação sonora.
— É difícil agradar o papai. — disse retornando das minhas divagações e chamei a atenção do casal de volta para mim. SeokJin, porém, deu de ombros em resposta ao meu comentário.
— Não nego, mas... Você é uma mulher adulta de 26 anos. — ele arranhou a garganta. — Não estamos no mundo só para seguir a cartilha do papai. — meu olhar cortou-o de forma inquisidora, pois ele havia seguido toda a cartilha. Não era preciso muito para concluir, era só olhar em volta da sua sala chique, a esposa bonita, a vida profissional perfeita. Notar que meu irmão era a imagem e semelhança do nosso pai parecia esmagar meu coração. De imediato tive vergonha do que senti ao enxergar a vida do meu irmão e decidi desconversar.
— Ele só quer saber quando eu vou parar de dar gastos e começar a ganhar. Acho que tanto faz se eu seguir a vida acadêmica ou não, mas também não é como se eu tivesse muito mais o que fazer com esse diploma de Sociologia. Eu deveria arrumar um trabalho de meio período e parar de usar o cartão do papai, isso sim... — disse nada animada com todas as possibilidades que meu futuro parecia transcrever.
— Nem pensar. Antes você termina esse TCC, essa é a sua prioridade e o nosso combinado. — Seokjin foi direto e nem mesmo fiz questão de questionar, me recordando dos nossos termos.
— Sem nenhuma pressão. Como se o fato de que todos os meus colegas já estão se formando já não me pressionasse o suficiente... E eu estou aqui. — bufei e, em seguida, bebi mais um gole generoso do vinho logo me arrependendo ao sentir um arrepio quando o líquido amargo desceu por minha garganta.
— Não se cobre, Chung. O que o SeokJin quer dizer é que seus pais e nós queremos te ver bem. — Chaeri tentou contornar o mal estar que pareceu ter tomado conta da sala, talvez fosse o que ela sentia, pois eu e meu irmão já éramos acostumados com esse estado de "guerra fria" quando o assunto era minha faculdade. — E não tem por que trabalhar agora, você já está quase lá.
A simpatia de Chaeri me desarmou e só confirmei com a cabeça ao exibir um sorriso discreto. Desisti, por ora, de listar todos os motivos pelos quais o meu curso não me ofereceria de pronto um emprego, sobre o meu desânimo em engatar um mestrado e depois um doutorado, ou mesmo sobre esse cansaço generalizado de ter que viver um dia depois do outro. Apertei os olhos e notei que estava me afogando em pensamentos nos quais estive tentando evitar, mas que vieram no instante em que assoprei as velas, agora apagadas ao lado do bolo partido.
A bagunça sobre a mesa, por alguma razão, me fez sentir ainda mais desconfortável e decidi me levantar do sofá em um salto, mesmo sob protestos de Chaeri alegando que arrumaríamos juntos mais tarde. A necessidade de ocupar a minha cabeça e afastar pensamentos danosos era maior que a preguiça, mas aquela voz e as minhas memórias foram mais rápidas.
— Qual foi o seu pedido? — ele dissera apontando para as velas, enquanto me ajudava a servir os pedaços de bolo. Minha resposta foi dar de ombros, eu não costumava fazer pedidos ou valorizar muito aniversários, tanto que as comemorações sempre se resumiam a almoços como aqueles para a família que, a partir daquele ano, passou a incluí-lo. Era só mais um ano para a conta, era o que eu achava. Hoje, pensava que se tratar, na verdade, de um ano a menos. — Mas, Chung, você tem que pedir algo.
— Tudo que eu quero está aqui. — disse baixinho e fitei-o com um sorriso discreto. Logo sua expressão inconformada deu espaço para um sorriso. — Sou uma mulher de desejos simples, Taehyung.
Vi seu sorriso angular crescer de forma brilhante e ele pegou minha mão discretamente deixando ali um beijo antes de sair distribuindo os pratinhos com o bolo para os demais. Meu coração balançou com seu gesto simples que dizia de forma silenciosa que ele também sentia o mesmo, seguido de seus modos gentis com meus pais, da forma com que ele já havia se entrosado com SeokJin e Chaeri. Naquele momento, ao vê-lo nessa mesma sala onde estava hoje, há 3 anos atrás, eu entendi que ali ele passara a fazer parte da extensão do meu coração. Hoje eu estava aqui recolhendo o bolo quase intocado e as velas apagadas, todas aquelas coisas despidas de significado.
