Um garoto e meu vestido
Lucas estava preocupado com Mei Ling desde aquela noite. Não era como se algo ruim estivesse para acontecer, porém o olhar da garota ao sair de sua casa não foi lá dos melhores. Após organizar seu quarto, remover os copos — agora trincados devido ao curto circuito — de perto da tela do computador e secar a mesa e os fios, o garoto resolveu tomar um banho.
Yan estava com a senhora Huang a ajudando na lavanderia na medida em que Lucas preparava a banheira. Enquanto seu corpo estava imerso na água, ele tentou raciocinar melhor o que estava acontecendo. Era muita loucura para uma noite só. Mei Ling estava agindo estranho desde antes do computador fritar e agora Yan havia surgido do nada, além de estar hospedada em sua casa dada a situação. Num suspiro, ele fechou os olhos por cansaço, o sorriso que sempre mantinha já não estava mais lá e deixou a máscara que escondia seu olhar pesado de lado. Acabou cochilando depois de alguns minutos aconchegado no abraço caloroso da água morna.
A manhã estava mais quente que a anterior. Lucas acordou cedo para deixar seu computador e o monitor com um técnico no shopping mais próximo dali. Com a pressa e por estar acostumado a somente a presença de sua mãe dentro de casa, o garoto atravessou o corredor em sua samba-canção azul marinho e camiseta preta sem medo até o banheiro. Lavou o rosto e fechou a porta para tirar água do joelho. Seus cabelos estavam uma bagunça e os olhos pequenos pela preguiça. Assim que saiu, caminhou diretamente à sala.
— Mãe, não vou comer agora, quero só um sanduíche para o caminho... — coçando os olhos ele bocejou.
— Bom dia, Xuxi!
— Ah, que susto! — num tropeço após o pulo de surpresa, Lucas levou a mão ao peito fechando os olhos brevemente — Esqueci que estava aqui... Você não devia ser tão silenciosa assim garota! O que é você, um robô ou um fantasma?!
— Gostaria que eu fosse um Xuxi? — Yan se levantou ficando com os olhos azuis repentinamente.
— Não, não, não! Está bom assim, menina boazinha é melhor! — balançou suas mãos em desespero.
A garota sorriu largamente voltando aos seus castanhos lumes. Por um segundo, Lucas a encarou maravilhado com sua beleza, porém ainda desconfortável com tudo aquilo, até finalmente se tocar de que estava de cueca em frente a uma garota.
— Mas que droga! — cobriu apressadamente o corpo com os olhos arregalados e correu de volta para o seu quarto.
Sentiu o coração acelerado enquanto se trancava lá dentro.
— Vai ser todo dia isso agora?! — estava frustrado e envergonhado.
— Filho. — sua mãe bateu levemente na porta — Irei sair com as vizinhas hoje, pode fazer companhia a Yan? Chegarei antes do almoço, está bem?
— Mãe, espera...! — abriu a porta assim que sentiu ela se afastando — Eu... Como vou levá-la comigo? — passou a sussurrar — Ela é um robô, mãe.
— Mas ela não se parece com um, ora, ficará tudo bem... Oh! — sorriu agradavelmente juntando as mãos — Chame Mei Ling para acompanhá-los, ficará tudo bem se forem os três juntos.
— Senhora Huang, como você é teimosa. — ele revirou os olhos.
— Te amo meu querido, nos vemos depois. Não voltem tarde, venham almoçar em casa, nem pensem em se encherem de lanches. — já estava vestida e bem arrumada.
Sua mãe sempre esbanjava um ar jovial e agradável, Lucas costumava dizer que era a mesma sensação de estar rodeado de rosas perfumadas e belas. Era quase impossível ficar desconfortável ao lado dela e Lucas sabia que seu pai havia tirado a sorte grande em encontrar alguém assim e se casar com ela.
Após se despedirem, o garoto vestiu sua jaqueta favorita junto a um jeans e seguiu ao banheiro novamente. Penteou os fios e com um pouco de pomada para cabelo melhorou o visual do seu penteado, tendo direito também a algumas borrifadas de perfume. Em pouco já estava na cozinha, preparou ele mesmo um sanduíche enquanto Yan o observava atenta ao lado.
— Você por acaso... Sente fome? — já estava se preparando para guardar tudo quando notou o olhar faminto dela.
