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Track 1 • Someday my prince will come


• Track 1 •

Someday my prince will come
(Bill Evans)

"Someday my prince will come
Someday we'll meet again
And away to his castle we'll go to be happy forever I know"

Ela não sabe desamar.

Ela sou eu, já tinha explicado isso. Às vezes gosto de me referir a mim mesma na terceira pessoa como uma forma de ver os meus sentimentos com mais distanciamento. Como se tudo não tivesse ficado tão embaçado desde de que ele entrou na minha vida e, de repente, decidiu sair.

O que no início era só uma fumacinha turvando discretamente minha vista se transformou em uma fumaça escura e densa daquelas que conseguimos ver de longe quando algum prédio está em chamas. Mas eu não estava longe, eu estava dentro do prédio, no incêndio que eu mesma havia causado. A fumaça escura, a confusão mental, o oxigênio se esvaindo, a asfixia até chegar à inconsciência total. Desmaiar ali mesmo, no meio da sala, e queimar.

A imagem é forte, me perdoem, mas não tenho meias palavras para descrever tudo que aconteceu. Juro que é no sentido figurado, nada efetivamente pegou fogo e eu não conseguiria causar um incêndio nem se quisesse. O sistema anti-incêndios do apartamento do meu irmão é moderno até demais e a última coisa que eu gostaria de fazer é encharcar seus móveis novíssimos e caríssimo ao acionar o sensor. Não posso nem mesmo acender uma vela para um jantar romântico ou, melhor, para um falecido amor, bem mais adequado para o meu momento.

Incêndio, portanto, só no mundo das metáforas, nesse lugar onde fomos fumacinha doce no início, feito incenso de jasmim que embaçava discretamente minha vista e que às vezes também atacava a minha rinite, afinal, todo grande amor dá um pouquinho de alergia. E, por razões alheia à minha vontade, o que era leve se tornou  fumaça densa e escura que me asfixiou.

Se já me lamentei por não saber como conter o fogo, quando notei que era tarde demais, passei a desejar que aquilo tudo só queimasse até... até virar cinzas. Cheguei a prometer para mim mesma que faria uma cerimônia para marcar o fim daquilo em mim, iria até as margens do Rio Han para despejar as cinzas do amor morto.

Até o momento, porém, nada de cinzas. Ainda não havia conseguido fazer o fogo destruir tudo aquilo que eu construíra de tão sólido dentro de mim. As únicas cinzas eram as minhas próprias, enquanto ele e todo o pacote de perturbações em forma de memórias, recordações e flashbacks inadvertidos ainda estavam em chamas. E de tão vivas as memórias chegaram a queimar um pouco. Sabe aquilo de parece que foi ontem? Eu juro que não é só força de expressão, pois eu não me lembro como se fosse ontem, mas como se fosse agora, nesse instante que eu acabara de chegar em casa depois daquele show onde nos conhecemos.

Possivelmente minhas digressões sobre fogo, chamas e cinzas tinham como cerne a lareira elétrica em que meus olhos insistiam em se fixar. O utensilho moderno poderia até ser fascinante, mas confesso que o denominador comum entre meu olhar impenetrável, fogo e memórias em chamas só poderia ser o conteúdo da taça que eu segurava em mãos.  Assim como naquele dia, eu estava discretamente alcoolizada e com esse mesmo sabor amargo de vinho tinto na língua, ainda que as circunstâncias fossem totalmente diferentes. E quando digo totalmente, refiro-me às dimensões temporais, espaciais e pessoais do momento. Já se passaram bons três anos desde então, eu não estava mais no meu antigo apartamento e nem acompanhada dos meus pais, mas sim na casa do meu irmão mais velho, meu abrigo "pós-incêndio".

SeokJin e a Chaeri franquearam o quarto livre da casa para que eu ficasse "o quanto precisar", algo que o casal sempre dizia com um sorriso no rosto que não aparentava esconder qualquer incômodo com a minha presença. Eu sabia, porém,  que ficar para sempre não era uma possibilidade, estar aqui deveria ser po apenas um curto intervalo, assim eu esperava, o suficiente para que eu reconstruísse os alicerces que ruíram devido ao fogo daquele tal incêndio metafórico. E, para além de saber estar incomodando mesmo que eles não verbalizassem e o constante temor de danificar coisas que eu não tinha condições financeiras de reparar, não havia muito do que reclamar.  Os dois me acolheram tão bem a ponto de SeokJin fazer questão de me incluir até mesmo na "Noite dos Garotos" (que não são mais garotos, convenhamos).

