De quase morta a, assustada
-E ela... Maria, te ajudou? -A mulher pergunta e concordo num pequeno movimento, olhando para as roupas de advogado dela. Um terno preto e uma gravata com um nó muito bem feito, nunca soube fazer isso. Ela volta a atenção para Faria, seus olhos claros parecem repreendê-la e forço um sorriso.
-Sim, foi isso. -Ela põe o que parece ser uma prancheta sobre a mesa e junta as mãos, olhando para mim nada feliz. Com toda certeza essa mulher não foi com a minha cara, é tão difícil assim acreditar em mim?
-Deixa eu ver se entendi. Você despertou e ajudou Faria quando Ângelo a atacou, tu sequer sabe o que é ser uma despertada e conseguiu ajudar na luta contra um despertado treinado, mesmo que nossa companheira aqui seja forte isso é demais para engolir! E ela ainda te contou sobre os dons? Nós não podemos falar disso livremente, você sabe disso. -A mulher rosna em um tom claro de ameaça e volta a atenção na direção de Faria, murchando feito uma flor. Rio, rio da situação e minha amiga treme na base, arregalando os olhos conforme a mulher volta a atenção para mim, furiosa. -Qual é a graça?
-Não acredita nisso? -Pergunto calmamente, encarando-a.
Ela fecha os olhos e suspira, abrindo-os em seguida e um calafrio atravessa minha espinha. Suas pupilas tomam uma tonalidade avermelhada e seus cabelos ruivos parecem flutuar um pouco, todo o local parece ser coberto pela mesma cor, estranhamente similar à que vi em Faria.
-Não acredito. Sinto absolutamente nenhuma aura vindo de você, então como vou acreditar que despertou? -Nessa altura do campeonato nem me surpreendo mais com esses nomes. Deve ser algum tipo de energia, eu acho. Estreito os olhos, deveria mostrar então? É uma boa ideia.
Forço um pouco a cabeça, sentindo-a doer ao ter mais uma visão e assim que a mulher abre a boca para xingar Faria, eu falo.
-"Quando entrou aqui tinha muitas expectativas em você, mas agora está tentando me enganar? Está querendo ser rebaixada?" -A mulher trava, ouço o nome dela pela visão e estalo os dedos, como se fazer isso fosse a coisa mais normal do mundo e volto a atenção para minha amiga. -"Leila, eu não estou mentindo! Por favor, acredite em mim! Foi isso o que aconteceu!"
Elas ficam quietas, trocam olhares e faço uma careta, sentindo a dor piorar. A suposta Leila põe a mão no queixo e sai de sua postura ereta, se aproximando de mim ainda com os olhos avermelhados. Eles são assustadores, porém não demonstro medo.
-"Você previu o que eu falei"? -Digo assim que ela abre a boca. -Ah, mas isso é bem previsível. Isso serve como prova da droga do "despertar" ou preciso fazer mais algo?
Faria começa a suar, realmente preocupada e continuo imóvel, olhando-a diretamente nos olhos ao esconder meu medo, estou com um péssimo pressentimento. Os segundos passam e sinto como se fossem horas ao encará-la, testando até quando consigo manter o olhar.
De repente, uma visão atravessa minha cabeça e instintivamente levanto, indo para a esquerda conforme a imagem de algo vermelho me perfurando atravessa meus pensamentos. Leila age de uma vez e quando fecha o punho, cessa seus movimentos, disparando a rir enquanto o meu coração dispara, ela não atacou?
-Então é verdade, incrível! Você até foi pro lado oposto de onde iria te atacar! -Leila senta de novo na cadeira, sorrindo de canto a canto e ponho a mão no peito, quase tive um ataque cardíaco. Por um instante, me vi sendo perfurada na barriga por uma espécie de lança vermelha. -Certo, peço desculpas por não acreditar desde o início, porém é uma história difícil de engolir. -Fechando os olhos, o vermelho se esvai do local e tudo retorna a sua cor normal. A sala marrom treme suavemente com a mudança e Leila olha para mim, muito curiosa. -Ângelo deve tentar te atacar de novo, então vou disponibilizar um quarto na Central Palmares para vocês, podem ir para lá imediatamente se quiserem.
-Ah não, Keila vai estar lá! Ela vai encher a paciência! -Faria murmura e arqueio as sobrancelhas, está falando de mim? -Você não. Tem outra Keila lá.
-Precisamos mesmo disso? Achei que vocês iam, sei lá, procurar esse cara. -Digo e Leila suspira.
-Nós vamos, porém se quiserem ficar nas casas de vocês e serem atacadas, fiquem à vontade. -Ela responde levantando as mãos, tirando a decisão de si e cruzo os braços.