— Chung, onde estão as suas amigas... a Min-Ji e a... Como é o nome dela? — a voz de Chaeri despontou do sofá e eu apertei os olhos, aproveitando que estava de costas para ela, juntando a bagunça da mesa de jantar.
— Nari... — completei sem muito querer entrar nesse tópico. — Elas estão por aí, devem estar formadas já.
— Vocês não se falam mais? — neguei com a cabeça. — Hmmm, por que não entra em contato com elas?
Dei de ombros mesmo tendo uma lista, até bem longa, dos motivos pelos quais eu não sabia das minhas amigas, mas Chaeri pareceu não sentir-se desencorajada e logo pegou meu celular que estava na mesinha de centro e levou até mim.
— Fala com elas. — ela me estendeu o aparelho e tinha um sorriso simpático no rosto. — Eu sei que já falamos sobre isso e que você vai dizer que elas não querem saber de você, que não tem solução. Mas eu acho que sim... Só que alguém precisa tomar a iniciativa e eu acho que pode ser você...
— Vocês eram bem grudadas, né? — antes de você começar a namorar, eu mesma preenchi o comentário de SeokJin na minha cabeça me martirizando pelas coisas que aconteceram nos últimos anos. — Acho que Chaeri está certa, faz sentido você tomar a iniciativa.
— Eu vou pensar sobre isso... — peguei o telefone e encarei a tela escura antes de desbloquear o aparelho.
— Ah não, Chung. Manda agora, senão você vai desanimar! — olhei para SeokJin pedindo socorro em silêncio, mas ele não disse nada e, ainda pior, confirmou com a cabeça encorajando a esposa.
— Não é meio estranho eu mandar no meu aniversário? Vai parecer que eu estou pedindo os parabéns... — comentei procurando o nome de Min-Ji entre os meus contatos, ainda sem acreditar que eu estava mesmo fazendo aquilo.
— Hã? Claro que não... Bem, talvez, mas quem se importa? — achei graça da forma que Chaeri mudou rapidamente de opinião, mas compreendi quando notei suas bochechas coradas e a taça de vinho que ela insistia em seguir segurando. — Manda, manda!
O corinho de Chaeri foi encerrado e ela apoiou as mãos na cintura, indicando que não sairia do meu lado até que eu efetivamente mandasse a mensagem. Eles eram, definitivamente, o casal do "sem pressão nenhuma". Me rendi vendo que a mulher à minha frente não desistiria, mas não deixei de sentir meu coração palpitar ao estar prestes a entrar em contato com minha amiga depois de tanto tempo. Encarei a foto do contato de Min-Jin por alguns instantes antes de conseguir esboçar alguma mensagem e pedi ajuda ao casal sugestões do que escrever, mas recebi ideias ainda piores do as que tinha em mente, como a de SeokJin: "eu fui uma péssima amiga, mas estou aqui para me redimir".
Enquanto eu escrevia e apagava incontáveis vezes, ignorando as sugestões absurdas do meu irmão, uma notificação do meu instagram pulou na minha aba e eu, imediatamente, direcionei meus olhos para aquele que ria sem parar no sofá às minhas custas. Meu olhar foi uma declaração silenciosa de que ele era um homem morto.
— O que foi? — perguntou espantado, ou só se fingindo de sonso.
— Por que um tal de parkj95 está me seguindo no Instagram? — estendi em sua direção o telefone e mesmo que pela distância ele não conseguiria enxergar, eu sabia que ele não precisava efetivamente ver para saber de quem se tratava. — Ou melhor, por que o seu monitor está me seguindo?
— E eu sei? O Jimin é livre, pode seguir quem ele quiser no Instagram. — SeokJin disse contendo um risinho que estava escapando pelo canto da sua boca e voltou a se concentrar no seu celular. Balancei a cabeça sem acreditar no que estava acontecendo. — Eu juro que não passei o seu Instagram pra ele, mas não nego que te marquei em uma publicação hoje...
— Jin!