Como a única pessoa que poderia me ajudar a neutralizar aquela conversa para outros temas estava escalada para um plantão no hospital infantil, eu fui forçada a acompanhar a conversa de SeokJin e Jung Hoseok, seu melhor amigo. Aparentemente, acima dos 30, compras online e trabalho se tornam seus  assuntos favoritos. Era realmente impressionante a empolgação mesclada com bastante irritação por parte dos dois com a segunda temática, ainda mais porque os dois eram colegas de trabalho, o que anulava qualquer possibilidade de eles  darem uma trégua ao assunto. Eu não fazia ideia de quantas confusões um Departamento de Filosofia poderia dar, mas aparentemente os Marxistas batiam de frente com os Neo-Kantianos e sei-lá-mais-quem criava confusão com os Pós-modernos (aparentemente, ninguém se dava bem com eles) em uma disputa eterna e sem vencedores sobre qual seria a melhor forma de enxergar o mundo.

Pela forma enérgica com que falavam, essas discussões pareciam ser o ponto alto de um dia de trabalho como professor de filosofia na Nacional de Seul. E digo isso com todo o respeito, é claro, porque além de gostar de filosofia, ser professor em uma das maiores universidade da Coréia do Sul realmente não era para qualquer um e eu estava sentada aqui, encarando a lareira elétrica e bebericando meu vinho, com dois deles.

Apesar da minha deferência, eu não saberia descrever muitos detalhes da conversa que meu irmão travava com Hoseok, pois além de me interessar pouco, ou quase nada, sobre quem seria o próximo coordenador  do sub-departamento de Lógica ou quantas aulas cada um dava para o curso de Ciências Sociais, minha concentração não estava ali, nos vinte e tantos metros quadrados projetados com muito bom gosto, diga-se de passagem. Bem às vezes a gargalhada alta de Hoseok  despontava daquele papo chato, chamando minha atenção e eu chegava a cogitar prestar atenção neles ou,  mais precisamente, no sorriso que insistia em perdurar nos lábios do amigo do meu irmão e, em um relapso, acreditava ter seus olhos procurando por mim.

Na mente de alguém como eu, que vive no mundo ideal das metáforas, uma coisa leva a outra, e, portanto, uma fitada rápida do Jung em minha direção me fazia cogitar, depois de bastante tempo, trocar saliva com alguém, talvez com caras mais velhos, mais especificamente, com  ele. Acontece, porém, que Jung Hoseok havia acabado de se divorciar e, para tudo ficar tudo mais estranho, eu tinha sido sua madrinha de casamento junto com o meu irmão. Além de que ele nunca disse expressamente que queria trocar saliva ou nada comigo. Apenas detalhes.

E, bem, ainda tinha aquela coisinha queimando. Outro simples detalhe.

Parece que foi hoje cedo, mas fazem mais de 3 anos que nos conhecemos, para ser mais precisa, fazem 3 anos, 2 meses e 14 dias que nos vimos pela primeira vez. Sim, eu estive contando, mas sou uma pessoa completamente normal que de vez em quando cria metáforas sobre término, asfixia e fumaça. Eu sou normal, juro. Ele, por outro lado, era tudo menos normal e eu soube de pronto.

Naquele dia, eu estava acompanhando meus pais em um show de um pianista de jazz norte-americano que meu pai acompanhava a carreira desde a década de oitenta, colecionando vinis e CDs que preenchiam com seu som nossa antiga casa nos domingos. Aparentemente, o artista era alguém muito importante não só para o meu pai e estava em turnê mundial com uma única apresentação marcada em Seul. Por essa razão, os ingressos tinham sido um pouco caros, mas só pelo sorriso do meu pai ao entrar na casa de shows lotada eu soube que o dinheiro tinha sido muito bem investido. Sentamos em uma mesa localizada nas primeiras fileiras e meu pai decidiu que deveríamos gastar mais um pouco bebendo vinho. Meu pai não era uma pessoa de muitos luxos, mas não economizava nas ditas "ocasiões especiais" como esta. Acolhi seus desígnios sem me opor, pois eu, como universitária falida que era e ainda sou, deveria aproveitar as raras oportunidades de beber álcool de qualidade.

