Pai
Eu fiz o certo?
Ando até a suposta sala do líder dessa instituição junto a jovem, sem conseguir pensar em outra coisa além daquela mulher. Ela era a assassina, eu tenho certeza. Mas, o que raios Lucas estava fazendo ali!? E por que ele foi defendido nessa bagunça!?
Minha visão não mostrou a parte dela aparecendo, somente a parte de eu saindo viva e dele aparentemente bem. Chorando, mas bem. E, e eu não consegui fazer nada para ajudar as outras pessoas em volta. Cerro os dentes, pensando. Se tivesse simplesmente ignorado a visão, aquela coisa teria devastado o bairro inteiro e ninguém sairia vivo. Pelo menos alguns eu ajudei.
Essa moça apareceu lá depois junto a outras pessoas, vestindo ternos pretos e roupas estilo advogado caro. O corpo do monstro foi levado e eles ficaram só no prejuízo. Lucas nem se fala, não sobrou quase nada da casa dele. Ouço meus dentes rangir e paro de pressionar eles, suspirando. Caso eu consiga ajudar, eu irei tentar fazer algo.
–Um aviso sincero. –A mulher fala e saio dos pensamentos, olhando-a seguir andando sem nem virar para me ver. –Não abra a boca perto de Palmares, ele é tão monstruoso quanto Julia.
–Preocupante. –Murmuro, sem a menor ideia do quão forte aquela mulher é. Apesar disso, sorrio um pouco. Consegui resistir a, aquela aura? Não deve ser a melhor forma de chamar aquilo, porém eu consegui levantar.
–Não estou brincando. –O cabelo loiro em rabo de cavalo move-se e, virando na minha direção, os olhos azuis dela parecem focar. –Fique de boca calada, caso contrário vai dar merda.
–Preciso dizer que vai? –Falo sorrindo, ouvindo-a suspirar e balançar a cabeça, continuando a andar claramente nervosa. –Agradeço o aviso, mas eu provavelmente terei que falar.
–Oh, vai? –Ela ironiza, claramente desdenhando e as visões são formadas de imediato. –Por algum acaso acha que é importante?
–Mais do que gostaria. –Revelo, começando a suar frio. Nas silhuetas pelo chão e paredes brancas, imagens de Faria, Angelo, Julia e Palmares conversam freneticamente, debatendo algo importante. Aquela treinadora, o Pedro e outras três pessoas ouvem tudo em silêncio e minha imagem surge no fundo, falando alguma coisa.
"A próxima fenda acontecerá amanhã."
Paro de andar. A mulher também para, voltando os olhos para mim furiosa e arregalo os olhos, tremendo.
As visões me atingem feito cometas e, imagens de bestas ainda maiores surgem na escuridão, devastando a cidade feito Kaijus enquanto ainda mais… Portais, portais surgem por todas as partes.
–PRECISAMOS ACELERAR! –Grito e disparo a correr. Ela tenta me segurar e prontamente desvio, seguindo pelo corredor enquanto a surpresa a domina, vindo atrás de mim.
–O QUE DEU EM VOCÊ!? –Ana grita e mesmo sem olhar diretamente, consigo ver os braços e pernas dela por baixo das roupas compridas e pretas transformarem-se parcialmente, tomando características de um lobo antes de vir atrás de mim num violento avanço.
–ESSA DROGA DE LUGAR VAI SER ATACADO! –Grito mais alto do que deveria e seus olhos são arregalados. Correndo do meu lado, ela parece analisar minhas palavras e encaro-a, suando frio. –SE NÃO ACHA QUE É VERDADE DEIXE SEUS SUPERIORES ME DESCAMAREM!
Silêncio. Continuamos a correr feito lunáticas e, já sabendo o caminho para onde devo ir pela visão, viro à esquerda na ramificação do corredor e continuo, vendo uma escada. Antes de pensar no que fazer, sou segurada pela cintura e, de novo não.
Num salto, subo até o segundo andar junto a Ana, puxando-me com extrema facilidade e aterrisamos nele após passamos pelas grades de proteção. As pessoas arregalam os olhos e ela dá um tapa nas minhas costas.
–VÁ LOGO! –Disparando a correr ao olhar para mim, murmuro um xingamento e vou atrás, tentando acompanhar o ritmo dela conforme passamos pelas pessoas que, abrem caminho, provavelmente por causa da Ana. –ESPERO QUE TENHA UMA FORMA DE PROVAR ISSO!
