03. Raquel em "O que não escrever em seu diário".

Dias atuais: 2014.

A professora de Literatura Raquel, também rotulada como irmã de coração de Tereza, deveria se conter naquele momento, mas não conseguiu. Juliano, de nome de santo, era sensível e calmo, em contraste com os filhos de nomes mais bonitos de Tereza, Isaac e Isadora. Eles fariam em breve 15 anos e queriam mais do que nunca conhecer os seus respectivos pais. Mas não podiam. Não mesmo. E nem podiam cantar Pais e Filhos na festa da escola do dia seguinte. Não. Isso mexeria com as lembranças dolorosas de Tereza e Raquel. Mesmo assim, os três pirralhos o fariam. Raquel, em sua suprema inocência, começou a dar alguns detalhes do inesquecível Paulo Vitor em seu diário, sem citar nomes. Só o nome da escola que se conheceram e da guarda-costas, que acobertava tanto ela com Paulo quanto Tereza com o sem escrúpulos do Zé Ricardo. E ela começou a escrever assim:

"É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você for parar pra prever o futuro, elas podem simplesmente te rejeitar, já que suas jararacas matriarcas lhe convenceram que você é uma golpista. Que Dona Ana Maria tivesse evitado! Que Tereza nunca tivesse ido pra escola chiquérrima do bairro ao lado, onde os riquinhos desde sempre traficam suas queridas drogas. Que eu nunca tivesse participado das festinhas com aquele nerd, que nem fez o ensino médio e foi pra Harvard. Maldita Douglas Monteiro! Maldito coração inocente meu. "

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Juliano tinha muitas coisas que faziam lembrar seu doce pai: inteligência, ternura e uma baita facilidade de ser manipulado. Por isso, Isaac, gêmeo da Isadora, parecia mais gêmeo de Juliano do que da irmã. Porém, daquela vez a ideia dos gêmeos coincidiu com a do filho de Raquel e ele não estava fazendo nada daquilo de mau gosto. Assim, os três trabalhavam simultaneamente e em colaboração para achar a segunda metade do que um dia já foi uma laranja. Ou seja: a origem dos 50% de DNA que desconheciam.

– A mamãe sabe que eu nunca caí nessa história da senhora ter sido uma adolescente festeira e não lembrar bem de nenhum de seus supostos namorados. A senhora é quase uma virgem santa e nunca vi você trazendo homem algum para casa – desabafou Juliano.

– As pessoas mudam quando se tornam mães. Além disso, eu saio com vários carinhas legais, só nunca quis te apresentar nenhum deles até que se torne algo realmente sério.

– Ok. Vou fingir que acredito. 

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Raquel se encontrou com Tereza no supermercado de Baltazar, mesmo sem precisar fazer compra alguma. O trio não poderia ter a chance de ouvir os nomes de seus progenitores. Elas, porém, antes de encherem-se de preocupações com a súbita vontade dos filhos de conhecer os respectivos pais, frisaram que os filhos estavam se tornando pessoas extraordinárias.

– Nossa menina lembra fisicamente você, mas tem uma personalidade muito próxima ao do pai dela – notou Raquel. – Dora tem beleza e temperamento acima da média, por isso que todos apostam que ela deve seguir carreira como modelo, carreira esta que você abandonou por causa do Zé e os absurdos proferidos por ele.

– É apesar dela e do Isaac serem gêmeos, os dois têm pouco em comum e vivem uma relação de amor e ódio – completou Tereza. – Mas também o Isaac é visivelmente mais revoltado e engraçado que a Dora e sente-se muito mais irmão do seu Juliano do que com a garota que ela compartilhou o útero.

– Ainda acredito que o Isaac vai roubar metade de suas roupas e usá-las na escola. Já o Juli... o Juliano é o mais doce do trio e uma marionete do Isaac, mesmo sendo seis dias mais velho do que ele.

– Meus filhos são maravilhosos e não merecem ter um pai como o Zé. Além disso, o próprio Zé nunca quis ter filhos. Ele quer aquela maldita empresa de moda só para ele – lembrou Tereza. – Sabe, eu me culpo todos os dias por ter amado tanto aquele cara... Porém, Raquel, eu preciso te confessar: meu coração acelera ainda quando vejo alguma roupa da Descoladas. Eu devia odiar aquela peste.

– Talvez o Juliano se desse bem com o PV, mas eu não tenho certeza se quero que os dois se conheçam um dia. O PV preferiu acreditar no Xandy Drácula do que em mim e eu nem tive como me defender... – desabafou Raquel. – No fim, o que não podia piorar, piorou: o meu abusador morreu justamente quando eu ia conseguir a confissão dele.

– Nossos filhos são abençoados por não conhecer o lado paterno e podre do sangue deles. 

 –Será? Amanhã vai ter apresentação na Sagrado Coração de Jesus, onde gente de outros bairros vêm para ver a Festa de Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo, e os nossos filhos vão cantar o quê? Pais e Filhos.

– Qual é o seu medo? Calma, Quel, tudo vai ficar bem.

– Eu só tenho medo do Juliano encontrar o Paulo Vítor e gostar mais dele do que de mim.

– E eu tenho medo, minha amiga, que eles saibam o quão sem caráter é o progenitor deles. – Tereza tomou o que restava de seu iogurte. – Mas não se preocupe. Tudo vai ficar bem.

– Talvez – encerrou Raquel.