28.1: [Dono De Olhos Húmidos E De Pulsos Cortados]
ARIEL MURPHY
Estava à frente da porta da sala de aula número 29 há mais de quinze segundos, indeciso de entrava no mesmo compartimento que de o professor de Química, do Tera, do Max e demais de dez rapazes.
Eu tenho medo.
Tenho medo dos olhares juízes do professor, dos olhares chateados do Tera e do Max, dos olhares repugnantes dos outros rapazes. Tenho medo de eles puderem fazer-me algum. Tenho medo até mesmo de eles pensarem e desejarem fazer-me algo nocivo.
"Ariel, qualquer coisa, eu estou aqui, sabe disso. É só mandar mensagem que eu saio da sala e vou ter com você!" Lembro-me das palavras reconfortantes e cismáticas de Kai. E as palavras afiadas do meu pai vieram logo atrás.
Lua, porque é que eu lhe contei?
"Ariel?" Olho para cima, com pavor, assim que ouço uma voz masculina na minha frente.
"P...Professor."
"O que aconteceu conti---"
Com medo da sua mão levantar-se para me agredir, entro na sala com rapidez, passando, sem fitar ninguém, pelo Tera e pelo Max.
Os seus olhares fixaram-se em mim até eu me sentar e deitar a minha cabeça nos braços, por cima da secretária. Sabia mesmo sem olhar.
Ouvia sussurros pela sala inteira. A turma falava toda de mim. Claro, não era normal verem alguém com a cara completa em arranhões já crostados e um nariz roxo.
Ciùin, ciùin, ciùin...
"Ariel?" A voz volta a soar maciça. Este tom de voz. Levanto a cabeça, no mesmo instante em que associo o timbre do meu pai àquele som. "Está tudo bem?" Era apenas o professor.
"Sim." Olho para o Tera e para a restante turma. Todos ainda com o olhar posicionados em mim. Mordi o lábio inferior e a minha respiração voltou a estar inconstante.
"Aconteceu alguma coisa para estares assim... Fisicamente?"
"N-Nada que eu queria falar."
Parem de olhar para mim, por favor.
Escrevo a lição redigida no quadro, a fim de me focar noutro objetivo, deixando a turma em segundo plano. Porém assusto-me quando percebo que a minha letra não era mais igual-- não estava mais perfeita-- estava desnivelada, aguçada nas verticais, bastante itálica. Nem eu mesmo entendia o que escrevia.
🌑🌒🌓🌔🌕🌖🌗🌘🌑
[20 minutos depois]
Apago as linhas de carvão do desenho, após passar com a caneta preta fina pelas linhas principais.
"Ariel, guarda isso."
Algo toca no meu ombro. Algo que desconhecia. Algo que podia ser nocivo. Algo que podia magoar. Fecho o caderno de desenhos, no mesmo instante em que o pensamento de os dedos rugosos do meu pai serem o algo nasce, e olho para o dono dos membros.
Professor.
"Toma o teste." Entrega-me quatro folhas com questões para responder e sai do meu campo de visão.
Um teste.
Leio a primeira pergunta, cotada com oito pontos: "No estudo dos combustíveis, o estudo dos gases torna-se também essencial dado que os combustíveis gasosos têm um papel importante no fornecimento de energia. O gás natural é composto em cerca de 95% de metano tendo na sua composição outros alcanos de massa molar baixa. Explica como se processa ligação química na molécula de metano tendo em conta a Teoria da Ligação de Valência."
Teoria da Ligação de Valência? Ligação química na molécula de metano? Procuro na minha mente a resposta cujo o professor ditou há alguns dias atrás, porém não me conseguia lembrar.
Sabia que eras incapaz, filho de merda. Só serves para uma coisa.
As frases dele não saiam da minha mente cada vez que tentava me focar noutra coisa completamente adjacente a ele. Era impossível.
Respira fundo, Ariel. É irreal.
