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Track 2 • I'll be seeing you

• Track 2 •
I'll be seeing you
  (Billie Holiday)

I'll be seeing you
In all the old familiar places
That this heart of mine embraces
All day through

(Eu vou te ver
Em todos os lugares conhecidos
Que este meu coração abraça
Durante todo o dia)

E o seu mundo parou naquela hora em que ele ainda poderia voltar.

O pôr-do-sol eterno que quase não se vê da janela, o sol tímido escondido por trás das nuvens carregadas daquele céu nublado, sob o qual estava ela assistindo sua vida passar. Sentada na mesma cadeira, esperando o mesmo chá esfriar, olhando para o mesmo caderno, as mesmas anotações bagunçadas, os mesmos artigos não lidos. E, sobretudo e todos, esperando pela mesma pessoa. Inevitavelmente, se questionando, onde estaria ele. Em qual parte desse universo ele conseguiu se esconder depois de, por tanto tempo, ser o Universo dela.

Sim, acertou. Ela, sou eu, quem está com a percepção viciada de que o tempo parou, quando, na verdade, sou eu que estou estagnada aqui. 17:45 marca o visor do meu telefone, confiro as horas antes de bloquear o aparelho, carregando de volta à sala minha xícara de chá. Em momentos de absoluta divagação e, sobretudo, protelação, como o presente, eu me questionava por qual razão deixamos que coisas tão frágeis e incertas sejam o alicerce da nossa vida. Coisas, como, por exemplo, o meu antigo relacionamento.

O quão longe uma simples solicitação para seguir no Instagram, uma sequência de mensagens e um papo interessante, poderiam ir? Nem eu acreditava que iríamos tão longe a ponto de ser difícil encontrar o caminho de volta. E eu estive tentando, de verdade, voltar: dar um basta nessa espera silenciosa e angustiante. A maior prova material disso era o artigo impresso sobre a mesa de vidro da sala cercado de post-its e marcadores coloridos que eu estava determinada a ler. Sentei-me cansada por antecipação e me aprumei para começar. Ao encarar o título, didático até demais, previ uma leitura entediante sobre como projetos de pesquisa deveriam ser elaborados. Esse, porém, era um passo necessário e inevitável em direção ao curso interrompido da minha vida universitária, eu estava ciente disso. O que eu não conseguia controlar, por outro lado, eram os caminhos que minha mente fazia a partir de um simples levantar de olhos em direção à janela e, em uma armadilha da amplitude do céu, eu passava a me questionar o que ele estaria fazendo nesse exato momento.

Será que ainda estaria na sala estreita do apartamento que um dia chamados de nosso, ou será que voltou para aquele antigo quartinho pequeno e bagunçado, e estaria, em qualquer um dos lugares, tirando uma música nova no sax, passeando entre as roupas jogadas no chão e tocando como se não houvesse amanhã, como se já não estivesse atrasado como de costume para um compromisso que sequer se lembrava de ter marcado.

Tentei voltar ao texto, mas antes de efetivamente me concentrar, o chá que tinha em mãos  me lembrou da cafeteria moderninha que servia um café gelado amargo e um muffin sem gosto que ele sempre frequentou. Quem sabe ele estivesse por lá esbanjando simpatia e gentileza, principalmente se o funcionário antecipasse seu pedido. Ou, como estávamos no final do mês, era bem provável que ele estivesse aproveitando o saldão do seu brechó "secreto" de Hongdae para comprar aquelas camisas grandes de seda, uma das que usou no nosso primeiro encontro, em uma sexta-feira como essa.

Bem, o nosso primeiro encontro. Um suspiro audível que só poderia ser meu ecoa pela sala vazia, enquanto sou tomada de forma irremediável pelas memórias. Ao olhar para trás, naquele tempo em que eu ainda não estava congelada na mesma hora, vejo, porém, que tudo foi bem rápido depois daquele simples movimento de "seguir" no Instagram. Rápido, intenso e fugaz, o trio perfeito que definia Vante.