–EU TENHO! –Dobramos outra vez no corredor e desaceleramos, avistando a sala onde os outros estão e a mulher sussurra algo, treinando uma abordagem e simplesmente passo na frente, indo até a porta de madeira enorme com um P nela.
Bato três vezes nela de leve, fazendo a mesma ação que Ana faria e seus olhos arregalam, provavelmente sem ideia de como sei disso e, uma horrível sensação domina o local.
–Entre. –Arrepio, a forte voz parece ecoar no local e, vinhas de escuridão atravessam as beiradas da madeira, mexendo-se de forma nada natural e engulo o medo, abrindo-a. Avisto Faria e Ângelo na direita da mesa circular, continuo a abrir e vejo um enorme homem no fundo e Julia do lado esquerdo dele, com os pés na mesa e bebendo algo. –Uma novata? Por que imitou o toque de Ana?
–É urgente. –Prontamente digo e meus amigos claramente são inundados pelo medo. O homem estreita os olhos, totalmente escuros e seu terno na mesma tonalidade parece crescer, misturando-se a aura escura em sua volta.
–É ela? –Ele pergunta e Julia faz um joinha, estando bebendo um suco de caixinha. –Certo, o que para dizer de urgente?
–Eu… Eu prefiro mostrar. –Gaguejo e adentro na sala juntando as mãos por trás das costas, realmente sem saber como me comportar e, sem saber o motivo de estar tão nervosa. Esse cara com toda certeza é Palmares e, essa escuridão vem dele, além da pressão esmagadora similar a de Julia.
–Prefere por uma ligação de energia ou telepatia? –Subindo o rosto, as pupilas tomam uma tonalidade vermelha e o cabelo preto enroscado balança, com alguns anéis de aço presos nele, similar a um dreadlock. Meu dom é ativado e vejo a ação dos dois, prefirindo o segundo.
–Telepatia, gostaria que… –Tremo, minha visão embaça e, sinto como se estivesse sendo segurada pela mente por enormes garras, voltando os olhos para Faria, engolindo seco antes de sinalizar para eu continuar. –Certo, vamos lá.
Os olhos dela dilatam, Ângelo treme e segura o boné preto na própria cabeça. Palmares põe ambas as mãos na mesa e levanta, olhando diretamente para mim enquanto Julia apenas continua tomando o suquinho, sem nenhum sinal de ter sido afetada. Mas, sei que foi. Do lado esquerdo e direito, nas sombras e camuflados nas paredes, Pedro e aquela treinadora também são conectados junto a Ana na telepatia, esperando ver o que quero mostrar.
Respiro fundo e ativo meu dom junto às memórias. Os olhos de todos são arregalados e mergulhamos num abismo branco, no qual é tingido por várias cores conforme a mesa e sala desaparecem totalmente. Sobre o céu da nossa cidade, gigantes fendas surgem e cospem monstros ainda maiores, aterrisando feito cometas sobre os prédios ao rugirem.
Lobos, leões e macacos gigantes, robustos e tomados por olhos azuis brilhantes além de espinhos nas costas que, reagindo à aura do local, brilham. Eles rugem e avançam contra os civis, esmagando-os e devorando-os enquanto ainda mais criaturas surgem.
Julia para de sugar o canudinho e tomba o rosto, focando em uma direção da visão compartilhada, mostrando tudo o que está acontecendo em todas as direções num raio de dois quilômetros. Sinto minha aura ser drenada e a dor me atingir em marteladas, porém resisto e tento manter o dom ativo.
De repente, minha habilidade vibra e o local muda. Grunho e, com lapsos de dor, sou agarrado pelo vermelho. Julia surge diante mim e agarra meu pescoço, focando os olhos carmesins enquanto todo o ambiente muda.
Antes de ter a chance de questionar, meu dom é amplificado e grito, sentindo minha mente rasgar conforme imagens rápidas de vários lugares atravessam os meus olhos. Faria levanta junto a Ângelo berrando algo e agarro a mão dela, cerrando os dentes enquanto minha aura se esvai completamente e, sou solta.
–Obrigada. –Caio de joelhos e tenho ansia de vomito. Tampo a boca para não vomitar e tremo, abaixando conforme Faria e Angelo aproximam-se mim e põem as mãos nas minhas costas, sendo energizada pela aura. A dor diminui, controlo a ânsia e sangue escorre pelo meu rosto, vindo do nariz e boca. Droga, droga!