Tento ler o exercício novamente, contudo, a cada frase que lia, as suas palavras gritavam altivas e brutas contra os meus ouvidos.
Ariel, concentra-te...
A tua mãe devia ter-te abortado!
Não é verdade.
Ela nunca te quis, imbecile!
Senti as minhas pestanas ficarem húmidas à medida que um nó forte na garganta se formava.
Leio o exercício repetidas vezes.
Teoria da Ligação de Valência e ligação química da molécula de metano.
Inútil, imbecil, parvo, estúpido, Omega!
Teoria da Ligação de Valência e Ligação da molécula de metano.
Gordo, feio, gordurento, deficiente, Omega!
T-teoria da ligação de Valência e Ligação da molécula de metano.
Não sabes fazer nada, és horrível, desprezível, odeio-te!
"Teoria da ligação de Valência e Ligação da molécula de metano" Sussurro.
Já percebi porque é que a tua mãe te deixou! Olha para ti, Ariel.
"Ela gostava de mim..."
Ainda acreditas nisso? Qual era a mãe que gostaria de ter um filho que se deixa ser violado pelo pai, sem sequer se debater?
Ela odiava-te, Ariel, e irá te odiar para sempre. A cada merda que fazes, ela irá te odiar cada vez mais.
Levanto-me da minha cadeira em soluços que não conseguia controlar por muito o esforço que fizesse. O olhar incrédulo do professor e surpreso da turma ficou cravado em segundo plano.
Corro para fora da sala e bato a porta num estrondo alto.
"Ela não-- ela não me odeia!" Sussurro em escocês, vagueando pelos corredores infindáveis da escola.
Estava à mercê de tudo, sem forças para lutar contra a vontade das minhas pernas e dos meus pensamentos. Andava sem destino. Estava sem um porto seguro para atracar, sem quem confiável para correr atrás.
Estou perdido.
Os outros alunos olhavam para mim com estranheza, com sorrisos sádicos no rosto, a sussurrar coisas porcas a meu respeito, a negociar com qual parte do meu corpo iriam abusar.
Mordo a carne no meu dedão para controlar os soluços que não queriam parar. Eles não paravam de olhar para mim. Eles não queriam parar de olhar para mim.
"Rubi!" Ouço alguém chamar-me a poucos passos atrás de mim. "Espera!"
Olho para trás e reparo com a pessoa louca que me seguia: Tera. Comando os meus pés correram daquele corredor, para longe dele, para longe daquele animal que era capaz de me magoar.
"Deixa-me!" Mas ele não respeitou os meus pedidos. Continuava a correr ao meu encontro. Não parava de vir atrás de mim.
Sabia que ele iria me apanhar mais cedo ou mais tarde. Aquele Alpha estava disposto para me apanhar e, assim que me fizesse, estaria à sua mercê.
"Príncipe, por favor, não te afastes de novo."
Os seus passos começaram a abrandar, assim que saímos do prédio escolar. Eu no meio do recinto e ele no final das escadas de entrada do prédio. Abrandei também, assim que percebi que tínhamos uma distância segura.
TERA MARSHALL
Ele continuava a soluçar e a ofegar. A visão partia-me: o medo persistia em ficar no corpo dele, mesmo depois de ter dormido com ele e lhe ter mostrado que nunca iria lhe fazer algum mal.
Desde que entrou dentro da sala, o pavor constante notava-se no seu rosto. Não parei de olhar para ele um segundo sequer depois de ter encostado a cabeça no tampo da mesa.
Ariel tremeu tanto como treme agora.
"Príncipe." Chamei-o, ofegante, sentado-me no último degrau.
Como a minha mãe me disse, tinha de ter o máximo de calma e paciência possível para o ter ao meu lado.
"E-eu não vou--"
"Eu não te vou obrigar a ir." Garanti, suspirando. "Queres ir comer um gelado? Sair da escola, respirar ar fresco? Ir para o refúgio? Para casa?"