-Prefiro ficar na minha casa, ele não me conhece e acho difícil tentarem um ataque literalmente perto de uma delegacia. -Murmuro e Faria coça a cabeça, desembolando um pouco seu cabelo preto e Leila dá de ombros, literalmente dizendo: Decisão de vocês. -Certo, posso ir agora?
-Com certeza. -Leila diz estendendo a mão na direção da porta. Forço um sorriso amarelo e levanto, indo embora enquanto Faria tem um treco atrás de mim, me seguindo após agradecer a mulher por sei lá o que e saio da sala, passando pela recepção em passos rápidos.
-Como ainda estamos vivas? -Ela murmura em choque e entendo parcialmente o medo dela, aquela Leila parece ser sua superior. Além disso, a visão da lança e aquela sensação de perigo que senti, sequer sei descrever, ela com certeza é forte. -Droga, eu vou mesmo precisar ir lá? Eu odeio...
-Fique na minha casa. -Interrompo-a casualmente. -Nem venha com desculpas esfarrapadas ou com "eu vou incomodar" porque não incomoda. Meu tio nem dorme lá direito, tem um colchão lá sobrando também.
Aperto o botão do elevador e Faria outra vez coça a cabeça, claramente nervosa e sorrio, dessa vez não forçando. Vou gostar da presença dela, ficar em casa sozinha com a Bruta é entediante.
-Vamos lá, noite das garotas, amanhã você vai trabalhar literalmente duas ruas abaixo e eu vou para a academia, que tal? -Dou um soquinho no ombro dela e o elevador abre. -E eu nem preciso usar meu tal de dom pra saber sua resposta, então vem logo!
-Eu vou me arrepender disso. -Ela responde vindo atrás.
-Vai nada! -Digo muito animada, lembrando de quando éramos novas e brincávamos juntas. Fico ainda mais animada, posso até montar meu videogame! Quando foi a última vez que usei ele? Ah, nem lembro. Não importa! Vou montá-lo de novo! Ainda bem que o trouxe quando mudei para cá.
A porta do elevador fecha e descemos, indo embora.
***
Passo a mão na cabeça de Bruta, deitada no meu colo. Ela encara fixamente Faria, tirando o básico de sua mochila ainda extremamente sem graça. Minha cachorra nunca foi muito sociável, a última vez que alguém veio aqui foi o amigo de né, meu tio, e ele sai mordido. Porém dessa vez ninguém saiu sangrando, ambas apenas se olharam e Bruta a ignorou, então já é um bom começo.
-Agora é uma ótima hora para você me contar sobre como aquele Ângelo criou cortes de energias e tu regenerou quase instantaneamente de um corte daquele. -Quebro o silêncio descendo da minha cama, sentando no colchão onde Faria vai dormir com Bruta, ainda encarando-a. Ela estreita os olhos, põem sua escova sobre a mochila e tira a sua camisa rasgada de treinadora, retirando outra idêntica do amontoado de roupa e colocando-a, me ignorando. -Eu ainda estou fazendo o favor de perguntar, sabe que eu posso ver as coisas agora né?
Ela arregala os olhos, voltando a atenção para mim um pouco assustada. Dou um sorrisinho, sabendo o quão ameaçador isso foi. Faria suspira, põe a camisa rasgada dentro da mochila e senta no colchão, olhando de relance para Bruta, encarando-a fixamente.
-Aquilo é o dom dele, aqueles cortes de energia. É difícil de explicar, mas na teoria ele reúne a aura e a lança em cortes, basicamente é isso. -De novo esse negócio de aura? Notando minha dúvida, Faria faz o favor de rir. -Aura é o nome da sua, bem, energia? Acho que os nerds conhecem assim.
-Vou ignorar esse comentário. -Defino e ela se diverte com minha reação. -Então você ter se regenerado é seu dom?
-É, basicamente. -Faria murmura pondo a mão na barriga, provavelmente lembrando daquele momento. Sua expressão fica séria e seus olhos caem, a tristeza domina seu semblante e me sinto muito mal, ela claramente não esperava por isso. -E não conte sobre seu dom para os outros, quanto mais confidencial ele ser melhor é, poucas pessoas têm conhecimentos deles. Basicamente as autoridades e, e alguns grandes nomes, eu acho.
-Saquei. -Respondo e tiro a Bruta de cima do meu colo, pondo-a no chão antes de cruzar as pernas. Ela claramente quer voltar mas nego com a cabeça e o semblante dela murcha, nos encaramos e minha cachorra deita no chão mesmo. Fico com um pouco de dó, porém volto os olhos para Faria, pensando em como render assunto.