Logo quando nos acomodamos na mesa marcada, o quarteto de jazz que abriria para o tal pianista famoso começou a tocar. Para ser franca, eu estava muito mais preocupada em fruir meu vinho do que com a música até realmente prestar atenção nos músicos.

Minha filha, você viu os músicos? – minha mãe, que não dá ponto sem nó e que, de forma inconveniente,  parece querer me casar desde que eu me entendo por gente, disse apontando em direção ao palco.

A minha resposta inicial foi dar de ombros e disfarçar que eu não estava fazendo exatamente o que ela sugeriu, afinal minha mãe não precisava de nenhum incentivo adicional para me colocar em situações desconfortáveis. A verdade é que depois de constatar que o quarteto era formado por homens que pareciam regular idade comigo, meus olhos não se desgrudaram mais do palco. Eles pareciam tocar jazz muito bem para uma leiga como eu, mas eu tinha certeza de que eles poderiam formar um desses grupos de k-pop, já que eram impecáveis esteticamente. E com isso eu quero dizer, no popular, lindos de morrer.

Eu não sabia para quem olhar. Não sabia se olhava para o pianista e seu semblante calmo enquanto os dedos compridos dançavam com maestria entre as teclas. Até as suas costas levemente curvadas davam um charme especial ao dono do rosto angulado com olhos pontiagudos que estavam constantemente fechados, em uma expressão relaxada que se completava quando exibia um sorriso de satisfação. Se deveria focar no baterista, enérgico, com as mangas do paletó discretamente arregaçadas. Seu rosto era emoldurado por um maxilar bem desenhado por onde escorria um suor discreto. O homem de cabelos castanhos era dono de um sorriso com os dentes da frente discretamente salientes, dando uma expressão de garoto para o homem forte que manuseava as baquetas. Se encarava o contrabaixista, que só sabia sorrir exibindo covinhas nas bochechas enquanto deslizava as mãos por aquele instrumento imponente. Ele era alto a ponto de se destacar mesmo ao lado do grande instrumento que segurava. Assim como os demais, ele vestia em um terno escuro de corte alinhado que destacava especialmente seus ombros largos. Ou se deveria olhar para o saxofonista.

Ah, o saxofonista. Ele parecia uma miragem sobre o palco, bonito demais para ser real. Alto de corpo esguio e postura ereta, seus cabelos castanhos lisos divididos ao meio com discretas ondulações caiam sobre os seus olhos fechados que dependendo da intensidade da nota eram apertados com mais força, formando discretas rugas no canto do rosto que parecia desenhado à mão. Esse mesmo rosto  era iluminado por um sorriso diferente, em que os lábios finos e os dentes perfeitamente alinhados formavam uma moldura retangular, uma obra de arte por si só que a plateia podia ver em intervalos ou quando a música acabava, logo depois dele se curvar em agradecimento.

Eu tinha certeza de que o meu estado contemplativo era culpa do tal "efeito palco" que transforma pessoas comuns em praticamente semi-deuses durante shows ou espetáculos devido à combinação do ângulo do palco, do figurino, da música nos amplificadores e do jogo de luzes. Tudo especialmente escolhido para prender a atenção da plateia como, de fato, havia acontecido comigo. Portanto, eu estava absolutamente segura de que assim que o show acabasse, eu e os demais espectadores seguiriam suas vidas normalmente e que o grupo de garotos bonitos que tocavam jazz faria parte de uma memória agradável daquele dia em que acompanhei meus pais ao show do pianista de jazz e só. Sabemos, porém, que a história não foi bem essa.

Boa noite, muito obrigado, nós somos o Trane Quartet. Quem tiver interesse, estaremos vendendo nosso CD agora no intervalo, na parte de trás. — o saxofonista disse exibindo uma voz grave que reverberou por todo o ambiente quando o show se encerrou. Minha mãe não esperou nem mesmo que eles se retirassem do palco e estendeu a sua carteira em uma ordem silenciosa de que eu iria comprar o álbum do quarteto de "garotos bonitinhos", palavras dela.