Logo depois de nos seguirmos, ele curtiu a minha última foto postada e eu reagi a um stories seu de qualquer música de jazz, dando abertura para uma conversa que começou com "oi, querida, tudo bem? O que achou do álbum?" até um "o que você vai fazer essa sexta?". Recebi a última mensagem com certo espanto. Por mais que eu quisesse que aquilo tomasse  algum contorno fora da tela do meu celular, eu nunca tinha de fato me imaginado saindo com um músico, muito menos com um saxofonista de um grupo de jazz. E, na minha mais absoluta ingenuidade, me questionei o que será que ele fazia no resto do seu tempo quando não estava sendo aquela figura brilhante sobre o palco e, mais precisamente, o que ele me chamaria para fazer naquela sexta-feira.

O seu Instagram me dava algumas pistas sobre que tipo de pessoa com quem eu estava lidando, mas não muitas. Eram recortes bem inusitados dos seus dias, fotos do céu, vários ângulos bonitos do mesmo Vante, cartazes com apresentações do Trane Quartet. Não havia muitas fotos pessoais de família ou outros amigos que não fossem do grupo, de forma que mesmo depois de estudar bastante seu perfil eu seguia sem saber quase nada dele. O meu perfil, por outro lado, mesmo com poucas fotos, aos meus olhos, parecia ser melhor para um diagnóstico sobre quem eu era, ou quem gostaria de parecer ser. Havia uma ou outra foto só de mim, algumas paisagens, coletânea de dias ensolarados do último verão, as minhas amigas daquela época. Eu era, e sou, muito convencional, para ser sincera, e o meu Instagram refletia isso muito bem: uma universitária comum que gosta de dias com céu azul e passear com os amigos. As nuances não estavam lá, é claro, e eu esperava ser mais complexa do que uma coletânea de momentos congelados em fotos, mas, no final das contas, acreditava que o meu perfil era mais pessoal, enquanto o dele sempre me pareceu mais profissional, preocupado em passar uma imagem específica dele, a do Vante.

Além do encantamento inicial no dia do show, eu queria muito descobrir quem era aquela pessoa por detrás das fotos, tanto que quando recebi a mensagem, bloqueei o telefone como reflexo e dei um saltinho de empolgação, chamando a atenção das minhas amigas que logo quiseram saber o que, quem, e quando.

Você tem que ir. — Nari foi categórica e eu já antecipara que ela diria isso. Afinal, estávamos diante da minha maior incentivadora no assunto "relacionamentos". Desde o início da faculdade de Ciências Políticas, ela namorava um veterano direito e, assim como grande parte da sociedade coreana, achava que o namoro era uma espécie de ponto alto na curva da vida do jovem, sem mencionar todo o status conferido a quem estava em um relacionamento que permitia que casais saíssem exibindo afeto e roupas combinando por todos os lados.

Para onde você acha que ele vai te chamar pra ir? — Min-Ji, minha colega de turma, perguntou curiosa e eu dei de ombros, pois eu, realmente, não fazia ideia. — Deixa a gente ver uma foto dele!

Entreguei meu telefone com uma alerta de que mataria qualquer uma delas se curtissem acidentalmente qualquer foto, e as minhas colegas de apartamento avaliaram cada centímetro do perfil empolgadas, com pausas para que Min-Ji aproveitasse para fazer planos de encontros triplos, já que eu seria responsável por viabilizar a apresentação de algum dos amigos dele que ela acabara de ver na tela do celular. "Uau, ele é tão bonito" foi uma frase que eu ouvi algumas vezes enquanto elas fiscalizavam o perfil do saxofonista. E, apesar de concordar,  eu só estava preocupada em criar expectativas para além das minhas próprias. Afinal, na minha cabeça, sairíamos uma vez e não mais, se isso chegasse a acontecer, pois eu não sabia até que ponto estava exposta a me arriscar saindo com alguém que não conhecia.

Ele só tem amigos bonitos, parece até o seu irmão. — Min-Ji que tinha uma queda (ou melhor, um penhasco) por SeokJin comentou e eu revirei os olhos já conhecendo bem o assunto "amigos bonitos do meu irmão", ciente de que o nome de Hoseok viria logo em seguida. — Igual aquele gostoso do  Sr. Jung.

Dito e feito.

Gostei do seu jeito respeitoso de desrespeitá-lo. — impliquei e ela apenas deu de ombros, rindo um pouco. 