— Na verdade não, mas isso parece ser delicioso! — outra vez sorrindo.
Lucas não poderia negar, seu coração acelerava cada vez que ela o fitava daquela forma. E quem poderia culpá-lo, ela realmente era bonita.
— Quer que eu faça um para você também? — o riso bobo escapou de seus lábios com a felicidade expressa na face da garota.
— Por favor! — juntou as mãos com delicadeza.
— Olha só, feliz desse jeito só por causa de um lanche... — quando notou que estava rindo sozinho, Lucas arregalou os olhos mudando rapidamente sua expressão para uma mais neutra — Pare com isso seu idiota, ela não é uma pessoa de verdade...!
— Disse alguma coisa Xuxi?
— Não, não. Não falei nada. — buscou uma mala de viagem com rodinhas em seu quarto.
— Oh, vamos viajar? Segundo meus dados, isso é uma mala de viagem. Normalmente usada para transporte de roupas e outros objetos como acessórios e sapatos.
— Não, não vamos viajar, e sim é para isso que ela serve. Porém vou usar para colocar meu computador e o monitor dentro. O shopping não é tão perto e não temos um carro, muito menos carteira de motorista. Vai facilitar o passeio e será menos incômodo no caminho. Além de que estou sem muito da minha mesada para um táxi no momento.
— Woah, como você é esperto Xuxi! — analisou mais de perto a mala vermelha de alumínio.
— Que isso... Ah, por favor, você poderia me chamar de Lucas? — coçou a cabeça um tanto envergonhado — Estou mais acostumado a ser chamado assim só pela minha mãe.
— Modificando formas de tratamento para: Apelido. Lucas. Assim é de seu gosto?
— Pelo amor de Deus, me diz que não vai me chamar de jovem mestre também...
— Você gostaria?
— Não, por favor não faça isso, é vergonhoso.
Com a mala sendo puxada pela canhota, Lucas destrancou a porta com sua destra.
— Vamos então, senão nos atrasaremos para o almoço.
— A Senhorita Huang nos fez um pedido antes de partirmos.
— Hein?
— Devemos convidar a humana: Mei Ling, para o passeio ao shopping.
— Ah, é mesmo. — puxando o celular do bolso da jaqueta, Lucas velozmente enviou uma mensagem — Pronto, se ela puder ir, estará nos esperando lá. Vamos Yan, a gente vai perder o ônibus.
Assim como Lucas havia dito, a mala facilitou muito as coisas no caminho. Yan não se calava facilmente, tudo era novo para ela, claramente por sua base de dados não ser tão ampla, Mei Ling e Lucas ainda estavam modificando-a quando tudo ocorreu e o garoto ainda estava tentando descobrir o que Mei Ling escondeu de si no monitor noite passada. Passou a maior parte do passeio explicando as coisas para Yan após comerem seus sanduíches e rindo das expressões surpresas que ela fazia, assim como quando viu os enormes prédios e lojas variadas.
Em alguns minutos já estavam no shopping. Lucas estava cansado de arrastar aquela mala um tanto pesada consigo pelo caminho, por esse motivo se viu aliviado ao chegarem na loja de informática. Yan tomou o tempo em que Lucas conversava com o técnico para analisar cada aparelho e peça que encontrou.
— Está me dizendo que sofreu um curto-circuito?
— Sim. Eu tenho informações muito importantes aqui dentro, eu realmente preciso delas de volta. O senhor consegue ver se pode salvar alguma coisa?
— Não sei, vai ser difícil, deixe eles aqui que eu verei o que posso fazer. Assim que terminar de analisá-los, irei lhe informar da situação.
— Muito obrigado, senhor! — se curvou duas vezes com um enorme sorriso no rosto.
— É meu trabalho garoto, não agradeça! — acabou sorrindo em conjunto — Deixe seu nome e número de contato aqui por favor.
Lucas sabia que demoraria alguns dias para ter qualquer retorno da assistência, só esperou que não levasse tanto, ainda queria ganhar a feira de ciências, contudo estava mais preocupado com outra coisa no momento, e ela se chamava Yan. Logo após saírem da loja, Lucas recebeu uma mensagem de Mei Ling.
— Certo Yan, vamos comprar algo refrescante para tomarmos.