— Qual é, Chung! É seu aniversário, eu não posso ser um irmão fofo ao menos uma vez por ano? — ele disse mais cínico impossível, como já era de se imaginar, e eu só revirei os olhos. — Que exagero, nem é como se eu tivesse dito pra ele te chamar para sair ou algo do tipo.
— O que? — berrei no meio da sala. — Eu vou te matar!
— Crianças, estamos fazendo uma coisa importante aqui, tá legal? — e antes que eu pudesse avançar sobre SeokJin que já cobria o rosto com as mãos, sem conseguir ocultar suas gargalhadas, Chaeri me chamou de volta para a minha missão.
Respirei fundo e abri novamente a conversa com Min-Ji e decidi digitar um "Oi, Min-Ji. Como você está? Aqui é a Chung-Hee. Queria saber se poderíamos conversar qualquer dia desses..."
— Está muito péssimo? — perguntei insegura, mostrando a tela para Chaeri que negou com a cabeça. — Então, mando? — um "sim" em uníssono tomou conta da sala e eu ainda hesitei antes de ter coragem de enviar. — O máximo que pode acontecer é ela dizer não, né?
Chaeri balançou a cabeça de forma compassiva, apoiando a mão sobre o meu ombro, e, de repente, entendi que sentia muita falta das minhas amigas. Das conversas infinitas, dos conselhos péssimos, das brincadeiras nos momentos mais indevidos, dos doramas de qualidade duvidosa que assistimos juntas só para ficar com a barriga doendo de tanto rir. Eu não só me sentia sozinha, eu, efetivamente, estava só e parecia fazer questão de continuar dessa forma, até aquele empurrãozinho.
Finalmente, apertei o botão para enviar e, na sequência, larguei o telefone sobre a mesa, ansiosa demais para ter o aparelho próximo aos olhos e, ao mesmo tempo, torcendo para que minha amiga me respondesse. Voltei a organizar a mesa, agora com a ajuda de Chaeri, buscando me distrair um pouco até que SeokJin voltou a me chamar.
— Chung! Hoseok está passando aí, disse que tem um presente pra você. — ele avisou da sala, enquanto seguíamos com a organização, mas na cozinha. E por mais que a informação houvesse me surpreendido, Hoseok era mesmo o tipo de pessoas que gostava de presentear os outros e às vezes até trazia presentes "fora de época".
— E eu tenho um presente para você, amor. As louças! — Chaeri disse irônica e não consegui conter o riso com a dinâmica divertida no casal.
— Ha ha ha, muito engraçado. — SeokJin forçou uma risada da sala, mas logo se juntou a nós na cozinha para atender à solicitação, ou melhor, à ordem da esposa.
Se por alguns instantes me ocupei a imaginar do que poderia ser o o presente de Hoseok, ao ver o selar que meu irmão deixa nos lábios da esposa antes de encarar a pilha de louças, minha cabeça logo me leva para outros tempos quando éramos eu e Taehyung arrumando a bagunça da minha festa. Me lembrei do avental verde escuro de SeokJin ficava alinhado em Taehyung, da forma que ele jogava o cabelo para o lado antes de começar a esfregar os pratos, a espuma com que sujou o meu nariz e a forma como briguei com ele antes de deixar que nossos lábios de unissem finalmente naquela tarde, enquanto os demais conversavam na sala. Sequer me importava de ter meu vestido novo sujo de sabão, pois era a forma dele me ter em seus braços já que as mãos estavam vestidas com luvas de borracha amarela.
Depois de toda a bagunça já arrumada e da despedida dos meus pais, ficamos eu e Taehyung bebendo na varanda, encarando o belo skyline daquela que era a nossa cidade, onde corria o Nosso Rio e o de mais dez milhões de pessoas. Se no macro não éramos ninguém, ali naquela varanda nos sentíamos no topo do universo, como se fôssemos os protagonistas de todas as histórias que já foram contadas. Me lembro da atmosfera melancólica do entardecer, as taças de vinho ficando gradativamente vazias, da sua mão entrelaçada na minha como se não soubéssemos onde um começava e o outro terminava, como se fôssemos uma coisa só. Como se tivéssemos entendido juntos o que aquilo tudo significava, ele apertou discretamente minha mão, chamando para si meus olhos que antes estavam no céu.