–VOCÊ ESTÁ LOUCA!? –A voz da minha amiga ecoa feito um trovão e tento subir os olhos. Falho, volto pro chão e continuo a tremer, vendo-a levantar e ir na direção de Julia pela visão. –ISSO PODERIA TER MATADO ELA!
–E matou? –Ela pergunta, virando-se para ficar de frente e a treinadora fecha a cara, com o carmesim irrompendo em pulsos da sua pele escura ao ativar seu dom inconscientemente, fazendo seus membros contraírem junto aos músculos e aumentar suas forças. Daqui eu consigo sentir a vontade dela de socar a ruiva.
–Se controle Faria. –Palmares calmamente fala, sentando de novo na cadeira móvel e empurra levemente a mesa, movendo-se ao girar e claramente pensar sobre o que acabou de ver. Minha amiga cerra os dentes, sem desviar o olhar de Julia que claramente está louca por um ataque. –Se quiserem resolver isso lá fora e depois de amanhã, fiquem à vontade. Mas sem brigas por agora, caso isso realmente aconteça amanhã… Precisaremos de todos no máximo.
–E pensar que as lendas eram reais. –Ana murmura e, enquanto Ângelo me ajuda a levantar, olhamos na direção dela. –É, eu falo das lendas sobre monstros gigantes! Tipo aquelas da mitologia, aparentemente é verdade.
–Não temos provas delas serem verdadeiras, apesar de realmente lembrar. –Palmares diz e Faria afasta de Julia, cuspindo no chão antes de vir na minha direção. Sou conduzida por ela e Ângelo até uma mesa, quase fora do ar. Minha mente ainda está funcionando, com muita dor mas funciona, diferente do meu corpo, dormente. –Apesar de que… Olha só, boa hipótese Ana.
–Ein? –Ela questiona com os olhos arregalados e ele olha-a de relance, sorrindo.
–Isso faz total sentido. As fendas não começaram a acontecer por agora, elas estão aí há milênios. Porém, aumentaram a frequência nesses últimos tempos. Nada saia delas, mas agora saiu e, nada impede disso ter acontecido antes. –Girando a cadeira, Palmares levanta e a escuridão na sala vibra, engolindo a luz vindo das lâmpadas enquanto o sorriso dele aumenta. –Além de que, os dons primordiais podem vir daí.
–Como é? –Questiono, ainda repleta de dor e ele balança a mão, pedindo para esquecer.
–Teorias. Caso algo seja provado, chamarei vocês de novo. Julia, comunique os Soberanos sobre isso que eu… Eu irei fazer diplomacia com os Alves. –Palmares diz e, abrindo a mão enquanto todos os outros arregalam os olhos com o nome, menos a própria ruiva, ele fecha-a e a escuridão engole a sala. –Vou mandar posições para cada um vigiar amanhã e também armas, então... Até amanhã.
–E, e o motivo original da convocação? –Faria questiona.
–Era as armas. –Ele fala sentando na cadeira. –Todos vocês irão ganhar armas próprias. Digo, quase todos.
O olhar dele foca-se em mim, deixando claro minha exclusão e suspiro, dando de ombros. Com menos dor, consigo ficar de pé e Ângelo me solta, deixando as mãos pairando no ar e abertas, prontas para evitar uma possível e repentina queda.
–Posso ir? –Pergunto com os olhos baixos, sentindo cada milímetro dos meus membros vibrarem pelo rápido consumo da aura. Julia calmamente retorna a sua posição e volta a beber o suquinho, não dando a mínima conforme os outros parecem analisar a situação, provavelmente estranhando o fato de eu não pedir por uma arma.
Palmares concorda e estende a mão na direção da porta. Sem despedir ou nada do tipo, apenas viro e sigo para a saída, vendo Ângelo e Faria olharam para mim enquanto pensam no que deveriam fazer. Abro a porta e saio, indo pro corredor antes de fechá-la e seguir andando, com muita dor.
Maldita Julia, eu vou revidar essa merda.
***
–Você está bem? –Saio dos meus pensamentos, olhando para quem falou comigo e me surpreendo. É Né, meu tio. Estando em pé no corredor, o homem de idade relativamente avançada parece analisar minhas condições com os olhos, claramente preocupado.