— Oh, oh! Na minha base de dados diz que milkshake é muito refrescante em dias quentes!
— Eu ia sugerir suco de fruta, mas quem negaria um milkshake agora, não é mesmo?
Mei Ling estava animada com o convite repentino de Lucas. Ela sentiu como se Yan não fosse um grande problema, afinal quem ele convidou para um passeio no shopping foi ela. Estava quase saltitando só por imaginar que aquilo poderia ser considerado um encontro quando, por falta de atenção, esbarrou em um garoto. Sua testa foi de encontro com as costas dele e o baque acabou o empurrando para frente.
— Sinto muito! Como sou desastrada, me desculpe, estava distraída. — levou a canhota para o nariz o massageando brevemente até levantar os olhos de encontro com o garoto.
Prendeu o fôlego.
Os cabelos castanhos em um topete o deixavam com um ar adolescente e agradável enquanto seu sorriso era como uma brisa aconchegante numa manhã de verão. O coração dela acelerou no instante em que se entreolharam.
— Tudo bem, isso não foi nada. — ele sorriu — Você está bem? Se machucou?
— Não, estou bem... — sem notar ela permaneceu o encarando.
— Que bom... Ha ha... Ah... — ele acabou rindo por puro nervosismo com o forte peso do olhar dela preso em si.
— Meu Deus! Oh, sinto muito! — ficou vermelha num piscar de olhos escondendo as bochechas com as mãos enquanto corria o mais rápido que podia.
O garoto conseguiu apenas rir vendo-a correr daquela forma com a careta engraçada que havia feito.
— Que garota engraçada. — ainda rindo, levou as mãos aos bolsos e seguiu seu caminho.
Mei Ling ainda se encontrava com o coração acelerado querendo se esconder pela vergonha que havia passado. Estava tão aflita que parou no banheiro do shopping antes de seguir para a praça de alimentação, onde Lucas disse que estaria a esperando. Tentando se recompor, ela fitou sua face no reflexo do espelho. Endireitou seus cabelos buscando se organizar e ficar mais apresentável, queria que Lucas a visse como uma mulher e não como só uma amiga; tendo esse passeio no shopping como uma ótima oportunidade de se apresentar na frente do garoto com roupas mais bonitas do que o uniforme do colégio ou o moletom que usava quando estudavam na sua casa. Tentou ao máximo deixar a maquiagem natural, ela sabia como ele gostava da beleza pura das mulheres.
Assim que se viu preparada e já recuperada do incidente poucos minutos atrás, Mei Ling respirou fundo e seguiu o caminho para a praça de alimentação.
— Morango, rico em vitamina C, A, E, B5 e B6. Os principais minerais presentes são: Cálcio, Potássio, Ferro, Selênio e Magnésio. Também são ricos em flavonoides, importante agente antioxidante no organismo dos seres humanos. Outra característica nutricional importante do morango é que ele possui boa quantidade de fibras alimentares. Outros benefícios são o fortalecimento do sistema imunológico, auxílio no bom funcionamento do sistema digestório, ação anti-inflamatória e auxílio no processo de cicatrização de ferimentos. — a cada golada em seu milkshake, Yan explicava a importância dos alimentos para Lucas.
— Eita que já foi leite, morango, açúcar... Meu Deus do céu, o que mais que tem dentro desse milkshake? — Lucas brincava com o canudo na espuma do seu milkshake de baunilha.
— Baunilha... — antes que Yan pudesse continuar, Lucas levou o canudo do milkshake de morango até os lábios dela.
— É melhor você beber logo antes que fique quente, não acha? — acabou rindo pela forma como ela sorriu e concordou prontamente com ele.
Ver os dois rindo e dividindo aquele momento juntos fez Mei Ling querer ir embora sem se pronunciar e dar uma desculpa qualquer por não ter aparecido, porém Lucas alargou o sorriso quando a viu e acenou para ela. Sentiu-se idiota por acreditar que ele havia convidado apenas ela para irem ao shopping. À medida em que foi se aproximando, mais e mais seu coração apertava. Sorriu assim que se juntou aos dois e os cumprimentou.
— Olha só... Foi por isso que demorou tanto? — ele fez uma careta suspeita logo levando o canudo aos lábios.
