02. Tereza em ''Como eu conheci o teu pai''.
02. Tereza em "Como eu conheci o teu pai".
Lembranças de 1998.
Custava à Tereza aceitar que abandonaria aquela casa. Dona Cícera lhe amava e não pensou duas vezes em aceitar a menina vinda daquela prostituta. Arrumou, suspirando, suas malas e olhou para o horizonte. Enquanto isso, Raquel chorava a morte da mãe no canto da sala.
– Você vai ter que aprender a conviver com a saudade. Eu sei que estou parecendo um pouco fria te falando isso dessa forma, mas eu também estou sentindo falta dela. – Tereza encostou a cabeça no ombro de Raquel e em seguida a beijou no rosto. – Eu cresci sem minha mãe. Você vai aprender a viver sem a tua.
Belo Horizonte seria o destino final de Tereza e de sua irmã de criação. Lá elas morariam, estudariam e conheceriam novos amigos. Tereza também tentaria arranjar um emprego para que ela e Raquel não morressem de fome.
– Descoladas... Eu vou trabalhar na Descoladas.
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Tereza não suportava passar por aquela praça, mas era o jeito. A rodoviária de São Juliano era por lá. Cenas de terror lhe voltavam à cabeça. A prostituta jazia em sangue, sangue este retirado por pedradas, pedradas estas deferidas pelos "cidadãos de bem" daquela cidade. Aquela belíssima mulher de cabelos ruivos, como os seus, Tereza conhecia muito bem: fora a mesma que lhe dera a vida. Tereza sabia que ela não era nenhuma santa, mas também não era nenhum monstro para ser morta daquela forma. Pelo menos foi isso que Tereza acreditara por tanto tempo...
Tudo isso fazia Tereza ter medo de apenas uma coisa: de ser apedrejada, mesmo inocente, e que tal trauma lhe tirasse sua vida para sempre, mesmo ela continuando andando, comendo e respirando. Ela não sabia que a paixão, um dos alimentos da alma, lhe faria isso em breve.
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Belo Horizonte era muito maior que São Juliano. Era fácil ver que a cidade era dominada pelas duas maiores empresas de moda do Brasil: Descoladas.com e Rickelly. Lá estava a Descoladas, tão perto e tão longe de Tereza. Tereza suspirava. Aquilo provavelmente nunca seria para ela.
O que viria a seguir também não seria fácil. Primeiramente, as escolas da região foram resistentes quanto às matrículas das duas garotas. As duas eram menores de idade e já era o mês de abril... Mesmo assim, duas escolas aceitaram as meninas devido à maturidade que a mais velha apresentou. Tereza beirava os 17 anos e estudaria o terceiro ano do médio na Douglas Monteiro, conhecida como o depósito de drogas para adolescentes. Já Raquel, o mimo da irmã adotiva, tinha só 14 anos e logo estudaria a oitava série na Maestra Henriquieta.
Quanto à pensão que alugaram, a única compatível com a quantidade de dinheiro que tinham, era um nojo. Tereza segurava as lágrimas só de pensar que a casa que lhe servira de abrigo tinha sido vendida e substituída por aquilo. Seu novo lar tinha tudo de ruim, como ratos, baratas, vizinhas fofoqueiras e etc... Mas o pior, disparadamente, era o bad boy que dava em cima das meninas inocentes e as chamavam para transar às 03h25 da manhã.
– Eu não sou prostituta – gritou Tereza para Raquel. – Minha mãe era, mas eu não sou obrigada a ser.
Esse foi o resumo da primeira semana. A segunda tinha começado bem melhor, pois Xandy Drácula, como gostava de ser chamado o bad boy asqueroso, não tinha feito à Tereza nenhuma proposta do tipo "Transe comigo e eu lhe darei o meu queijo está na geladeira. Ele só está com umas mordidas de rato". Tentando manter a educação e a postura, pois a ruiva ainda não tinha idade para ser presa por homicídio de tarados, a jovem modelo respondia:
– Não. Obrigada. Não sou prostituta. Se um dia eu virar, eu te conto.
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Raquel estava adorando a nova escola. O nome dela era Maestra Henriquieta Magalhães. Já tinha feito um novo amigo (muito bonito, só para não deixar a informação passar). Ele era muito melhor que Xandy Drácula. Na verdade, estava difícil encontrar um homem mais nojento que aquele na face da Terra. Seu nome era Paulo Vítor e Raquel estava caída de amores por ele. Era óbvio. Toda vez que falava sobre Física Quântica, ela suspirava e dizia que sim. Toda vez que ele falava de Fernando Pessoa, ela também dizia que sim. Toda vez que ele abria a boca, ela parecia que queria mordê-lo.