–Estou, estou sim. –Minto, suspirando e continuando a comer. –O dia, o dia só foi difícil.
Ele não diz nada. Apenas continua me olhando, pensa um pouco e suspira, seguindo pelo corredor. Acabo de comer e levanto, indo atrás enquanto penso na visão.
Ativo-a e consigo ver Né em meio aos escombros da minha casa, assustado e segurando a própria cabeça. Cerro os dentes, as sombras ficam mais fortes e tento avançar no tempo. A silhueta dele é desfocada e surge no hospital, sentado num banquinho conforme bate seguidas vezes os pés no chão, vivo.
Certo, melhor eu não falar nada. Iria avisar sobre amanhã, mas posso piorar as coisas. Passo pela sala, avistando-o deitado no sofá e faço um joinha, passando para a cozinha sem esperar uma resposta e ponho o prato na pia. Começo a lavar ele e meus pensamentos voltam-se para meus pais, longe demais para eu ver o que vai acontecer onde estão.
Eu tentei estender meu dom até a cidade onde estão, porém falhei. Mas, de alguma forma, Julia conseguiu fazer isso e eu não. Naquele momento onde minha aura foi drenada, eu vi vários locais que nunca conheci na vida, com toda certeza eram lugares de conhecimento dela.
Cerro os dentes. Já tendo acabado de lavar as vasilhas, pego-as e coloco pra secar no suporte para, deixar secar. Volto para o corredor, vejo Né no celular de relance e continuo a andar, indo pro quarto enquanto Bruta vem na minha direção em leves passos.
Pego meu celular e, ligando-o, encaro o contato Pai. Engulo seco, penso um pouco e pressiono o celular de leve. Eu preciso ligar. Melhor garantir do que ver no que dá. Mas, ele não fala comigo a meses. Desde quando eu vim para a capital e deixei de morar lá…
Deveria falar com minha mãe? Não, ela não tem pulso pra fazer algo assim e falar com o velho. Tem que ser com ele. Aperto no botão verde e levo o celular pro ouvido, ouvindo os toques enquanto os batimentos aceleram.
O dom tenta se ativar e o inibo. Caso eu for ser xingada, prefiro não saber. Os toques continuam, os cinco segundos seguintes parecem uma eternidade e, eles cessam. Quando espero a caixa postal, minha alma vibra.
–Oi, filha. –A voz seca do velho arrebenta todos os meus pensamentos e, ao mesmo tempo que fico feliz, uma sensação horrível me domina.
–Oi, pai. –Respondo tentando manter a calma, engolindo seco quando mais nenhum comentário vem do outro lado. –Como, como o senhor está?
–Cansado. –Ele revela, suspirando e realmente fico surpresa, nunca ouvi essas palavras vindo dele. –E com saudades.
Como? Permaneço quieta, processando o que acabei de ouvir e, cerro os dentes, fazendo o máximo para segurar o choro. Os anos turbulentos nossos passam feito feixes, lembrando de como era a minha vivência naquela casa, das nossas brigas e, dos poucos momentos felizes.
–Eu também estou. –Revelo, incrivelmente não estando mentindo. –Mas as aulas vão começar logo, vai demorar para eu conseguir ir ai.
–É, eu sei. –Murmurando, a voz de Mateus faz pequenas gotas de lágrimas descerem pelo meu rosto. Simplesmente não consigo controlar, simplesmente. –Mas, mas você está bem? Já arrumou tudo?
–Graças a Deus tudo está arrumado. –Digo e sorrio um pouco. –Né separou uma sala aqui pra eu estudar e também já arrumei uma Van para ir, então sim.
–Fico mais aliviado. –Ele fala e parece andar. –Quer que eu acorde sua mãe? Ela foi dormir mais cedo…
–Não. –Corto-o. –Deixe ela dormir, eu preciso falar é com o senhor mesmo.
Silêncio. Consigo sentir a surpresa dele, provavelmente pensando no que poderia ser. Um pedido de dinheiro, um aviso de doença, eu não ter usado preservativo ou qualquer merda assim. Porém, queria que fosse isso, mas é pior.
–Você confia em mim? –Pergunto, tremendo e espero uma resposta. Os segundos passam, nada vem e cerro os dentes. –Eu não estou brincando. Você confia em mim?