Eu? Tenho o maior respeito pelo Sr. Jung e sua belíssima esposa. — o tom brincalhão fez com que todas caíssemos na gargalhada. — Eu só realmente não entendo por que todos esses homens se casam tão cedo. Bem, talvez se eu tivesse um namorado eu entendesse...

— E o Hoseok sunbae usa um bambolê, não é nem uma aliança. — foi a vez da Nari de comentar o que não deixava de ser verdade. A aliança dele era um pouco mais grossa do que outras que pessoas casadas usavam. Certamente, era uma mensagem bem direta da sua esposa de que ele não estava disponível e eu compreendia bem a necessidade de ser bem explícito quanto a isso. Não havia muito tempo que Hoseok fora admitido na universidade e a presença de um professor mais jovem do que os senhores catedráticos causava um estardalhaço entre os alunos. Imagine só como as vagas em sua turma de Teorias Contemporâneas da Filosofia não eram disputadas por jovens atrás de algum refresco para os olhos em meio a uma rotina exasperante. Eu, realmente, não podia julgar, nem a então esposa de Hoseok pela escolha extravagante de aliança, nem os alunos.

E quando eu achei que seguiríamos falando sobre a ala jovem de professores da Nacional, recebo outra mensagem de Vante, mesmo sem qualquer resposta minha. Havia uma foto de um perfil que parecia ser uma produtora de eventos divulgando uma festa chamada "Selva". Mostrei a publicação às minhas amigas e a mensagem que a acompanhava, em que Vante dizia que alguns amigos dele estavam organizando esse evento, que ele estava pensando em "colar" lá, e que seria legal se eu "colasse" por lá também. Achei engraçado o seu jeito de falar, mas relevei, afinal, músicos deveriam ser assim, descolados.

Eu estava muito reticente em ir à festa sozinha, ainda mais pela descrição do evento com uma lista de DJ 's que tocavam um gênero musical que eu sequer conhecia, em um endereço que não fazia ideia onde se localizava. Tentei convencer minhas amigas a me acompanharem, mas sem sucesso. As duas tinham certeza de que aquilo seria um encontro e a última coisa que elas queriam era atrapalhar minha "grande noite", o dia em que Chung-Hee finalmente sairia para um encontro e iria a uma festa, combinação que era praticamente como vencer um bingo para mim.

Decidi, não sem alguma insistência das minhas amigas, que eu iria e, após o ritual de trocar de roupa ao menos três vezes, aceitei pegar emprestado um vestido de cetim cor turquesa de Nari. Apesar de não fazer exatamente o meu estilo, talvez a noite merecesse algo mais além do meu combo favorito de jeans, cropped e tênis. Me surpreendi com o caimento e comprimento ideal da peça, abaixo do joelho com fendas generosas até metade da coxa, e consegui me achar bonita no espelho. Para além da minha autoestima positiva, tive como incentivo um empurrão literal de Nari e Min-Ji que me escoltaram até a porta do apartamento, assegurando que eu fosse.

Durante o caminho, consegui administrar o frio na barriga e uma discreta ânsia de vômito enquanto ouvia minha playlist de "comfort music" que era basicamente todas as baladas românticas temas dos meus dramas favoritos, especialmente as que tinham a voz do Sam Kim que me surtia um efeito quase terapêutico. Ao colocar meus dois pés dentro do local da festa, porém, notei que estar ali sozinha seria apenas a primeira das minhas provações.

Do corredor do prédio antigo já era possível ouvir uma batida e algumas pessoas conversando e bebendo que me indicavam o caminho para a festa. Além da trilha de pessoas, havia um caminho de fumaça, quase uma nuvem de nicotina no corredor. Tive que segurar um pouco o ar e afastar meus pensamentos que me indicavam a saída mais rápida para qualquer lugar que não fosse aquela festa. Na época, eu simplesmente não suportava cheiro de cigarro, ainda mais em um lugar fechado como aquele.