Eu não era especialmente afeita à jazz, mas não questionei muito. Afinal, era importante apoiar artistas independentes. Tudo pela música, é claro.

Aproximei-me do estande com a minha mãe à tiracolo me empurrando e buzinando em meu ouvido sobre como eu deveria me portar na frente dos "garotos bonitinhos", ela não cansava de repetir. Ao contrário do que eu esperava, porém, não havia muitas pessoas envolta da mesa nos fundos da casa de show. De perto, os músicos ainda eram bonitos, mas a parte brilhosa do "efeito palco" havia, de fato, passado, o que poderia ser atribuído a alguns fatores como a falta do jogo de luzes, o suor que escorria pelo canto do rosto e a expressão cansada que todos ostentavam depois de quase uma hora de show.

O contrabaixista estava ali controlando a venda dos CDs, enquanto o saxofonista agachado parecia limpar o seu instrumento com uma flanela laranja, deixando o objeto dourado ainda mais brilhoso. O pianista estava sentado em uma mureta mexendo no celular e o baterista, ausente, deveria estar ocupado desmontando o seu instrumento. O garoto alto sorriu exibindo de perto suas covinhas quando eu disse que queria comprar um CD. Troquei as notas pelo encarte de plástico que exibia uma foto dos quatro de terno em um fundo branco com o nome do grupo no canto, e logo concluí que eles deveriam investir mais na identidade visual do grupo, quem sabe contratar um designer para fazer as próximas capas.

Antes que eu pudesse agradecer e ir embora ilesa, minha mãe decidiu pedir (sem me consultar) que eles autografassem o encarte. Quase derreti de vergonha e o contrabaixista riu discretamente, provavelmente não muito acostumado com esse tipo de pedido, mas assinou prontamente a capa.

Taehyung, Yoongi... Ela quer o nosso autógrafo. — ele estendeu para os demais o encarte exibindo um sorriso discreto. O pianista se levantou primeiro, assinou, se curvou de forma respeitosa agradecimento e passou o encarte em mãos para o saxofonista que, depois de ajustar o instrumento na sua case, se levantou e apoiou o encarte na mesa.

Qual o seu nome, querida? — perdi a fala quando conheci sua voz. Para ser mais específica, como ela soava para mim. Ainda era grave a densa, como ouvira há pouco nos auto-falantes da casa de show, mas era diferente quando era para mim, assim eu gostava de pensar.

Achei esquisto, pois, no caso dele, o efeito palco parecia não ter se dissipado. Na verdade, eu que me senti transportada para aquele palco, tal como uma fã nervosa que esquece próprio nome quando de frente para o ídolo. E foi exatamente o que aconteceu. Depois de ter aqueles olhos sobre mim, eu esqueci o meu próprio nome.

Minha mãe me empurrou discretamente com o braço para que eu reagisse da minha perda momentânea de memória e quando consegui dizer, finalmente, minha voz falhou vergonhosamente. Senti minhas bochechas quentes e quis desviar o olhar, mas havia algo na forma que meu nome soou na sua voz que puxou meu foco de volta ao seu rosto.

— Aqui está, Kim Chung-Hee. Muito obrigado. — ele estendeu de volta o encarte com um sorriso e se curvou educado antes de voltar à limpeza do seu instrumento.

Ele fez uma dedicatória curta na capa do álbum que dizia"com carinho, para a querida Chung-Hee. Espero que goste". Logo embaixo havia uma assinatura, Vante.

E ali começou a primeira faísca, queimando suave, uma excitação que eu atribuíra ao vinho, à música, à noite, à possibilidade de ouvi-lo chamando pelo meu nome mais vezes. Esse conjunto de sensações me fez, após estudar o encarte do CD madrugada afora, buscar pelo Instagram do quarteto e, despretensiosamente, seguir. Todo o apoio aos grupos independentes de jazz, é claro.

Eu acordei no dia seguinte de ressaca, meu pai havia realmente se empolgado com o show o que influiu diretamente na quantidade de vinho que consumimos. Sem qualquer expectativa, fui atrás de um remédio para dor de cabeça, quando encontrei meu telefone e uma notificação na tela:

"kth.vante pediu para seguir você."