Jorge Henrique, irmão de Paulo Vítor, era mais simpático que o irmão caçula, mas não era de preferência de Raquel. Ouviu-se boatos que Henrique estava noivo porque a namorada dele estava quase em trabalho de parto. Em contrapartida, a criança nunca nascia, o que fez Raquel concluir que não eram só pessoas de cidade pequena que tinham a língua maior do que o necessário.
Por causa desse boato e do olhar irresistível de Paulo, a garota aumentou em 100% a preferência pelo irmão nerd da família. Assim, um sorriso no rosto de Paulo Vítor não fora necessário (mas Raquel fingiu ser) para que ela aceitasse um evento dos grandes: a festa de aniversário de Jorge Henrique.
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A maioria dos rapazes da festa, segundo Tereza, eram playboys sustentados pelos pais. As amigas sentaram-se na mesa esperando serem convidadas para comer. Depois de se encherem de refrigerente por cerca de 15 minutos, Paulo Vítor veio com seu sorriso simpático "convidar para participar definitivamente da diversão".
Depois de ver 98% dos presentes na festa dançarem , Tereza decidiu sair da monotonia. "Quem eu convido para dançar?" , pensou a jovem.
Olhou para todos os lados até que encontrou um jovem barbudo cochichar no ouvido do aniversariante. Achou-o interessante e por isso aproximou-se dele. A beleza de Tereza não passou despercebida por esse rapaz que logo largou o amigo para flertar com a ruiva.
– Oi... Como se chama a garota que é a musa dessa festa? – jogou o rapaz, certo que sua cantada era irresistível.
– Tereza Valdez, e eu não sou musa dessa festa – retrucou a ruiva.
– Parece-me que você ainda não se olhou no espelho. A maioria dos jovens de classe privilegiada diriam que as piriguetes assanhadas são mais bonitas, mas eu não concordo. Eles devem ter algum problema sério de vista, pois você é disparadamente a mais linda.
– Obrigada. – Tereza virou o rosto, desconfortável. – Eu não esperava um elogio tão sarcástico.
– Bem... você já pensou em ser modelo?
– A ideia já me passou pela cabeça, mas nunca tive a oportunidade.
– Você já deve ter percebido que Belo Horizonte é dominada pela moda. Então é bastante provável que uma mulher tão linda como você construa uma carreira brilhante nesta cidade.
– Eu sei, não sou boba. Rickelly e Descoladas estão em outdoors em toda a cidade. Mas não. Uma moça como eu dificilmente brilharia na carreira de modelo.
– E se eu dissesse que se você me beijar agora se tornará modelo imediatamente?
– Eu não faço esse tipo de troca.
– Se é assim, então... – E o rapaz roubou um beijo dela.
Mesmo indignada com a ousadia do desconhecido, a órfã ainda tinha uma dúvida para tirar da cabeça: Por que um beijo roubado lhe renderia uma chance de ser modelo?
– Qual é o seu nome mesmo, ladrão de beijos? E por que seu beijo seria moeda de troca? – questionou Tereza.
– Me chamo José Ricardo de Pessanha Coelho e sou filho da dona da Descoladas.
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A única coisa que fez Raquel parar de conversar com Paulo Vítor foi o desmaio de Tereza. A ruiva, que estava de branco, parecia uma pombinha ferida no chão. O acompanhante dela parecia não acreditar que uma garota havia desmaiado com seu flerte.
– Minha mãe costumava ser o ingrediente principal de minhas paqueras... – dizia repetidamente para Jorge Henrique.
Após o estrago total da festa do irmão de Paulo, Tereza acordou assustada. O que será que aquele moço teria dito para a ruiva, fazendo uma aparente fortaleza cair daquela forma? Assim, ao chegar em casa, Raquel resolve perguntar à Tereza o que havia tirado seu sono:
– Por que você desmaiou depois de conversar com o Zé Ricardo?
– Ele é filho de Otávio Pessanha.
– O quê? Isso é sério? – Raquel fixou os olhos na parede por alguns instantes, tentando processar o que Tereza havia lhe dito. – O Zé é filho do homem que era cafetão da sua mãe...
– Sim! Ele é filho daquele maldito.
– E o que você está pensando em fazer? – indagou Raquel.
– Isso é óbvio. Vou entrar na Descoladas e me vingar dele.
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