Felizmente, mais uma vez,  consegui passar vitoriosa ao segundo teste da noite e adentrei no tal "espaço colaborativo/galeria", conforme descrito na própria  publicação. Procurei a alça da minha bolsa e me me apoiei nela para tentar conter meu nervosismo quando atravessei um portal e encontrei uma espécie de "sala", ou seja lá como fosse o nome do cômodo,  decorada por focos de luz verdes e instalações neon de mesma cor que davam à festa o clima exato para seu nome — Selva. As paredes estavam tomadas por posters de eventos passados e havia um DJ no canto da tocando uma música eletrônica que parecia algo como um techno "experimental", na falta de uma definição melhor.

Tentei não encarar muito, mas as pessoas que ocupavam os cantos daquele lugar, definitivamente, não eram das mais convencionais. Alguns poderiam até taxá-las de alternativas pela combinação inusitada de peças de roupa e os cortes de cabelo bem diferentes. O que me consolou foi o fato de que independente do que eu vestisse, eu não chamaria nenhuma atenção para mim. E, enquanto eu tentava ignorar a conclusão inevitável de eu havia caído numa armadilha e estava em um  festa estranha com gente esquisita, meus olhos procuravam ansiosos por aquele que já deveria ter colado.

Depois de dar uma volta pelas outras salas da galeria e não encontrar quem procurava, peguei meu telefone para mandar uma mensagem para o tal saxofonista que, em tese, deveria ter chegado àquela festa esquisita antes de mim. Digitei a mensagem rapidamente antes de ser convencida pela vozinha dentro da minha cabeça que ficava ecoando "onde você foi se meter, Chung-Hee?" e voltasse para o aconchego da minha cama, o meu chá quentinho e o meu dorama.

Enquanto minhas memórias tentavam alcançar aquele momento da festa em que finalmente ele chegara, fui acordada bruscamente pelo soar da campainha e levantei ainda um pouco atordoada para atender à porta. Eu tinha algumas suposições sobre quem estava do outro lado e a mais forte delas era de que o porteiro viera entregar algum livro novo que Jin pediu na Amazon ou mais um instrumento médico personalizado e colorido que Chaeri usava para examinar as crianças. Porém, não era nada disso e a pessoa à minha frente  era uma novidade para o meu universo estagnado no tempo.

— Boa noite, SeokJin sunbaenim está? —  disse um garoto loiro vestido de preto dos pés à cabeça, incluindo a máscara que acabara de abaixar. Estranhei o boa noite e fiquei com vontade de conferir às horas, muito preocupada com o tempo que tinha perdido no mundo da lua.

— SeokJin sunbaenim? Você está falando do Jin? — arqueei as sobrancelhas confusa e achei graça do jeito formal com que o garoto se referiu ao meu irmão, me esquecendo que Seokjin não só era levado a sério por outras pessoas, como era também considerado alguma espécie de autoridade.

— Ele não está em casa... — disse e notei o envelope que  tinha entre os braços.

Aish, me desculpe... Eu sou Park Jimin, monitor do sunbaenim. — ele, finalmente, esclareceu e logo desfranzi as sobrancelhas.

— Ah, claro... Pode entrar... O Jin ainda não chegou, mas você pode esperar aqui... Ah, eu sou Kim Chung-Hee a irmão do sunbaenim. — o garoto riu sem graça e eu abri passagem para o tal monitor que passou pela porta e parou ao lado do sofá como se tivesse esquecido como se senta.

— Hmm, ok. Eu vou ligar para ele. Você quer alguma coisa? Água? Chá? Café? Um tutorial rápido de como se usa um sofá?

— Não, obrigado... – ele cobriu a boca, tentando, sem sucesso, esconder o riso, quando entendi que minha fala poderia ter tido um duplo sentido estranho. Achei graça de mim mesma e me senti especialmente bem humorada levando em conta onde minha cabeça estava há segundos atrás.

—  Eu só vim deixar umas provas, mas queria falar com o sunbaenim se ele estiver chegando, é claro... Não quero atrapalhar.

— Ah, que isso... Eu não estava fazendo nada mesmo... — disse algo que não poderia ser mais verdadeiro, enquanto procurava meu celular pela sala, sem sucesso, porém. — Vou esquentar meu chá, tem certeza que não quer?

— Se não for incomodar, eu aceito sim... — ele se manifestou muito reticente e, mesmo que entendesse as razões do seu possível constrangimento, deixei a sala sem muita paciência.