Chung, alô, está aí? — só a gargalhada alta de Hoseok para me tirar, por alguns segundos, do meio da fumaça do incêndio de um antigo amor. Bem, talvez nem tão antigo assim. Desviei meus olhos da lareira para encontrar os olhos amendoados de Hoseok, eu não estava lá e ele sabia. — Perguntei se você vai pegar alguma matéria na filosofia esse semestre.

Sorri desconcertada e além de não  saber, não queria responder. Afinal, era sexta à noite e eu não queria pensar muito sobre minha vida universitária, ou sobre nada. Por outro lado, não era exatamente melhor ficar pensando fixamente nele. Esse conjunto de pensamentos rápidos me levou a decidir acabar com o vinho antes de responder, mesmo que já sentisse o álcool lentificar minhas reações. Estava há tanto tempo sem beber que não foi preciso muito para me tirar de órbita. Pelos meus cálculos, essa deveria ser minha segunda taça.

— Não tenho certeza, mas espero que não. — Hoseok notou meu tom discretamente debochado no final e SeokJin protestou me encarando com os lábios cerrados em reprovação.

— Ah, para! Esse semestre eu estou planejando uma optativa bem legal sobre modernidade líquida, você ia gostar. — eu não precisei dizer nada sobre o tópico não ter nenhuma relação com os meus interesses, e Jin revirou os olhos murmurando "ah esses pós modernos", sua frase de efeito antes de se levantar para, aparentemente, buscar mais vinho.

— Nada contra, Hobi, juro. Mas eu preciso acabar meu TCC esse semestre. — talvez eu tenha soado um pouco mais desesperada  do que queria transparecer, pois o homem ao meu lado apoiou sua mão em meu ombro como uma espécie de "encorajamento".

Take it easy, pestinha. Não precisa se apressar, você tem tempo. — disse aquele com a carreira ideal que terminou a faculdade com 23 anos, engatou mestrado, doutorado e já era professor de uma das universidades mais renomadas do país aos 33 anos. Só pensar na trajetória profissional de Hoseok me dava ansiedade e eu tive que respirar fundo para não refletir sobre a minha, que mal começara e já era um fracasso.

Esse tipo de pensamento definitivamente não ajudava, eu sabia, mas pensar na minha vida profissional era melhor (ou "menos pior") do que estar dentro daquele prédio metafórico em chamas. O  "resgate" do incêndio, porém, não durou muito, pois a playlist que SeokJin ecolhera saltou de uma Bossa Nova para um standard de jazz que foi capaz de me levar prontamente de volta àquela atmosfera em que o som do seu sax ainda soava para mim. Deveria existir mesmo um complô dos aplicativos de música contra mim.

Meus olhos involuntariamente voltaram à lareira que agora tinha suas labaredas falsas coloridas por obra de SeokJin, o adulto de 35 anos que gostava de ficar brincando de "mudar o fogo de cor" com o controle remoto, suas palavras. Nem mesmo o arco-íris em forma de chamas ou o sorriso de Hoseok, que também murchou quando o piano de Bill Evans tomou conta da sala, foram capazes de me manter ali. E quando notei, já me via novamente naquela manhã com o telefone em mãos pressionando "confirmar" na tela brilhosa. A excitação me fazendo esquecer até mesmo da dor de cabeça, enquanto rolava curiosa a sequência de fotos do tal Vante e, ao mesmo tempo, com muito cuidado para não curtir algo de anos atrás e parecer interessada demais logo de cara. E eu continuaria ali, rolando aquela time-line de fotos imaginárias se Hoseok não tivesse me chamado à realidade mais uma vez.

—Em qual torre a princesa está escondida? — a referência à música foi clara e Hoseok havia entendido meu alheamento sem precisar de muito. Seu cotovelo estava  apoiado sobre o encosto do  sofá e seu queixo descansava sobre a mão. Me resumi a arquear as sobrancelhas e ele só riu da minha cara de boba. — Você sabe que nem sempre eles voltam... Às vezes, é melhor parar de esperar.

— E-eu não...

Ainda tentei me justificar, dizer que eu estava pensando em outras coisas, que eu não estava enclausurada em uma torre esperando por ninguém, muito menos por ele, que absurdo. Tentei abanar a fumaça, apagar com um extintor o incêndio que, pelo visto, ainda estava bem aparente para todos. Eu queria conseguir dizer que não estava esperando, queria ser categórica, mas não fui capaz nem mesmo de completar a frase. Na verdade, eu não queria estar esperando, mas talvez eu ainda estivesse, e era doloroso admitir. Rapidamente, senti o pouco de ânimo que tinha reservado para a noite se esvair.