-O Ângelo, não sei o que o deixou daquele jeito. -De repente falando, ela aperta a própria barriga e abaixa a cabeça, murchando feito uma flor enquanto a tristeza domina seu semblante. -Quando o conheci ele havia acabado de despertar, sua força era incrível. Eu o chamei pro grupo dos Palmares e de repente começamos a ir juntos nas missões, a conversar e até irmos para os mesmos lugares. E então do nada, Ângelo sumiu, simplesmente desapareceu. Passei duas semanas o procurando por todos os lugares e quando menos estou esperando, ele aparece e tenta me matar. Complicado, né?
Fico em silêncio, pensando se deveria falar sobre o que vi naquela silhueta. Sequer sei se aquele homem era Ângelo, melhor não. Faria sobe os olhos, fazendo uma careta com a lembrança e dou um sorrisinho.
-Tem certeza que não deu um fora nele? -Ela estreita os olhos, corando.
-Não, eu não dei. -Sorrio e silhuetas surgem pela minha visão, imediatamente as dissipo num movimento e Faria nota. -Isso foi as suas, silhuetas?
-É, tipo isso. Aparecem toda hora e sempre minha cabeça dói. -Digo e outra silhueta vem à mente, de uma mulher sentada num banquinho ao lado de um homem. Sorrio, desfazendo-a já sabendo quem são. Porém logo fico séria, lembrando daquela outra imagem do homem sendo cortado pelas máquinas, deve ser o grupo que eles estavam tentando combater, ou algo do tipo. -Mas está melhor que ontem. Já consigo desfazer elas com mais facilidade.
-Você faz isso por um controle de força ou só por pensamento? -Arqueio as sobrancelhas e Faria suspira, forçando um sorriso. -Nem sabe o que é um controle de força, né?
Permaneço em silêncio, tentando pensar em qualquer coisa com esse nome e assim que a silhueta de uma visão se forma, desfaço ela e nego com a cabeça. Minha amiga suspira, estalando os dedos ao pensar numa forma de explicar.
-Basicamente, o controle de força é o nome do processo em que usamos para nos acostumar a aura. -Faço uma careta, sem ter entendido nada e Faria estreita os olhos, ficando em silêncio. Uns segundos passam e a boca dela finalmente abre. -É sua forma de se acostumar com a energia, ficou mais claro?
-Muito. -Digo e faço um joinha.
-Existem vários métodos e formas de criar um núcleo de força, porém eu não sei muitos então vou te ensinar o mais simples. Gosto de chamar isso de cultivo, por quê? Simples, é legal. -Ela ajeita a postura, deixando sua coluna reta antes de ajoelhar, pressionando as mãos nos joelhos ao me encarar. -Vou fazer uma vez e quero que tente ver a aura, depois vou te ajudar a fazer o mesmo. O treino de basquete é só às seis da tarde, então tenho bastante tempo para te ajudar. Preste atenção.
Fechando os olhos, Faria respira fundo e sua pele começa a emitir aquela fraca luz vermelha, ficando mais intensa a cada segundo e lentamente tomando um caminho, por todo o seu corpo, está seguindo pelas veias? Arrepio, vendo a suposta aura seguir pelos membros dela, preenchendo-os conforme vai e volta, retornando pelas artérias.
Todos parecem sair de um único ponto e sempre retornam para ele, bem no meio do tórax de Faria, uma espécie de núcleo. De alguma forma, consigo senti-lo, quase em uma ressonância. Meus olhos queimam e de alguma forma enxergo uma esfera vermelha através da roupa, pulsando como um coração ao bombear a energia pelo corpo. A energia para de se espalhar e somente retorna, saindo dos braços e pernas ao entrar no núcleo. Faria abre os olhos, sem mais nenhum resquício da luz vermelha e suspira, aparentemente cansada.
-Fiz o máximo que consigo para deixar a aura o mais brilhante possível, conseguiu ver alguma coisa? -Concordo com a cabeça. Então essa espécie de cor é a energia dela, a energia dos despertados. A daquela mulher era vermelha, já a de Ângelo era azul, será que muda dependendo da pessoa? -Vamos, tente fazer o mesmo. Irei te ajudar.
-É, tá. -Murmuro, sem ideia nenhuma de como irei fazer isso e Faria se aproxima, sinalizando para eu tentar e respiro fundo, vamos lá né. Fico de joelhos na cama, pondo as mãos neles conforme abaixo a cabeça, tentando sentir qualquer coisa que possa ser a tal aura.
Bruta olha para mim de relance, suas orelhas dobradas estão levemente levantadas e sua atenção voltada na minha posição, aparentemente ela está curiosa. Se concentra! Volto a atenção para o forro do colchão, encarando as estrelas nele em meio ao escuro e uma estranha sensação surge no meu peito.
Fecho os olhos, sem saber se é isso mesmo a tal aura e tento senti-la melhor. Ela está concentrada perto do coração, sendo espalhada lentamente nas batidas cardíacas. Cerro os dentes, deveria tentar movê-la? Tombo a cabeça, contraio os músculos da minha barriga e respiro fundo, um calafrio atravessa minha espinha e um choque parece rasgar meu corpo.