Se fosse incomodar eu nem deixaria você entrar, querido, foi o que guardei para os meus pensamentos enquanto voltava à cozinha com a minha caneca em mãos, onde onde também  acreditava ter largado o celular. Como esperado, achei o aparelho sobre a bancada  e revirei os olhos para mim mesma, de parabéns por deixar minhas coisas espalhadas inadvertidamente pela casa.

Coloquei minha caneca no micro-ondas, enquanto esquentava mais água para o chá do Park, já com o telefone pendurado no ouvido ligando para o Jin. E entre os toques do telefone, a água no fogo, o chá no microondas, eu voltei àquela festa, como se minha mente estivesse esperando só uma deixa para me levar de volta.

E lá estava ela, encarando agora de perto, o sorriso ambíguo dele, misterioso e acolhedor, quando finalmente nos encontramos.

Oh, você veio mesmo... Isso é incrível. — seus olhos se apertaram e notei suas mãos procurarem o que fazer, uma entre os fios castanhos claros, a outra no bolso da jaqueta jeans, exibindo certa inquietude que fazia par com a minha.

Lembro-me de ter forçado meu melhor sorriso, sem saber como responder com mais do que a minha presença, e ele engatou um pedido de desculpas pela demora e uma sequência de perguntas se havia sido fácil encontrar o local, se eu estava gostando, se queria beber algo. Enquanto suas perguntas exibiam certa ansiedade, as minhas respostas foram curtas, em uma luta interna para conter meu nervosismo.

Vante... — chamei-o, mas ele logo me interrompeu já esticando os lábios em um sorriso.

Ah, você é fofa, Chung-Hee. Vante é meu nome artístico, você pode me chamar de Taehyung, ou oppa se preferir. — ele não teve muito tempo para sorrir, pois logo levou a cerveja à boca e desviou o olhar para outros cantos da sala verde.

Hm, oppa? — Senti minhas bochechas quentes e tentei conter minha risada sem graça. — Desculpa, mas acho estranho te chamar assim...

Também acho, pra falar a verdade. — deu de ombros e bebeu mais um pouco da cerveja que acabara de comprar para nós, enquanto caminhávamos lada a lado por uma das galerias. — Me chame como quiser, quero que você se sinta confortável.

O silêncio que ficara entre nós foi logo preenchido pela música eletrônica que era tão desconfortável quanto essa situação em que duas pessoas estão se conhecendo, pisando cautelosamente em terrenos inexplorados. Até aquele momento, eu não fazia ideia de quem era o Vante, quero dizer, Taehyung, e de repente me dei conta de que eu também era uma desconhecida para ele.

Como você geralmente é em encontros?  — ele arranhou a garganta antes de dizer e, sem me encarar,  me convidou para nos sentarmos em um sofá.

Devo ser sincera? — ele simplesmente assentiu enquanto dava mais um gole na sua cerveja e eu fiz o mesmo antes de continuar. — Não costumo ir a encontros e... até esse momento, não sabia bem se estávamos mesmo em um encontro. Não é muito convencional ir a uma festa em um encontro, ou é?

Me embolei um pouco nas palavras, buscando uma coerência que o meu nervosismo não me deixaria alcançar, e seu sorriso misterioso apareceu mais uma vez antes dele me olhar diretamente nos olhos pela primeira vez.

Você é engraçada... — fiquei com vontade de sumir no meio do cômodo quando ele comentou, notando que eu havia virado uma piada para o saxofinista. Ele, certamente, era tudo menos convencional e eu, por outro lado, era convencional até demais. — Mas você está certa, me desculpe... Uma festa não é mesmo o melhor lugar para um encontro.

Ele não me deu tempo de pedir desculpas ou de tentar entender para onde a conversa ia, e levantou-se de súbito do sofá, pegando em minha mão.

Vamos,  vou te levar para um lugar adequado para um encontro. — senti um discreto deboche na sua voz, mas não liguei, pois estava anestesiada demais por ter suas mãos cercando as minhas, tanto que eu demorei alguns segundo para entender que iríamos embora. — Suponho que você goste de jazz...