— Talvez seja melhor procurar seu príncipe em outros reinos... — Jung Hoseok lançou como o bom filósofo que efetivamente era, e não sei se meus neurônios estavam danificados pelo incêndio e minha visão turva, mas eu só consegui ler algo meio embaçado e com duplo sentido na sua fala e no sorriso que ele custava em conter. Infelizmente, o que deveria ter sido um incentivo para que eu não desistisse da noite teve o efeito contrário.

— Queridos, vou ter que abandonar vocês... — foi o meu reflexo e impedi que SeokJin, que acabara de retornar à sala, completasse minha taça. — Estou caindo de sono.

Eu menti e pelo olhar do meu irmão ele sabia. Eu não estava com sono, só estava fazendo o meu trabalho de impedir o fim do incêndio.

— Já que é a primeira vez que você está bebendo de novo, talvez seja melhor ir com calma mesmo, Chunny. — meu irmão comentou com um sorriso gentil no rosto e bagunçou meu cabelo, algo que ele sabia que me tirava do sério, mas que eu sabia que era o seu jeito de demonstrar cuidado. Me senti mal por não tentar o suficiente e desistir quando o primeiro jazz cruzou o meu caminho, mas o incêndio estava se tornando insuportável mais uma vez.

Acenei me despedindo do sorriso de Jung Hoseok e meu irmão me deu um beijo no topo da cabeça antes que eu deixasse a sala com a taça vazia e a cabeça cheia de pensamentos nebulosos. Pensamentos com o som do seu saxofone, com a melhor-pior trilha sonora possível,  ouvindo o piano do Bill Evans desenhar o caminho para o meu príncipe que não voltaria.

— Bem conveniente essa música... — quando eu já estava no corredor, ouvi SeokJin resmungar logo antes de mudar de música, e eu tive que concordar com meu irmão.

— Vai passar, Jin... — ainda consegui ouvir o que Hoseok dissera mesmo que ele estivesse medindo o som da sua voz. Dessa vez, porém, não consegui concordar com a segurança que gostaria.

A conclusão da noite poderia ser: esqueça o seu ex-namorado, apague de vez o incêndio, desabite a torre, princesa, pare de esperar. Mas ela é só: não escute sua mãe e não vá atrás de saxofonistas bonitos depois do show. Ao que parece, ela não aprendeu nada tendo sobrevivido ao incêndio. O trauma, aparentemente, não foi um bom professor. Como bem disse, ela sou eu.

🎵

"Someday my prince will come"  é uma música da Walt Disney composta em 1937 para o longa-metragem Branca de Neve e os Sete Anões. Essa música foi gravada por vários jazzistas como um "jazz standard" como Dave Brubeck,  Stanley Clarke, Miles Davis, Herbie Hancock, Bill Evans (a gravação que está na mídia é de 1959), entre outros.

Bill Evans (1929-1980) foi um pianista norte-americano, considerado um dos mais importantes músicos de jazz da história, sendo até hoje uma das referências do piano de jazz pós-50.

Jazz standard é um tema de jazz que é amplamente conhecido, e que por isso se torna parte do repertório básico de muitos jazzistas. Não existe uma lista de standards definitiva e cada subgênero do Jazz, como swing, bebop e fusion, tem seus próprios standards.

Assim como a música do capítulo, os standards são baseados em músicas populares, musicais da Broadway e antigas composições registradas no Great American Songbook. Em alguns casos, ao ser executado, um standard é rearmonizado e alterado.
(Fonte: Wikipedia).

🎵

Hello lovers!  💞

E, então? O quão sério foi essa tal incêndio? Estão todxs bem?

Espero que tenham gostado bastante! Quem quiser ouvir as músicas, tenho duas playlists no meu spotify ('My One and Only' e 'My One and Only b-sides'), os links estão no meu linktree (link no meu perfil aqui do wattpad).

Conto com vocês para me apoiarem com o voto e com muito muitos comentários nessa versão My Only and Only 2.0. O apoio de vocês é essencial

Beijos da Maria ♥️

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