–Claro, claro que confio. –Ele fala, atordoado com a pergunta. –Mas, mas por…
–Não vá trabalhar amanhã. –Disparo a falar. –As fendas que aconteceram hoje vão voltar amanhã e serão ainda maiores. Eu, eu não posso te contar como sei disso, mas vai acontecer. Pegue a mamãe e o mano e tente ir para algum lugar seguro. Afastado ou, ou perto dos Praxedes. Sabe a família? Deles, deve ser o local mais seguro.
Meu pai não sabe, mas há uma família de despertados vivendo lá. Faria revelou isso para mim por mensagem quando perguntei para ela sobre algum outro humano estranho feito nós vindos da nossa cidade. Relaxo o punho esquerdo, sangrando pela força que estou cravando as unhas na palma dela.
Silêncio.
Meu pai não fala nada. Consigo sentir a respiração dele acelerar, ciente de que eu jamais brincaria com algo tão sério assim. Ainda mais conhecendo sua profissão. Eu vi nas notícias que uma fenda surgiu na nossa cidade e ele com certeza teve que ir para lá. Mesmo sendo bombeiro, deve ter ido até o local tentar salvar alguém nos destroços.
–Não posso te contar como sei disso, porém mais fendas vão surgir. –Digo lentamente, medindo muito bem cada palavra. –E coisas piores vão vir delas. Não, não consigo ajudar vocês daqui, então eu peço por favor, saiam dai.
–Como… –Mateus murmura e grunhe, cessando a pergunta. Provavelmente lembrou do não posso te contar. –Keila, você tem certeza disso?
–Tenho. –Respondo com o resto das minhas forças. Estou tremendo, tremendo muito. Nenhuma outra palavra é dita, os segundos simplesmente não passam e pareço estar na mesma posição há horas. Malditos traumas.
–Você, você está segura? –Ele pergunta num sussurro. Cerro os dentes, encarando a parede do quarto conforme penso em uma explicação plausível para tudo. Como eu respondo? Sim? Claro que não? –Eu vou, eu vou pegar um atestado para amanhã e irei com sua mãe e irmão para a roça do primo. Parece um lugar mais seguro?
–Eu não sei. –Revelo, forçando a mente para ver eles pelo meu dom. Contudo, as sombras apenas tremem e se dissipam, não conseguindo formar uma imagem tão distante. Minha cabeça lateja, tento novamente e leves formas humanas surgem, sendo dissipadas em seguida. Grunho baixinho, ainda sem ter respondido a pergunta. –Mas evite locais com muitas pessoas. Tente se esconder e, bem, eu estou segura.
Mentira. Meu pai suspira, aliviado e a culpa me corrói. Eu? Segura? Estou no olho do furacão e ainda vai sobrar pra mim lutar! Aquele Palmares disse que iria mandar armas para todo mundo e mobilizar todos pela cidade! Droga! Eu nem faço parte desse grupo!
–Por favor, mande mensagem amanhã. –Ele pede e suspira. Ouço algo ranger, provavelmente uma cadeira e o som de TV invade o celular. –Eu, eu vou fazer isso. Preciso pensar, preciso pensar um pouco.
–Tudo bem. –Murmuro, respirando fundo. –Fica com Deus.
–Você também. –Mateus responde. –Eu te amo.
–Eu… eu também. –Respondo de volta, com os olhos cheios de lágrimas e a chamada é desligada. Abaixo o celular, chorando silenciosamente. Merda, eu não deveria ficar assim toda vez que falo com ele.
Engulo as lágrimas, enxugando-as com ambas as mãos e ponho o aparelho sobre a mesa, indo até a minha cama. Retiro o colchão dela e o coloco no chão, arrumando minimamente a fronha, travesseiro e bagunça nele.
Preciso ficar mais forte.
Bruta entra no quarto. Paro e olho-a, tombando a cabecinha claramente sem entender o que estou fazendo. Suspiro, passando a mão na pelagem branca dela e me surpreendo ao vê-la sentar, ficando na frente do colchão.
–Quer ficar ai? –Questiono, engasgando em meio do choro e ela parece concordar. Suspiro, concentrando a aura na minha mão antes de expandir a coloração branca até a porta de madeira, empurrando-a até fechar. –Certo. Apenas não atrapalhe, ok?
Um latido e rio, considerando isso uma confirmação. Bem devagar, controlo minha respiração e ajoelho, fechando os olhos enquanto a aura dentro de mim parece gritar, reagindo aos turbilhões de sentimentos.
Deus, eu preciso de ajuda.
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