-Não abra os olhos. -Faria ordena e fecho o punho com força, me mantendo na escuridão. A dor bagunça meus pensamentos e a sensação fica mais intensa, queimando dentro de mim como uma chama e grunho, isso dói muito. -Tente espalhar, vai doer um pouco.
-Um pouco. -Repito em um rosnado. Certo, vamos lá. Contraio a barriga e assim que penso em espalhar a chama, algo parece cortar as minhas entranhas e uma mão encosta em mim, a dor diminui e abro parcialmente os olhos, sentindo todo o meu corpo latejar enquanto Faria me pressiona pela barriga.
-Não pare. -Ela novamente ordena e sinto algo adentrar na minha pele, vindo dela. Com os olhos fechados, consigo imaginar uma espécie de gás se espalhar dentro de mim, indo direto para onde as chamas estão concentradas. Espera, isso é a aura de Faria? -Continue, a menos que queira repetir o processo.
Droga. Respiro fundo e tento mais uma vez espalhar as chamas. Imagino um núcleo branco em meio a escuridão, pulsando como um coração ao emitir ondas de energia, exatamente como sinto as chamas. Pressiono minhas pernas, cravando as unhas na pele delas ao tentar espalhar a suposta aura.
Assim que consigo, a energia vinda de Faria inibe a dor e arrepio, sentindo meus músculos arderem e meu coração disparar. De alguma forma, consigo conduzir as chamas pelas minhas veias, controlando-as conscientemente até meus braços, preenchendo-os quase totalmente até alcançar os dedos. O processo é como se estivesse forçando os músculos do local em uma academia. Ainda bem que Faria está aqui, se não isso iria doer umas dez vezes mais.
Faço a força retornar pelas artérias e ordeno que a energia também se espalhe pelas minhas pernas, passando por todo o meu corpo até novamente chegar aos dedos. A única parte que não tento enviar a energia é para a cabeça, por algum motivo sinto que ela deve ser o último lugar a ser preenchido.
Certo, não preciso me preocupar com dor enquanto Faria estiver aqui, então primeiro vou tentar espalhar a energia para todos os membros ao mesmo tempo. Antes disso, faço toda a aura retornar para mais ou menos o centro do meu tórax, perto do meu coração e só então faço a espalho, levantando levemente minha postura conforme pressiono o colchão com as pernas e contraio minhas mãos.
Consigo sentir melhor a energia, dessa vez não mais como chamas, mas similar a um gás em expansão, seguindo pelas veias até onde desejo. Em cerca de dois minutos, faço toda a energia ir e voltar oito vezes. Na nona paro o processo e deixo a força concentrada na espécie de núcleo perto do coração, exausta.
Abro os olhos, o mundo está totalmente azul. Os segundos passam, a cor retorna e Faria sorri de canto a canto, sem estar encostando em mim. Espera, como é!? Ela não estava me apoiando!?
-Isso foi, surpreendente. -Quase tenho um ataque cardíaco. Como aquilo não doeu!? Eu podia ter morrido nessa brincadeira! Aquela hora senti como se uma faca estivesse me rasgando por dentro e essa louca ficou olhando eu fazer tudo sem ajuda!? -Antes de você começar a xingar sua querida amiga, saiba que eu te ajudei um pouquinho no começo e você, só fez em cinco minutos o que eu fiz em quatro meses.
-Tu é treinadora, sempre diz isso pra todo mundo. -Estreito os olhos, sem ter forças para levantar o braço. Faria faz uma careta, voltando os olhos na direção Bruta, totalmente focada em mim.
-Estou dizendo a verdade, se não acredita em pouco tempo vai tirar a prova por si mesma. Quando Leila for te testar para entrar no grupo, com toda certeza vai ficar impressionada. -Claro, com certeza vai. Saio de cima dos meus joelhos, sentindo cada músculo do meu corpo doer. Sinto como se tivesse malhado braços, pernas e abdômen juntos, tá doido. -Saiu da posição por quê? Temos até o almoço para praticar, e tu vai comigo pro basquete.
-O que!? Faria, eu to exausta! Não aguento mais...
-Ângelo falava a mesma coisa. Anda logo, levanta essa bunda magrela e volta pra posição. -Fecho a cara, como é!? Olha a audácia! Ela ri da minha reação e respiro fundo, cruzando as pernas. Ponho as mãos nela e deixo a coluna reta, vou tentar fazer assim. -Preparada?
-Não, mas vamos lá. -Murmuro fechando os olhos. -E você me paga por isso.
-Aham, claro. -Concentro novamente no núcleo, tentando refazer o processo sem ajuda dela.
E de alguma forma, eu consigo sem dificuldade.
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