Assenti sem pensar muito. Naquela época eu ainda não era uma grande fã de jazz, mas qualquer coisa seria melhor do que aquela música eletrônica e todo o ambiente desconfortável da festa que ela compunha. Sob influência de Taehyung, viramos nossas bebidas e abandonamos a festa para caminhar lado a lado pelas ruas de Seul. Eu ainda não sabia, mas ali eu começaria a traçar caminhos novos por aquela cidade, guiada por ele. Caminhos que permaneceram em mim, mesmo que não houvesse mais nós.

Despertei quando meu telefone caiu na caixa postal e, na sequência, o microondas apitou me trazendo de volta para o lungar que minha mente não deveria ter saído. Preparei o chá do monitor e peguei o meu no microondas retornando à sala, onde, finalmente, o garoto tinha aprendido a usar adequadamente o sofá.

— O Jin não está atendendo... Deve estar dirigindo. Mas ele sempre chega mais ou menos nesse horário... Então, se você quiser esperar um pouco... — deixei a caneca com o chá em infusão na mesa de centro à sua frente. Ele agradeceu curvando a cabeça e exibiu um sorriso gentil, formando dois "mini sorrisos" com os olhos.

Voltei à mesa e, por mais que tenha tentado me concentrar no artigo, eu apenas fingia ler algo, pois em cada letra eu só conseguia ver os detalhes daquela primeira noite, o nome das  ruas que cruzamos em Seul para acabar em uma rua apertadinha de Hongdae. Eu já havia passado várias vezes pela avenida principal paralela ao local, mas nunca tinha estado ali. Taehyung empurrou a porta de vidro e quando o som familiar do saxofone tomou conta dos meus ouvidos, ficou claro que estávamos em uma bar de jazz com música ao vivo. Ele conhecia todas as pessoas que trabalhavam no local e o barman, muito atencioso, nos ofereceu um drink que não havíamos pedido. Logo entendi que ali eu estava diante de Vante, o saxofonista que sorria confiante e andava como se desfilasse pelo local, carregando ambos os drinks em direção a uma mesa mais reservada no fundo do bar.

Tocamos aqui pelo menos uma vez por mês. — ele explicou quando nos sentamos, exibindo certo orgulho no sorriso e eu apenas assenti um pouco abobada. Além de estar achando tudo incrível, era impossível não comemorar que havíamos trocado um ambiente desconfortável por um bar intimista. E mesmo que a música ainda fosse alta, havia a vantagem dele ter que se apoiar sobre a mesa pequena de madeira e se aproximar para que eu conseguisse ouvi-lo melhor. — Vamos brindar?

Aquele foi o primeiro sorriso sincero que eu dei na noite e seria apenas o primeiro de muitos. As taças se tocaram e vi por trás o reflexo de Taehyung também sorrindo. A partir dali a conversa fluiu, indicando que havíamos finalmente conseguido romper a barreira inicial da timidez mútua, de forma que um assunto puxava o outro em um fluxo quase que inacabável.  Quando o assunto era música, Taehyung discorria com encantamento e sabia de cor o nome de todos os standards, termo que conheci naquela noite. Só parávamos de falar para beber e, no intervalo do show, ele fez questão de me levar com ele para saudar os músicos. Fui apresentada a Jungkook que, além de dividir o apartamento com Taehyung, era baterista do seu quarteto de jazz e estava substituindo outro músico.

Daquela vez, porém, Taehyung não foi embora para casa com o amigo, pois não só ficamos no bar até que fechasse, como  também paramos depois em qualquer mercadinho 24 horas para comermos ramyun. Quando deixamos a loja, fui surpreendida pela jaqueta de Taehyung em meus ombros e me encolhi tímida, escondendo meu sorriso com o gesto atencioso, e então estávamos prontos para desbravar a cidade atrás dos ônibus noturnos que levariam, cada qual, para sua casa.

E antes que eu fosse absolutamente dragada de volta para aquela noite, felizmente, diz a minha saúde mental, a porta do apartamento se abriu exibindo Jin no seu melhor look "sou um professor universitário, me leve a sério" com os óculos de armação quadrada preta, camisa social, a pasta de couro marrom pendurada nos ombros, equilibrando um pacote em uma mão e uma pilha de livros na outra.