— O quê? — Mei Ling sentou-se ao lado de Yan.
— Olhe Mei Ling! Estamos tomando sorvete, uma bebida refrescante para beber no verão! — Yan entregou seu copo com milkshake de morango a ela — Divida comigo, morango é bastante saudável.
— Essa garota... — Lucas riu fitando Yan — Estava falando pelos cotovelos até agora.
— Ela deve estar se divertindo. — Mei Ling sorriu aceitando a bebida e agraciado sua garganta com o líquido gélido.
— É, deve mesmo. Então! Espero não ter atrapalhado em nada Mei Ling, eu vim aqui deixar o computador, mas minha mãe tinha marcado com as vizinhas antes, por isso tive que trazer a Yan comigo.
— Entendi... Mas por que me chamou?
— Oras! Por que somos melhores amigos!
— Foi para encobrir que ela é um robô, não foi?
— Hm... — Lucas notou que aquilo chateou a garota — Mas eu também achei que ia ser mais divertido com você junto! Você sabe que não saio com outras garotas além de você.
— Dividir refeições e estudar na casa um do outro não é considerado sair com alguém Lucas.
— Você me entendeu.
— Claro, claro. — fez um careta — Yan, que tal comprarmos crepes e comermos no caminho de casa?
— Aquela comida de origem francesa? — pelo menos Yan estava se divertindo no passeio.
— Isso mesmo, vamos lá. — devolveu o milkshake da garota e se levantou pedindo para que ela a seguisse.
— Agora vai me ignorar? — as duas o deixaram para trás — Mei Ling, não fique magoada! Ei, vamos juntos! Me esperem!
Os três dividiram um breve momento juntos. Caminharam comendo o crepe enquanto Lucas arrastava aquela mala, agora vazia, de volta para casa. Mei Ling ainda estava emburrada com o amigo mesmo que não tivesse sido tão ruim quanto imaginou passar aquela manhã em conjunto no instante em que viu os dois se dando bem sozinhos na praça de alimentação momentos atrás. Porém encontrava-se brava por se sentir infantil pensando que foi deixada de lado pelo melhor amigo. Não queria descontar nele, mas até que foi divertido ver ele tentando chamar sua atenção.
— Vamos almoçar juntos. — já estavam no ponto de ônibus quando Lucas indagou.
— Dessa vez terei que recusar. — Mei Ling o fitou devidamente pela primeira vez naquela manhã.
— Por que? Ainda está chateada? — fez uma careta triste.
— Preciso encontrar minha mãe no trabalho, estamos fazendo uma festa surpresa para o meu pai.
— Ah! É mesmo, seu pai faz aniversário esse mês.
— Aniversário: diz-se de ou dia em que se completa um ou mais anos em que se deu determinado acontecimento. — Yan sorriu largamente.
— Isso... Obrigado pela informação Yan. — Lucas a olhou confuso.
— Disponha. — Os dois melhores amigos se puseram a rir.
— Vai ser no final do mês, mas minha mãe gosta de tudo bem planejado e organizado... Você sabe como ela é.
— Tudo bem... Vamos nos ver no colégio amanhã. — Lucas coçou o nariz — Ah, o ônibus chegou.
— Certo. Então, até amanhã. — Mei Ling acenou enquanto Yan e Lucas esperavam sua vez para entrar no coletivo.
— Mei. — por fim Lucas a chamou — Me desculpe por ter te magoado.
— O que?
— Você ficou chateada porque não te convidei por vontade própria... Me desculpe eu sou um idiota.
— Deixa isso para lá... — empurrou levemente o ombro dele para que o mesmo entrasse logo — Vai perder o ônibus desse jeito...!
— Naquela hora, quando disse que demorou muito para chegar no shopping... — Mei Ling fixou seus olhos nos dele — Eu quis dizer que fica muito bonita de vestido.
O garoto sorriu da forma mais angelical segundo os pensamentos de Mei Ling e seguiu com Yan e a mala para casa. Era como se seu coração fosse pular da boca enquanto sua face ficava quente e vermelha como uma pimenta. Mei Ling queria bater nele por deixá-la tão feliz com apenas uma frase, não queria ficar feliz, queria permanecer brava para frear aqueles sentimentos, mas era impossível com aquele sorriso.
— MALDITO SORRISO!
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