— Eu te amo, Chung-Hee. — sua voz saiu quase em um sussurro, soando um pouco tímida e notei que suas bochechas ficaram discretamente coradas, mas logo suspeitei não se tratar do vinho.
Meus olhos se encheram e senti que era o meu coração transbordando com as suas palavras, a primeira vez em que ele havia dito, que dissemos, pois na sequência respondi com a voz trêmula:
— Eu também te amo, Taehyung.
Meu coração se apertou mais uma vez e a vontade de chorar foi quase um reflexo àquelas lembranças, mas tentei respirar fundo e ocupar de volta o espaço em meu peito com ar, pois logo aquele vazio já tomava conta de tudo. E, de repente, entendi o que sentia, do que se tratava esse espaço que me apertava: o vazio de não ser mais amada.
Fui baqueada por tal constatação, mas tentei conter aquilo dentro de mim sem chamar a atenção dos dois que conversam entretidos, me concentrando na minha respiração e em terminar de guardar as sobras do almoço e ajeitá-las na geladeira. Felizmente, logo a campainha tocou indicando que ao menos teria uma distração para não ser tomada imediatamente por aquele vazio.
— Já vai! — anunciei e logo me retirei da cozinha para abrir para Hoseok, quem confirmei estar atrás da porta pelo olho mágico. Assim que abri a porta, porém, me espantei com o que ele tinha nos braços.
— Feliz aniversário, pestinha! — seu sorriso amplo logo se abriu como se fosse um ensaio para o abraço apertado que sabia que ele me daria em breve, pois ainda não podia de fato fazê-lo por conta da tela que segurava em mãos. — Trouxe isso aqui para você que não é exatamente um presente, mas... — assim que adentrou na sala, ele colocou sobre a mesa de jantar o aparelho e fez questão de, dessa vez com os braços e tudo, me cercar.
— Parabéns, Chunnie! — ele disse próximo ao meu ouvido e consegui sentir o cheiro cítrico agradável do seu perfume, enquanto suas mãos entrelaçavam minha cintura. — Agora já passou da metade dos vinte, fica esperta hein. Daqui a pouco está velha e cansada igual ao tio aqui.
— Tio? Realmente, você é praticamente um senhor... — respondi irônica aos seus exageros, mas logo voltei meus olhos ao tal "presente". — Hobi, o que é isso?
— Então, por que eu disse que não era bem um presente... — disse ao colocar a mão sobre o monitor preto. — É que eu ganhei uma tela nova da universidade e não estava mais usando essa... Aí me lembrei que você vai escrever o seu TCC e que uma segunda tela iria te ajudar muito, então decidi te dar o meu monitor de presente.
— Sério? — disse surpresa sem conseguir conter um sorriso com o presente que acabara de ganhar. — Mas tem certeza? Não vai te fazer falta? — ele logo negou com um sorriso e, quase como um reflexo, abracei-o novamente, fazendo com que ele soltasse uma gargalhada em resposta ao meu contato repentino. — Muito muito obrigada, isso vai me salvar! É horrível abrir os PDFs para consulta enquanto escrevo, vai ser perfeito com a segunda tela!
— O que temos aqui, hein? — a voz de meu irmão alcançou meus ouvidos. De repente, notara estar abraçando Hoseok por tempo demais e me afastei um pouco envergonhada. — O que você trouxe, Hoseok?
SeokJin trocou um abraço com seu amigo que se resumia mais a uma sequência de tapas nas costas do que qualquer outra coisa, enquanto analisava a tela sobre a mesa.
— Que chique, Chung. Agora não tem desculpa pra escrever o TCC. — meu irmão diz com a falta de sutileza que não lhe é incomum e eu reviro os olhos.
— Que legal, hein, Hobi... — Chaeri que também volta a sala diz abraçando Hoseok. — Vai ajudar muito no TCC, né?
— Meu Deus, as formas de vocês não me pressionarem! — disse de forma bem humorada, fazendo com que os demais achassem graça. — Tá bom, galera, eu me rendo! Vou escrever esse negócio!