— Boa noite, subaenim...— o monitor se levantou mais rápido do que eu consegui me recuperar dos meus pensamentos.  — Eu trouxe as provas...

—  Olá, Jimin, como vai? — Jin disse simpático enquanto atravessava a sala para deixar os seus materiais sobre a mesa e passou a mão pelo meu ombro. — Mas já? Obrigado! Eu disse que não precisava entregar antes de terça-feira, você é muito eficiente...

— Achei melhor terminar antes do fim de semana, para não atrapalhar o sunbaenim... — o garoto, que não estava mais de boné, em um ato totalmente despretensioso de tão natural, esticou os fios loiros para trás exibindo melhor seu rosto que ao meus olhos poderia ser classificado como bonito, combinando de forma inusitada bochechas redondinhas, lábios carnudos e um maxilar marcado.  

— Jimin, você se incomoda de me esperar no escritório, vou só tomar uma água... Peguei um trânsito terrível... — meu irmão apontou para a primeira porta do corredor e o seu monitor atendeu prontamente o pedido, enquanto eu apenas esbocei um sorriso. Jin não demorou muito para voltar da cozinha com um copo na mão e deixou uma piscada, aparentemente, para a minha pessoa que estava inocentemente e dissimuladamente concentrada no meu artigo, tanto que fingi que não era comigo.

E quando a sala silenciou, meus pensamentos voltaram à presença barulhenta de Taehyung. Suas risadas anasaladas ecoando por entre as ruas vazias, minha voz embargada pelo álcool e pelo sono, nossos passos sonoros e trôpegos pela calçada. Mais alto de tudo, porém,  era nossa vontade que se fazia audível tentando impedir a todo o custo que a noite acabasse em uma luta contra o sono, contra as horas e contra o próprio sol que já dava sinais de querer despontar no céu. E na hora que, fatalmente, tivemos que nos despedir, lembro-me da tensão e o espaço que ficou entre nós dois enquanto nos encarávamos. O tempo pareceu parar quando ele perguntou se poderia beijar a minha bochecha. Fiquei sem graça quando disse que sim, mas algo se moveu dentro de mim para que meus olhos seguissem encarando as orbes escuras que escondiam um brilho até quando ele se curvou aproximando-se. Uma de suas mãos pousou delicadamente em minha bochecha, trazendo calor em contraste com o frio da madrugada, e seus lábios finos tocaram o outro lado em um lugar perigosamente próximo à minha boca, fazendo com que os meus lábios formigassem, curiosos sobre como seria se efetivamente nos beijássemos.

Depois de se afastar, ele me encarou por mais alguns segundos. Estávamos entre ficar mais ou ir embora, quando a aproximação do meu ônibus decidiu por nós e ele, quase como reflexo, cercou-me com um abraço apertado, me deixando sem reação. Depois de contrair todo o meu corpo eu, finalmente, relaxei, sentindo seu perfume amadeirado, e me permiti atravessar meus braços por seu corpo também.

Obrigado pela noite, querida. — lembro-me de sua voz próxima ao meu ouvido, reverberando em mim.

— Obrigado pelo chá, sunbae. — cheguei a tomar um susto quando a terra girou 360 graus para me colocar de volta sentada naquela cadeira, na sala do meu irmão, bem longe das minhas memórias. Sorri boba sem consegui formular nada, já que havia acabado de ir até o espaço, e apenas acenei. Enquanto Jin se despedia, deitei minha cabeça sobre a mesa, realmente exausta, com os lábios formigando como se aquele  quase-beijo tivesse sido há poucos instantes e notei que meu coração estava discretamente descompassado.

Eu estava esgotada como se tivesse acabado de voltar de uma viagem longa ao espaço, mas diferente de um astronauta eu não me sentia aliviada por poder descansar, pois os meus pensamentos não me davam folga. Talvez pareça muito idealizado, mas eu sabia o que tinha visto naquela noite. Eu vi estrelas no céu poluído de Seul, vi a lua no caminho de volta dar espaço para o sol quando nos despedimos no ponto de ônibus. Todos os astros trabalhando juntos para que eu sentisse algo, até então, inédito perto de outra pessoa.