"Eu não quero estar contigo." Engolo em seco ao ouvir o meu coração se despedaçar mais uma vez em metades com poucas, mas diretas palavras.
"Rubi..." Levanto-me e ando dois passos na sua direção. "Eu fiz alguma coisa para estares a tratar-me assim?" Procuro respostas, mas apenas recebo o seu olhar perdido no lado direito da minha cabeça.
Iria perguntar-lhe outra vez, porém travei a minha língua quando o vi o sorrir.
Antes mesmo de olhar para a sua mesma trajetória, as portas de vidro do prédio abrem-se de repente e Kai passa por mim a correr, indo em direção ao meu rubi.
Abraçaram-se com força.
Eu não entendo. Num segundo, ele tinha medo do meu toque e noutro estava abraçado a outra pessoa. Mas que porra?!
Mesmo distanciados a alguns metros, Kai olha para mim e pede-me, mutada, para voltar para as aulas e deixá-lo nas suas mãos.
Não!
Porra, como é que o Ariel confia tanto nela e não em mim?! Sou eu o namorado, não sou?! Devia ser eu a abraçá-lo! Devia ser eu a dar-lhe conforto! Não devia?!
ARIEL MURPHY
"Tens de lhe contar, Ari." Kai pede-me, deitada nas minhas pernas.
Já havia algum tempo que estávamos no meu quarto--trancados-- na mesma posição: eu sentado na minha cama, encostado na parede e a sua cabeça pendurada nas minhas coxas, enquanto o seu corpo estendia-se pelo resto da cama.
Não me sentia inseguro com o toque dela. Mesmo que ela me toque na nuca, nos ombros, na barriga, na minha cintura, eu não sentia qualquer tipo de preocupação e medo. Era estranho.
"Eu não posso."
"Então por que me contou?"
"Porque és a pessoa mais calma e paciente que eu conheço." Suspirei, mexendo nos seus caracóis. "Se eu contasse ao Tera ou ao Max-- ou até mesmo a Kira-- sabia que algum deles iriam arranjar maneira de matá-lo ou contarem à polícia, que neste caso é o senhor Williams. " Expliquei. "E eu sei que o meu pai tem contactos na polícia. Ele iria descobrir, convenientemente, e, de alguma forma, encontrar-me, a mim e à Kira, e algo mau iria nos--"
"Isso não vai acontecer." Pegou na minha mão, a pele quente e fofa, e beijou-a com ternura.
"Promete-me que não contas a ninguém."
Demorou um pouco para responder. "Pela milésima vez, eu prometo por tudo o que é divino." Indagou com certeza na voz. "Mas não irá viver assim para sempre, Ari. A gente vai encontrar um jeito."
I do it for the glory!
Oh, oh, oh, oh
I do it for the glory!
Oh, oh, oh, oh
I go it for the glory!
Oh, oh, oh, oh
Kai tirou o telemóvel do bolso do casaco e viu mostrou o nome de quem a ligava antes de atender. Max Andrews com a alcunha de Mano Hetero Flexível.
Pôs em alta voz.
"Onde você está?" A sua voz parecia preocupada.
"Com o Ariel. Porquê?"
"É hora de almoçar, idiota!"
Kai então olhou para o relógio de parede. Era 12horas e 30 minutos, a hora de almoço para os alunos. Talvez não ouvimos os inúmeros toques da escola, indicadores das horas e do começo e término das aulas, devido a música que ouvíamos com os auriculares.
Talvez até tenhamos dormido.
"Minha Lua, eu..."
"Despachem-se, caralho." Era a voz de Kira que respondera antes de desligar a chamada.
Kai saiu das minhas coxas e sentou-se ao meu lado. Ela sentia o pânico que crescia em mim. Até para sair do meu quarto eu tinha medo.
"Temos de ir comer."
"Eu não quero sair daqui."
"Mas, anjo, você tem que comer."
"Não podes trazer a comida para aqui?" Sugeri, com um sorriso tímido e pedinte.