— Por que a gente não tenta ligar? — Hoseok sugeriu. Antes de responder, tento me lembrar do estado do meu quarto antes de levá-lo até lá. Felizmente, me recordei de ter arrumado antes que meus pais chegassem, pois a minha mãe tinha o ótimo costume de checar os cômodos da casa de forma nada despretensiosa para salpicar comentários que mais se pareciam críticas durante o almoço.
Assim que confirmei com a cabeça, Hoseok pegou o monitor na mesa e me acompanhou até o quarto. Tive que abrir espaço na escrivaninha que, para minha tristeza, não era tão grande a ponto de acomodar meu notebook, a tela extra e as minhas bagunças. Larguei as bagunças sobre a cama e logo Hoseok posicionou a tela à esquerda na mesa e foi ágil ao encontrar uma tomada próxima e ao conectar os cabos. Abri o notebook e Hoseok me pediu licença para usar o mouse, ajustando rapidamente a segunda tela e, em seguida, fez questão de me ensinar comandos básicos sobre como arrastar as janelas e organizá-las de uma forma que eu conseguisse escrever na tela do notebook e consultar outras páginas da no monitor.
— Nossa, bem melhor. — comentei encantada ao ver a nova organização da minha mesa e conseguia, pela minha visão periférica, enxergar o sorriso satisfeito de Hoseok.
— Depois que você começa a usar a segunda tela, não tem volta, você vai ver.
— Eu acredito... E olha que nem comecei a usar de verdade.
— E, então, como que está indo? — ele direcionou o rosto em direção ao notebook e entendi que ele falava do TCC, é claro. Afinal, era o que todos à minha volta queriam saber sobre mim.
— Ah, tá indo bem... Ainda não comecei de verdade o primeiro capítulo, mas já consegui escrever um sumário provisório...
— Não é isso que eu quero saber. — apertei os olhos um pouco confusa e esperei que ele concluísse. — Como está sendo pra você, no geral... Estar aqui com o Jin, ter destrancado a matrícula e... — então ele apontou o indicador para o seu peito, mas, especificamente, para o seu coração e eu entendi.
— Ah sim... — precisei respirar fundo antes de continuar. — Está tudo bem, eu acho... Digo, com o Jin e escrever o TCC, tem me distraído até, não estou odiando tanto. — Hoseok balançou lentamente a cabeça indicando ter entendido que talvez houvesse mais nas coisas não ditas do que nas ditas.
— Um dia depois do outro, pestinha. — encarei seus olhos e havia neles um brilho que eu suspeitava ser semelhante com aquele que havia nos meus. Assenti devagar e forcei um sorriso antes de apertar os olhos para espantar qualquer vontade, por mais imensa que fosse, de chorar.
— Hoseok, quer um pedaço de bolo? — escutamos Chaeri perguntar da sala e logo o homem à minha frente respondeu animado que sim.
— Eu já vou... — informei quando Hoseok olhou para trás, notando que eu não o acompanhava.
Sozinha no quarto, me sentei na cadeira de frente para a escrivaninha e, mesmo que encarasse as duas telas, não era ali onde eu estava de verdade.
— Qual foi o seu pedido? — o tom grave de Taehyung invadiu mais uma vez meus ouvidos e tentava lutar contra o vazio que queria voltar a tomar conta de mim respirando fundo.
Ela queria ser amada mais uma vez.
Eu quero muito.
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If you could see me know é um standard de jazz que foi composto justamente para a voz da Sarah Vaughan por Tadd Dameron (música) e Carl Sigman (letra) em 1946. A mesma música foi gravada no instrumental por Chet Baker, Bill Evans e outros jazzistas (fonte: jazzstandards.com).
Sarah Vaughan (1924-1990) foi uma cantora estadunidense de jazz, descrita como "uma das vozes mais maravilhosas do século XX" (fonte: Wikipedia).
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Hello lovers! 💞
Esse capítulo é inédito e não estava na primeira versão da história. Eu achei que estavam faltando muitos elementos na vida "hoje" da Chung, aí decidi incluir essa dinâmica da casa, da família, e outras coisinhas mais. Espero que tenham gostado, pois eu me diverti bastante escrevendo sobre os irmãos Kim (SeokJin é impossível e temos provas haha)
⭐️ Não esqueçam de deixar seu voto e comentários, é essencial para incentivar a autora ⭐️
Beijos da Maria ♥️
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