—  Park Jimin faz bastante sucesso entre as meninas da Nacional... —  Jin, sem fazer a menor ideia onde meus pensamentos estavam, disse segurando o riso e me lançando um olhar sugestivo, enquanto desabotoava o colarinho e os punhos da camisa social listrada.

— Ah, qual é Jin, ele nem sabe falar... — não dei muita atenção ao meu irmão e continuei apoiada na mesa, ainda exausta dessas memórias.

— Poxa, Chunny, dá uma chance para o garoto... Ele é inteligente e será o meu monitor até o fim do semestre... —  declarou  enquanto recolhia os livros que havia deixado na mesa. — E eu notei um clima diferente quando cheguei...

— Jin, ele só sentou aqui por 5 minutos e tomou um chá... Não tinha nenhum clima rolando. — protestei, pois como estava claro, meu irmão realmente não fazia a mínima ideia do que se passava dentro da minha cabeça.

— Ok, eu não vou acreditar em você... Se quiser, eu tenho o telefone dele... — sua fala me fez revirar os olhos.

Hellooo, eu não estou tão desesperada assim, mas obrigada pela caridade, SeokJin sunbaenim. —  disse irônica, fazendo meu irmão rir antes de deixar a sala.

Bufei e apertei os olhos, enquanto lamentava por estar despertando a pena alheia. Agora até o meu irmão queria arrumar alguém para que eu esquecesse um tal saxofonista e todas nossas viagens lunares. A verdade é que SeokJin não fazia ideia do que se passava aqui dentro, em qual Universo meu coração ainda habitava. 

Eu vou te ver de novo? —  Taehyung me perguntou naquele dia, instantes antes que eu entrasse no ônibus, enquanto o sol já despontava pelo skyline de Seul, a cidade acordando junto com o meu coração.

Eu espero que sim. —  foi o que ela disse.

Ela sou eu, por mais que não queira admitir, e esperamos pelos mesmos reencontros.

🎵

"I'll be seeing you
In every lovely summer's day
In every thing that's light and color
I'll always think of you that way

I'll find you
In the morning Sun
And when the night is new
I'll be looking at the Moon
But I'll be seeing you"

(Eu vou te ver
Em cada lindo dia de verão
Em tudo o que é leve e colorida
Eu sempre vou pensar em você assim
Eu vou encontrar voce
Numa manhã de Sol
E quando a noite for nova
Eu estarei olhando para a Luã
Mas eu vou te ver)

🎵

Billie Holiday (1915-1959), também conhecida como Lady Day, foi uma cantora e compositora estadunidense e é considerada pelos críticos musicais uma das maiores e melhores cantoras de jazz da história (eu sou absolutamente apaixonada pela voz dela, escutem ♥️). Pouco antes de seu falecimento, Billie Holiday publicou sua autobiografia Lady Sings the Blues (1956) que foi adpatada para o cinema em 1972, que retrata situações muito difíceis pelas quais a cantora sofreu durante a sua vida (violência sexual, prostituição, racismo). (Fonte: Wikipedia).

A música "I'll be seeing you" foi composta por Sammy Fain (melodia) e Irving Kahal (letra) em 1938 para um musical da Broadway chamado "Right This Way". O musical não durou mais que 15 apresentações, mas a música acabou se tornando um standard do jazz, sendo gravada por vários artistas. Uma das gravações mais famosa é justamente a da Billie Holiday de 1958. Curiosidade, essa música lindíssima também é o tema do casal do livro/filme "Diário de uma Paixão" (filme maravilhoso!) Depois deem uma olhadinha na letra completa. Essa música é perfeitinha pro nosso casal. (fonte: songfacts.com)

🎵

Hello lovers ! 💞

Como estamos? Eu devo admitir que estou absolutamente encantada em como a música do capítulo é a Chung todinha (encantada e com pena, admito haha) ... até que ponto é normal esperar por alguém, hein? Reflitam.

Quem leu a primeira versão notou que esse capítulo foi (quase que) completamente alterado e eu estou realmente feliz com o resultado. Quero MUITO saber o que acharam!

Conto com vocês para me apoiarem  com o voto e com muito muitos comentários nessa versão My Only and Only 2.0. O apoio de vocês é essencial

Beijos da Maria ❤️

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