"E vou ter de aturar as perguntas do seu namorado?" Retaliou. "Ariel, agora falando sério, você não pode ficar aqui para toda a vida. Eu já fiquei aqui com você tempo demais, perdi todas as aulas da manhã para ficar com você! Me devolva esse favor e venha comer na cantina."
Não tinha nenhum contra-argumento para aquilo, uma vez que era a mais pura verdade, embora a minha mente se recuse a acreditar.
Eu precisava de tempo para processar todo este medo e saber vencê-lo.
"Ninguém aqui lhe fará mal, eu prometo."
Levantou-se da cama e segurou a minha mão, um movimento de sinceridade e segurança.
🌑🌒🌓🌔🌕🌖🌗🌘🌑
Tera estava sentado ao meu lado na cantina, Kira do meu outro lado, Max na frente do Tera e Kai na minha frente, para concentrar toda a minha calma e expelir qualquer ansiedade ou pânico.
Mas era tantas as pessoas que entravam e saiam da cantina. As mesma pessoas que me viram chorar de manhã ainda continuavam a fitar-me, a rirem-se da minha cara.
"Não comes mais nada?" Tera perguntou num sussurro calmo para mim.
"Não tenho fome." Respondo no mesmo tom. Olho para os seus olhos, para o tom acinzentado.
A sua cara estava próxima da minha, bastante mais próxima daquilo que o meu cérebro consiga aguentar sem disparar sinais encarnados.
"Come mais um pouco, amor, por favor." Sorriu para mim.
Mesmo no seu tom de voz eu via o quão ele estava triste e preocupado comigo. Isso deixou o meu pensamento confuso: confortável e ao mesmo tempo desconfortável.
Pús mais uma garfada cheia até metade na boca. A comida não me sabia a nada, parecia que comia cinzento. Tera estendeu os seus lábios num sorriso sincero e tímido.
"Sabes que o que me disseste doeu-me imenso, não sabes?"
"Sei."
O meu corpo agiu por si e encostou a testa no seu ombro. A vontade de chorar apareceu no momento em que senti os seus lábios na lateral da minha testa.
"Desculpa." Sussurrei, apertando o seu mendinho no meu, com um pouco de força.
" 'Tás desculpado. Só não me digas mais isso, faz-me pensar que...me queres longe."
Se calhar até quero.
🌑🌒🌓🌔🌕🌖🌗🌘🌑
Por muito que eu tentasse vencer ou esquecer o medo, eu não conseguia.
Já era a quinta vez que ia à casa de banho vomitar toda a pouca comida que tinha ingerido durante o dia inteiro.
Eram perto das duas da manhã, quando sinto que a vontade de vomitar tinha parado. Encosto as minhas costas na parede ao lado da sanita e deixo-me lá, esperando que as forças voltassem para o meu corpo. Apoio a minha cabeça no armário ao meu lado e deixo as lágrimas voltarem a descer.
Queria gritar, correr, desaparecer deste mundo, fugir dos meus pensamentos, mas não conseguia. Não tinha escapatória possível.
Calo os meus pensamentos agonizantes, ao me levantar e agarrar-me ao lavatório.
Olho-me pelo espelho na minha frente. Cabelos molhados, pele pálida, dono de olhos húmidos e de cara cortada e roxa.
Fixo o olhar no meu e vejo a vontade de me entregar voltar a invadir-me. Nunca desviando o olhar, agarro na lámina guardada debaixo do sabonete com os dedos e carrego-a até à pele roxa do meu pulso esquerdo.
Corto.
🌑🌒🌓🌔🌕🌖🌗🌘🌑
TERA MARSHALL
"Rapazes, tenho uma má notícia para todos vocês. Não só para a equipa, mas para toda a escola." O professor alertou, dois segundos depois de entrar no nosso balneário, antes de outro treino, vendo alguns de nós semi-nus e outros com metade do equipamento vestido.
"Diga, treinador." Gabriel encorajou-o.
"O Ariel saiu da equipa."
[Continua]
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